Acórdão nº 3546/15.2T8LOU.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 10 de Abril de 2018
Magistrado Responsável | PINTO DE ALMEIDA |
Data da Resolução | 10 de Abril de 2018 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça[1]: I.
AA, posteriormente acompanhado pela chamada, sua mulher, BB, intentou a presente acção declarativa comum, contra CC e marido DD.
Concluiu, pedindo que: I) seja reconhecido seu o direito de propriedade sobre o prédio que descreve como seu; II) seja reconhecido que o seu prédio e os identificados prédios dos RR pertenceram ao mesmo dono, até à data da escritura de partilha, celebrada em 4 de Junho de 1954, no Cartório Notarial de ..., na qual declararam os outorgantes dividir e partilhar um prédio em três lotes, em que o segundo lote foi adjudicado aos (ali) segundos outorgantes EE e mulher FF (pais do aqui A.) e o terceiro lote foi adjudicado aos (ali) terceiros outorgantes CC e marido HH (avós da R. mulher); III) seja reconhecido que em data anterior (04/06/1954) à separação de domínios do actual prédio (319/C...) do A. e dos actuais prédios (220/R e 218/U) dos RR., a serventia de passagem já existia, ou seja, o actual prédio do primeiro já beneficiava, para acesso à via publica e vice-versa, de uma serventia, sobre os actuais prédios dos RR. identificados em a) e b) do artigo 8° da p.i., direito esse que sempre se exerceu por uma faixa de terreno em linha recta, com uma extensão de cerca de 57 metros e com uma largura aproximada de 4 metros, melhor descrita e caracterizada em 9°, 10° e 11° da p.i. e com a configuração e traçado constante na planta topográfica junta.
IV) seja reconhecida a existência a um direito de servidão de passagem, constituída por destinação de anterior proprietário (destinação do pai de família) a favor do (agora) prédio (319/C...) do A., gozando de uma servidão permanente de pé, carro e gado, por um caminho (faixa de terreno) existente no (agora) prédio dos RR. (218/U) e que o onera.
Caso assim não se entenda: Seja reconhecida a existência a um direito de servidão de passagem, constituída por usucapião, a favor do (agora) prédio (319/C...) do A., gozando de uma servidão permanente de pé, carro e gado, por um caminho existente no (agora) prédio (218/U) dos RR. e que o onera.
V) se condene os RR. a permitir que o acesso, da via pública ao prédio do A. e vice-versa, se faça pela faixa de terreno existente no seu prédio e que se abstenham de praticar actos que impeçam ou perturbem o aludido acesso.
VI) se condene os RR a removerem o portão que colocaram, abusivamente, no início do caminho de servidão, na estrema em que o mesmo confronta com a via pública, permitindo o livre exercício do direito de servidão de passagem a favor do prédio do A..
Caso assim não se entenda: Se condene os RR. a entregarem ao A. uma chave do portão; E, cumulativamente, VII) se condene os RR. no pagamento de uma quantia pecuniária, de acordo com o prudente arbítrio do Tribunal e na máxima amplitude legal permitida, mas nunca inferior a 50€/dia, por cada acto de perturbação do direito à servidão de passagem e/ou por cada dia de atraso na remoção dos obstáculos que impedem o livre exercício do referido direito, nos termos do artigo 829°-A do CC.
VIII) se condene os RR. no pagamento ao A. de uma indemnização, a liquidar em execução de sentença, com vista a ressarcir os prejuízos por este sofridos por força da actuação daqueles.
Como fundamento, alegou que foi constituída uma servidão de passagem por destinação do pai de família a favor do seu prédio, através de um caminho que percorre o prédio dos RR, sem prejuízo de que tal servidão sempre haveria de ter-se por constituída por usucapião. Mais referiu que os RR. colocaram um portão junto a esse caminho, que os impede de circular pelo mesmo, o que lhes causa transtornos.
Os réus contestaram, alegando (além da ilegitimidade, sanada com a intervenção), que não existe servidão por destinação do pai de família, que a existir a mesma deve ser extinta por desnecessidade e para o caso de se considerar que existe servidão, deduzem pedido reconvencional conducente à sua extinção por desnecessidade ou abuso de direito.
Concluem pela improcedência da acção ou caso se considere a existência de um caminho de servidão, seja julgada procedente a reconvenção e o A./reconvindo condenado: A) a ver judicialmente declarado que a servidão predial de passagem constituída sobre o prédio dos Reconvintes descrito no art. 36° da reconvenção a favor e em proveito do prédio discriminado no art. 1° da petição inicial se tornou desnecessária ao prédio dominante, consequentemente; B) a ver, igualmente, declarada a extinção da identificada servidão por desnecessidade; C) Ou, na hipótese de se entender que a servidão constituída por destinação do pai de família não pode ser extinta por desnecessidade, ser declarada extinta a mesma servidão por manifesto abuso do direito; D) em qualquer das hipóteses, a abster-se, de futuro, de utilizar o referenciado prédio dos RR./reconvintes para quaisquer fins.
O A. replicou, mantendo o alegado na p.i. e impugnando a existência de outro caminho que sirva igualmente as suas necessidades.
Percorrida a tramitação normal, foi proferida sentença que julgou procedente a acção, excepto quanto ao pedido indemnizatório e à remoção do portão, considerando, quanto a este, suficiente a entrega de chave ao autor.
Consequentemente, julgou improcedente a reconvenção.
Discordando desta decisão, os réus interpuseram recurso de apelação, que a Relação julgou improcedente, confirmando a sentença recorrida.
Ainda inconformados, os réus vieram pedir revista, excepcional (art. 672º, nº 1, al. c), do CPC) que foi admitida, tendo formulado as seguintes conclusões: (…) 7) No caso dos autos, considerou-se constituída, por destinação do pai de família, uma servidão predial de passagem de pé e carro imposta nos identificados prédios dos Recorrentes, a favor do prédio do recorrido, sendo certo que passou a ser desnecessária ao prédio dominante, desde que este ficou servido de acesso directo à via pública - Rua …, em 1998.
8) Para constituição desta servidão, aliás como de quaisquer outras, e tendo em conta o estatuído nos arts. 1543° e 1544° do Código Civil, é condição indispensável, mercê da sua natureza de encargo que limita os poderes do proprietário do prédio serviente, a utilidade que representa para o prédio dominante, como aliás já se verificava no Direito Romano, através do brocardo servitus fundo utilis esse debet.
9) Uma servidão que não represente um benefício não só viola o princípio da tipicidade dos direitos reais, com a consequência da sua nulidade, como ofende o princípio do conteúdo tendencialmente ilimitado do direito de propriedade, sempre que essa compressão não se justificar, face ao quadro objectivo de circunstâncias em análise (arts. 1305º, 1306º e 294º do CC).
10) Acresce, como proficientemente justifica Tavarela Lobo, com base na analogia entre as situações de mudança e extinção das servidões, que é de afastar a interpretação literal do nº 2 do art°. 1569°, adoptada no acórdão recorrido, segundo o qual a desnecessidade constitui fundamento apenas para a extinção das servidões que hajam sido constituídas por usucapião e das servidões legais, qualquer que tenha sido o título constitutivo.
11) E mau grado seja claro que quem defende tal interpretação, entende que se justifica logicamente a cessação de todas as servidões que se tornem desnecessárias.
12) Tal como ao Ilustre autor, afigura-se-nos preferível o entendimento de que o princípio da extinção da servidão por desnecessidade deve estender-se a todas as servidões, seja qual for o seu título de constituição, com base nas conclusões firmadas no domínio da mudança de servidão e na manifesta analogia de situações entre a situação de facto derivada dessa mudança para outro prédio e a situação geral de desnecessidade da servidão.
13) Assim, no actual quadro substantivo, não se verifica qualquer impedimento legal à extinção por desnecessidade da servidão predial constituída por destinação de pai de família, "uma vez que as normas não devem ser interpretadas isoladamente mas tendo em conta a unidade do sistema jurídico, até porque estão ligadas entre si e só se entendem dentro do espírito daquele" (cfr. Rita Valente Ribeiro e Castro Teixeira).
14) Por outro lado, a utilização do direito de servidão, nos moldes considerados provados, ofende o fim social da previsão normativa desse mesmo direito: facilitar a exploração das terras e o uso dos prédios, ao oferecer um meio técnico de aumentar a utilidade económica dos bens, através da afectação de um bem ao serviço de outro ou outros.
15) E afecta negativamente o que a doutrina denomina por função social dos direitos reais, por se perpetuar uma servidão que não traz qualquer benefício e, por conseguinte, consiste num encargo...
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...integra o prédio ...96º, da propriedade da Autora]. [10] Neste sentido vide o acórdão do STJ de 10/04/2018, proferido no proc. nº 3546/15.2T8LOU.P1.S1, também ele acessível em www.dgsi.pt/jstj. [11] Neste sentido, HENRIQUE MESQUITA, in RLJ 135-151 e segs. e os acórdãos do STJ de 03.03.2005,......
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