Acórdão nº 01688/11.2BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 20 de Maio de 2016

Magistrado ResponsávelFrederico Macedo Branco
Data da Resolução20 de Maio de 2016
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I Relatório AMML, no âmbito da Ação Administrativa Especial intentada contra o Município do Porto, tendente, em síntese, a impugnar “o ato administrativo praticado pela Vereadora do Pelouro da Habitação ..., consubstanciada na decisão de cessação do direito de utilização de habitação e despejo administrativo ….”, operada por Edital de 12 de Novembro de 2010, inconformado com o Acórdão proferido em 21 de Junho de 2013 (Cfr. fls. 111 a 119 Procº físico) que julgou a ação “improcedente”, veio interpor recurso jurisdicional do referido Acórdão, proferido em primeira instância e em coletivo, no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto.

Formula o aqui Recorrente/AMML nas suas alegações de recurso, apresentadas em 18 de setembro de 2013, as seguintes conclusões (Cfr. fls. 125 a 147 Procº físico): “I - A decisão do Tribunal a quo revela uma deficiente e incompleta análise e fixação da factualidade vertida nos autos e não considera factos provados por documentos constantes dos autos, tidos erradamente como não provados, não se pronuncia sobre a invocação de erro de direito na aplicação de preceito legal de que enferma o ato administrativo e pronuncia-se sobre pedido não constante da p.i., o que conduziu a uma decisão que enferma de erro de julgamento de facto e de uma deficiente subsunção ao direito.

II - Estamos perante uma relação de arrendamento social, que não é de origem contratual, que visa prover habitação minimamente condigna a pessoas carenciadas, de fracos recursos económicos, assente em interesses sociais de proteção dos cidadãos mais carenciados, por parte do Estado, geradora de situações em que o Tribunal deve também controlar o respeito pela Administração dos princípios jurídicos consagrados na lei fundamental como, além de outros, os princípios da igualdade, da imparcialidade, da boa-fé, da justiça e da proporcionalidade.

III - Isto é, escrutinando também se a Administração, no exercício dos seus poderes, está a prosseguir o interesse imposto pelo legislador pelo meio que representa o menor sacrifício para os direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares, logo com respeito pelo princípio da proporcionalidade.

IV - Se tomarmos o exemplo de uma obra não licenciada em que a Câmara Municipal só deve ordenar a sua demolição se a mesma for totalmente irrecuperável dentro de um projeto a analisar, será que a um agregado familiar de fracos recursos económicos que vive num fogo camarário, com problemas de doença da maior parte dos seus membros e com forte redução dos seus rendimentos devido a situações de desemprego, que se atrasou no pagamento da renda, não poderá ser dada a oportunidade de refazer a sua situação através de uma diminuição da renda e calendarização do pagamento da dívida? V - Trata-se, no caso sub judice, de uma decisão do Município do Porto, na qualidade de senhorio de bairros sociais, tomada ao abrigo de um poder discricionário, como resulta claramente do conteúdo normativo da Lei 21/2009 de 20 de Maio que no seu artº 3.º n.º 1 estabelece que: “1- Sem prejuízo das condições do título de ocupação do fogo, pode a entidade proprietária dos imóveis cedidos determinar a cessação da utilização do fogo atribuído, com os seguintes fundamentos:” Seguindo, aliás, o que já constava do Decreto 35106 de 6/4/1945 que no seu artº 12.º também estabelecia: “Os ocupantes das casas podem ser desalojados sempre que se verifique não terem necessidade de ocupar a casa ou se tornem indignos do direito de ocupação que lhes foi concedido”.

VI - Não basta, pois, que o douto Acórdão do Tribunal a quo faça o controlo do ato praticado pelo Município com base no que está consentido na lei, deve também aferir se respeitou os princípios que limitam o seu poder discricionário, tendo em conta as circunstâncias concretas.

VII - Era pois necessário que nessa decisão o Tribunal tivesse analisado se o poder exercido pelo Município, dentro da discricionariedade que lhe é concedida pela lei, escolheu a solução que menores custos acarreta para uma família de fracos recursos económicos afetada por doenças dos seus membros, um dos quais uma idosa de 76 anos acamada e totalmente dependente, e outro, a esposa do Autor, que sofre de doença pulmonar, numa condição física que não permite viver sem a ajuda respiratória e nebulizações de 4 em 4 horas, com fístula traqueo-esofágica intensa (2 orifícios) que obrigou à introdução de prótese de Dumon, tem grande dificuldade em respirar e denota grande esforço para falar e fazer-se ouvir com alguma percetibilidade, e ainda situação de desemprego do próprio autor; VIII - Comparando esses custos para essa família, com as vantagens que do seu ato esperava para o interesse público, caso não se queira admitir, o que não se consente, que a proteção dos direitos e interesses desta família nas circunstâncias descritas está revestida, por si mesmo, de um interesse público.

IX - Nada disso está espelhado no douto Acórdão do Tribunal a quo, que se limita a uma leitura estrita da letra da lei para concluir em relação a cada facto concreto pela não conformidade da atuação do agregado familiar com a lei e partir daí para concluir que as pretensões do autor são inatendíveis, acabando mesmo por declarar de forma surpreendente que “Se a lei está correta ou não é matéria que não incumbe ao Tribunal imiscuir-se, mas é a lei que vigora à data do pedido de reapreciação” (pag. 9, parte final).

X - Ora, para se chegar a um considerando daquela natureza é necessário afastar o conteúdo do artº 9.º do C.Civil, para que o julgador se sinta impedido de interpretar a lei face às circunstâncias da situação concreta, bem como os Princípios Gerais de direito a que a Administração Pública está subordinada, cf. conteúdo do CPA nomeadamente os artº 3.º a 12.º, com destaque in casu para o princípio da proporcionalidade.

XI - Como é dito por AMML Francisco de Sousa in Código do Procedimento Administrativo - Anotado e Comentado pag. 43 “Quid Juris” Ed. 2009, “O princípio da proporcionalidade em sentido estrito impõe que a exigência da Administração, para ser legal, não represente para o cidadão, no seu cômputo global, custos ou ónus (os aspetos negativos que ela representa) que ultrapassem visivelmente as vantagens (benefícios) que da imposição se esperam para o interesse público”.

E sobre a prossecução do interesse público, refere o mesmo e obra citada, pag. 38: “5. Um interesse particular pode ter relevância pública e pode transformar-se em interesse público. O interesse público não é uma mera soma de interesses particulares, nem se mede pelo número de particulares beneficiados. O interesse público deve ser a solução mais conveniente à luz dos critérios jurídicos e de política administrativa para o caso concreto, nos limites impostos pela lei e pelo direito. O interesse público é o resultado de uma ponderação (pesagem) de custos e benefícios de uma determinada ação, tolerância ou omissão.

  1. A prossecução do interesse público está intimamente ligada à proteção dos direitos e interesses dos cidadãos. Trata-se de polos opostos que, geralmente, se limitam mutuamente”.

    XII - Recorde-se que, no caso sub judice, o modesto pedido do autor é tão-somente o seguinte: reapreciação da situação do fogo em causa através de uma reponderação a fazer pelo Município tendo em conta os rendimentos acuais do agregado familiar e a situação de doenças incapacitantes de três dos seus quatro membros, através de uma redução do valor da renda e de um plano que permita o pagamento da dívida atrasada originada pela falta de pagamento da renda durante um certo período de tempo coincidente com situações de aflição no seio familiar pela conjugação de doenças e desemprego, conforme explicado na p.i. para que se remete.

    XIII - Posto isto, o Acórdão aqui sob recurso refere que “A questão essencial a decidir resume-se em saber se a situação do agregado familiar ocupante do fogo em apreço encontra acolhimento legal de forma a que o mesmo se possa manter no imóvel” (pag. 5); XIV - No seu enquadramento legal, os factos que estão na origem da decisão de despejo administrativo – atrasos no pagamento de rendas – ocorreram em períodos compreendidos entre 2008 e 2009, pelo que a Lei 21/2009 de 20 de Maio em que o Município do Porto fundamenta a decisão só se aplica a uma...

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