Acórdão nº 3775/19.0T8VCT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 04 de Fevereiro de 2021

Magistrado ResponsávelMARIA JOÃO MATOS
Data da Resolução04 de Fevereiro de 2021
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES I – RELATÓRIO 1.1.

Decisão impugnada 1.1.1. J. C.

e mulher, R. C.

(aqui Recorrentes independentes), residentes em …, Avenue …, em França, propuseram a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra M. C.

(aqui Recorrente subordinada), residente no Caminho …, n,º …, em …, pedindo que · fossem declarados como donos e legítimos proprietários de um prédio rústico (que melhor identificaram), condenando-se a Ré a reconhecê-los como tal; · fosse declarado que um prédio urbano da Ré (que melhor identificaram), contíguo ao rústico deles próprios, está onerado com uma servidão para secagem de cereais, constituída por destinação de pai de família, sobre o terraço de um coberto, materializada nas escadas que permitem o acesso de um espigueiro existente no seu próprio prédio rústico ao dito terraço do coberto existente no prédio urbano da Ré, condenando-se esta a reconhecê-lo; · a Ré fosse condenada a repor imediatamente (reconstruindo-as) as escadas que demoliu e que davam acesso, a partir do referido espigueiro, ao dito terraço do coberto, concedendo-se-lhe o prazo de sessenta dias para o efeito; · a Ré fosse condenada a pagar-lhes, a título de sanção pecuniária compulsória, a quantia de € 50,00 por cada dia de impedimento decorrido sobre o prazo que viesse a ser fixado para reposição das escadas que demoliu.

Alegaram para o efeito, em síntese, terem eles próprios e a Ré adquirido (por partilha dos pais comuns do Autor marido e dela, realizada em Janeiro de 2001, e por usucapião), respectivamente, um prédio rústico e um prédio urbano, contíguos entre si.

Mais alegaram que, no ano de 1983, os pais do Autor marido e da Ré tinham construído um coberto com terraço no prédio urbano que depois viria a ser dela, e bem assim uma escada entre aquele e um espigueiro existente no prédio rústico que depois viria a ser deles próprios (sendo então ambos os prédios dos pais comuns); e fizeram-no por forma a utilizarem o terraço do coberto como eira, para secagem de cereais produzidos no que é hoje o seu prédio rústico.

Alegaram ainda os Autores que, após a partilha de Janeiro de 2001, eles próprios continuaram a aceder ao coberto e a utilizá-lo para o mesmo fim, o que fizeram de forma ininterrupta até Maio de 2017, altura em que a Ré destruiu as escadas que o permitiam, privando-os desse modo da utilização que dele faziam.

1.1.2.

Regularmente citada, a Ré (M. C.) contestou, pedindo que: a acção fosse julgada improcedente, sendo ela própria absolvida do pedido; e os Autores fossem condenados como litigantes de má fé, em multa e indemnização a seu favor, de montante nunca inferior a € 3.000,00.

Alegou para o efeito, em síntese, que tendo os aqui Autores pretendido contestar uma anterior acção proposta por ela, com vista ao reconhecimento do seu direito de propriedade sobre o coberto com terraço em causa (reclamando-o como deles próprios), viram-na proceder; e, por isso, teria ficado demonstrado, não só o direito de propriedade dela própria sobre o dito coberto, como a falsidade do aqui alegado pelos Autores (já que, se pretensamente eram proprietários do edifício em causa - como na prévia acção alegaram -, não poderiam agora defender ter sido constituída sobre ele qualquer servidão, que os beneficiasse).

Mais alegou nunca terem os Autores cultivado o seu prédio rústico (tanto mais que são emigrantes em França), mas sim, e exclusivamente, os pais do Autor marido e dela própria e, após a sua morte, ela mesma; e só eles usando e beneficiando do terraço do coberto.

Por fim, alegou que, tendo deixado de proceder àquele cultivo e pretendendo vender o seu prédio urbano, demoliu as escadas em causa, não tendo os Autores reagido durante muito tempo a essa demolição, precisamente por reconhecerem assistir-lhe esse direito.

Relativamente à alegada litigância de má fé dos Autores, a Ré alegou terem os mesmos defendido, em duas (distintas e sucessivas) acções, versões contrárias dos mesmos factos, deduzindo nesta uma pretensão cuja falta de fundamento não poderiam ignorar, fazendo do processo um uso manifestamente reprovável, e com o fim de obter um objectivo contrário à lei.

1.1.3.

Os Autores (J. C. e mulher, R. C.) responderam à pretensão de condenação respectiva como litigantes de má fé, pedindo que se tivesse a mesma por não verificada.

Alegaram para o efeito, em síntese, não ter sido admitida, por extemporânea, a contestação que apresentaram na acção prévia a esta, o que impediria aqui a consideração do seu conteúdo.

Mais alegaram que em ambas as acções o que essencialmente pretendiam era que fosse reconhecido o seu acesso ao terraço do coberto em causa, não se verificando por isso a litigância de má fé invocada pela Ré.

1.1.4.

Foi proferido despacho: fixando o valor da acção em € 5.000,01; dispensando a realização de uma audiência prévia; saneador (certificando tabelarmente a validade e a regularidade da instância); dispensando a identificação do objecto do litígio e a enunciação dos temas da prova; apreciando os requerimentos probatórios das partes e designando dia para a realização da audiência final.

1.1.5.

Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença, julgando a acção parcialmente procedente, lendo-se nomeadamente na mesma: «(…) DECISÃO Termos em que se decide julgar a presente acção parcialmente procedente e, em consonância:

  1. Declarar que os autores são donos e legítimos proprietários do prédio rústico identificado na alínea b) do ponto 7. dos factos provados; b) Condenar a ré a reconhecer o direito de propriedade aludido em a).

    *Quanto ao mais, decide-se absolver a ré dos restantes pedidos contra si formulados pelos autores.

    Mais se decide absolver os autores do pedido de condenação como litigantes de má-fé.

    As custas da acção serão integralmente suportadas por autores e ré, na proporção de 80% e 20%, respectivamente, e as custas do pedido de condenação como litigante de má-fé serão suportadas em exclusivo pela ré.

    Registe e notifique.

    (…)»*1.2. Recursos 1.2.1. Independente (dos Autores) 1.2.1.1. Fundamentos Inconformados com esta decisão, os Autores (J. C. e mulher, R. C.) interpuseram recurso independente de apelação, pedindo que o mesmo procedesse e se condenasse a Ré na totalidade dos pedidos por eles formulados.

    Concluíram as suas alegações da seguinte forma (reproduzindo-se ipsis verbis as respectivas conclusões):

    1. Os autores com a presente acção pretendem seja declarado que o prédio da ré, identificado no ponto 2 dos factos provados, está onerado com uma servidão constituída por destinação do pai de família e, consequentemente, se condene a ré a reconhecer esta servidão e a reconstituir as escadas que demoliu; B) Com vista ao reconhecimento da sua pretensão os autores alegaram os pertinentes factos, os quais constam da factualidade provada; C) Entre esses factos destacam-se os que constam dos pontos 1, 2, 7, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20 e 21; D) Para além da factualidade identificada na precedente alínea, há a considerar a circunstância de na escritura pública de 6 de Janeiro de 2001, exarada de fls. 22-v a fls. 30 do livro de notas nº 303-A, do extinto 2º Cartório Notarial de Viana do Castelo, a cargo do Notário M. P., através da qual foi efectuada a partilha por óbito de M. C., mãe do autor marido e da ré, não constar qualquer declaração no sentido de afastar a constituição do encargo; E) A constituição de servidão por destinação do pai de família encontra-se consagrada no artigo 1549º do Cód. Civil; F) Por seu turno, o artigo 1543º do Cód. Civil contém a noção genérica de servidão, e o artigo 1544º do mesmo diploma define o conteúdo da servidão; G) Da factualidade alegada e das disposições legais contidas nos artigos 1543º, 1544º e 1549º do Cód. Civil, resulta claramente a constituição de servidão por destinação do pai de família em benefício do prédio rústico propriedade do autor marido, identificado na alínea b) do artigo 7º da p.i., à custa do prédio propriedade da ré, identificado no artigo 2º da mesma peça, mais concretamente da cobertura do anexo ou coberto; H) Como requisito essencial da constituição da servidão por destinação do pai de família avulta a exigência de se estar perante uma situação de serventia estabelecida entre dois prédios ou duas parcelas de um prédio, criada ou seguida pela pessoa que de tais prédios ou fracções era o dono, verificando-se os sinais de serventia e utilização ao tempo da separação da titularidade dos prédios ou das fracções – Acd. do S.T.J. de 29/03/2011, proferido no processo nº 745/04.6TBALQ.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt; I) Na mesma linha de entendimento pronunciou-se o mesmo S.T.J. no Acórdão proferido em 14/05/2009 no âmbito do Processo 09A0661 quando refere: “A constituição da servidão por destinação do pai de família pressupõe o concurso dos seguintes requisitos essenciais: que os dois prédios ou as duas fracções do mesmo prédio tenham pertencido ao mesmo dono; relação estável de serventia de um prédio a outro ou de uma fracção a outra, correspondente a uma servidão aparente, revelada por sinais visíveis e permanentes (destinação); separação dos prédios ou fracções em relação ao domínio (separação jurídica), e inexistência de qualquer declaração, no respectivo documento, contrária à destinação.” – disponível em www.dgsi.pt;~ J) Apreciando o caso concreto do presente processo constata-se o seguinte: a) Quer o prédio do autor marido, ora recorrente, identificado na alínea b) do artigo 7º da p.i., quer o prédio da ré, ora recorrida, identificado no artigo 2º da mesma peça, pertenceram até à realização da partilha ao mesmo dono, mais concretamente ao pai de ambos; b) A existência estável e fixa de serventia de um prédio a outro consubstanciada nas escadas de betão que outra finalidade não tinham que não fosse a de permitir o acesso do espigueiro implantado no prédio do autor à cobertura – terraço – do prédio propriedade da ré, onde aquele secava o milho e outros cereais...

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