Acórdão nº 355/14.0GLSNT.L1-5 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 24 de Abril de 2018

Magistrado ResponsávelLUÍS GOMINHO
Data da Resolução24 de Abril de 2018
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam, em conferência, na Secção Criminal (5.ª) da Relação de Lisboa: I - Relatório: I - 1.) No Juízo Central Criminal de Sintra (J2), Comarca de Lisboa Oeste, foram os arguidos AP e JM, com os demais sinais, submetidos a julgamento em processo comum com a intervenção do tribunal colectivo, acusados pelo Ministério Público da prática, sob a forma de co-autoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelo disposto nos art.ºs 21.º e 24.º, al. h), do DL n.º 15/93, de 22/01, com referência às tabelas I-A, I- B e I-C, anexas a este diploma.

Mais foi requerido que o segundo fosse condenado como reincidente, nos termos dos artigos 75.º e 76.º, do Código Penal.

Efectuado o julgamento e proferido o respectivo acórdão veio a decidir-se, entre o mais, o seguinte: Condenar a arguida AP como co-autora de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, na forma tentada, p. e p. nos termos dos artigos 21.º, n.º 1 e 24.º, al.ª h), do DL n.º 15/93, de 22-01, com referência às tabelas I-A, I-B e I-C, anexas a este diploma, em conjugação com os artigos 22.º e 23.º, do Código Penal, na pena de quatro anos e três meses de prisão, cuja execução se suspendeu pelo mesmo período, sujeito a regime de prova.

Condenar o arguido JM como co-autor de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, na forma tentada, previsto e punido nos termos dos artigos 21.º, n.º 1 e 24.º, al.ª h), do D. Lei n.º 15/93, de 22-01, com referência às tabelas I-A, I-B e I-C, anexas a este diploma, em conjugação com os artigos 22.º e 23.º, do Código Penal, como reincidente, na pena de cinco anos e nove meses de prisão.

I - 2.) Inconformados com o assim decidido, recorreram quer o Ministério Público quer o arguido JM para esta Relação, desta forma sintetizando as razões da sua discordância: I – 2.1.) Recorrente Ministério Público: 1.ª - Não existe prova alguma de que foi o arguido a solicitar a entrega de produto estupefaciente. Com efeito, conforme referiu a arguida, tal como vem aliás, plasmado na motivação de facto deste acórdão, foi a mesma quem, por necessidade de pagar a renda disse ao arguido que iria fazer algo arriscado, tendo-lhe depois confidenciado que iria introduzir droga e que este lhe respondeu ser arriscado.

  1. - Não existe nenhum facto provado que comprove que o arguido tenha solicitado, ou pedido, ou combinado com a arguida a entrega a ele próprio de produto estupefaciente.

  2. - Também se provou que o arguido tinha sobre esse facto um conhecimento cujos contornos não foram apurados (sobre esta prova basta atentar no que foi referido na motivação de facto do acórdão recorrido).

  3. - Também não foi feita prova de que sendo o arguido o destinatário do estupefaciente este o destinava à cedência a outros reclusos. Aliás, o acórdão teve essa dificuldade referindo mesmo que o arguido cederia o produto apreendido a reclusos.

  4. - O arguido ainda que estivesse ciente de que ia receber estupefaciente, o que é certo é que pelas condições de reclusão, nenhum acto praticou no fornecimento do mesmo à arguida, não participou na obtenção e transporte do estupefaciente pela mesma, não participou em qualquer circunstância, em qualquer acto relativo àquele estupefaciente.

  5. - Quando muito teria o arguido a expectativa de vir receber estupefaciente. Esse conhecimento e expectativa não têm sequer idoneidade para ser considerados como actos preparatórios para os efeitos do art.º 21.º do Código Penal.

  6. - Não existe nenhum elemento de prova que possa sustentar a afirmação de que o arguido ia receber o estupefaciente e o ia ceder a outros reclusos. É uma afirmação não sustentada na prova. Só por mera dedução se pode afirmar. A mera dedução também não está demonstrada nem pelas regras da experiência comum, as quais têm igualmente de ser lógicas e demonstráveis.

  7. - Também foi ainda dado como provado que, como contrapartida de transporte de estupefaciente para o interior do EP, seria entregue à arguida AP montante monetário não apurado.

  8. - Na situação dos autos não vislumbramos em que moldes estes os co-autores se pagam entre si. É que se havia um conluio entre os arguidos, como afirma o acórdão, não faz sentido que a arguida recebesse contrapartida apenas pelo transporte, aliás, essa questão nem se colocaria pois cada co-autor tinha o seu papel.

  9. - A afirmação deste facto só faz sentido quando enquadrada na versão da arguida de que foi um terceiro que a convenceu a introduzir o estupefaciente mediante contrapartida monetária não apurada pelo “transporte” para o interior da prisão.

  10. - Daí que, existindo um enorme erro na apreciação da prova, deve o arguido JMser absolvido.

  11. - A arguida AP(tal como o arguido JM) encontra-se acusada de ter cometido crime de tráfico de estupefacientes, na forma agravada, designadamente por força do disposto no artigo 24º h) do Dec. Lei nº 15/93, segundo o qual as penas previstas no artigo 21º são aumentadas de um terço nos seus limites mínimo e máximo se a infracção tiver sido cometida em instalações de serviços de tratamento de consumidores de droga, de reinserção social, de serviços ou instituições de acção social, em estabelecimento prisional, unidade militar, estabelecimento de educação, ou em outros locais onde os alunos ou estudantes se dediquem à prática de actividades educativas, desportivas ou sociais, ou nas suas imediações.

  12. - Refere o acórdão recorrido que se provou que “conhecendo o carácter ilícito da sua conduta a arguida detinha (mas agiram em co-autoria) e ambos os arguidos destinavam a cocaína, heroína e haxixe a ser cedida a terceiros. Assim encontra-se preenchido o tipo base do art.º 21.º do DL 15/93 de 22 de janeiro. (…) no art.º 24.º enumeram-se circunstâncias agravantes da medida das penas em particular e no que interessa ao caso, a da al.h) relativa à prática do facto em estabelecimento prisional, entendendo-se que a mesma não é de aplicação automática. (…) no entanto, visando os arguidos ceder o produto estupefaciente pelos demais reclusos, mediante contrapartidas monetárias, o que não vieram a fazer, porquanto parte do produto estupefaciente foi desde logo apreendido no parlatório, aquando da revista á arguida e p demais encontrava-se na mala da arguida, para ser transportado para o interior do EP no dia seguinte, estamos perante uma tentativa” 14.ª - Ou seja, o que o acórdão nos quer dizer é que estamos perante a prática de um crime na sua dimensão base, e em simultâneo perante a tentativa de uma agravante desse mesmo crime.

  13. - Também nos diz o acórdão no parágrafo seguinte que afinal se tratam de dois crimes diferentes, um crime é o previsto no art.º 21.º e outro crime é o que contém a agravante, ou seja, o crime previsto no art.º 24.º. Diz assim: “assim, estamos perante um caso de concurso de crimes impróprios ou aparente, a não justificar a punição por ambos os crimes – um de tráfico de estupefacientes agravado, na forma tentada, previsto e punido nos termos do art.º 21.º n.º1 e art.º 24.º al .h) do DL 15/93 de 22.1 e art.º 22.º e 23.º do Código Penal e um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido nos termos do art.21.º, n.º1 do DL 15/93 de 22.01”.

  14. - Quanto ao crime de tráfico de estupefacientes agravado na forma tentada, ali designado como crime dominante é punido com pena de 1 a 10 anos de prisão. O crime de tráfico de estupefacientes do art.º 21.º ali designado por crime dominado é punível com pena de 4 a 12 anos de prisão. Donde, conclui o acórdão, “considerando que se apenas tivesse sido praticado o crime de tráfico de estupefacientes por detenção de droga, o ilícito dominado seria mais severamente punido do que aquele que, para além do ilícito dominado, realizou também o dominante, em termos de sanção a pena deverá ser a do crime dominado, ou seja, de prisão entre 4 a 12 anos” 17.ª - Ou seja, o acórdão recorrido considera que os arguidos praticaram um crime na forma tentada e deveriam ser condenados pela pena do crime que tentaram, porém, devido às regras da punição da tentativa como a sanção seria mais leve do que a prevista para o crime que praticaram efectivamente devem ser punidos pelo que tem a pena mais severa. Cometem um crime mas são punidos por outro com a pena mais severa.

  15. - Há um erro manifesto na interpretação do art.º 24.º do DL 15/93 de 22 de Janeiro.

  16. - A previsão desta norma refere-se unicamente a agravantes do crime de tráfico de estupefacientes p.p. pelo art.º21.º e não a um crime autónomo ainda que designado por aparente.

  17. - Sendo certo que, em termos de vertente objectiva do tipo, não existe qualquer dúvida de que a arguida APrealizou uma conduta subsumível ao crime de tráfico de estupefacientes.

  18. - Abstractamente considerando, a agravante da al. h) do art.º 24.º encontra-se verificada, dado que resultou demonstrado que a mesma quisera deter as substâncias estupefacientes em causa com o propósito de as introduzir no Estabelecimento Prisional de Sintra, local onde então cumpria pena de prisão o arguido JM.

  19. - Mas tanto seria admitir que as circunstâncias que podem agravar a moldura do crime de tráfico de estupefacientes, previstas no artigo 24º do Dec. Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, são de funcionamento automático, isto sem ter em conta a globalidade dos factos praticados de modo a aferir se aquelas circunstâncias estão ou não preenchidas no caso concreto, o que de todo não sufragamos.

  20. - O Dec. Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, desenhou, no seu art. 21º, um tipo base de tráfico de estupefacientes, tendo aditado a este circunstâncias relativas à ilicitude (e não à culpa), que agravam – artigo 24º - ou que o atenuam – artigo 25º - a pena prevista para o tipo base. O artigo 21º dirige-se, pois, aos casos de média e grande dimensão, o artigo 24º aos casos de excepcional gravidade, e o artigo 25º aos de pequena gravidade.

  21. - Considerando a natureza e a quantidade de produto concretamente apreendida nos autos à arguida, que se destinava a dar entrada no Estabelecimento Prisional, pese...

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