Acórdão nº 0525/14 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 18 de Março de 2015
Magistrado Responsável | FRANCISCO ROTHES |
Data da Resolução | 18 de Março de 2015 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
Recurso para uniformização de jurisprudência da decisão arbitral proferida pelo Centro de Arbitragem Administrativa – CAAD no processo n.º 246/2013-T 1. RELATÓRIO 1.1 A sociedade denominada “A…………, S.A.” (adiante Recorrente) veio, ao abrigo do disposto no art. 25.º, n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, interpor recurso para o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo da decisão arbitral proferida pelo Centro de Arbitragem Administrativa – CAAD em 10 de Abril de 2014 no processo n.º 246/2013-T, invocando contradição entre essa decisão e o acórdão (fundamento) da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 6 de Julho de 2011, proferido no processo n.º 281/11, relativamente à questão de saber se os diversos tipos de tributações autónomas constituem ou não Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC), a fim de determinar se os encargos fiscais com as tributações autónomas são ou não dedutíveis no apuramento do lucro tributável para efeitos de IRC.
1.2 A Recorrente apresentou alegações, que resumiu em conclusões do seguinte teor (Aqui como adiante, porque usaremos o itálico nas transcrições, os excertos que estavam em itálico no original surgirão em tipo normal.
): «A. No processo arbitral a questão cuja resposta era (e foi tida como tal) determinante era esta: são os concretos tipos de tributação autónoma em causa (sobre despesas e encargos, dedutíveis elas mesmas) IRC? Isto é, é a tributação autónoma sobre encargos com viaturas, despesas de representação, ajudas de custo e similares, IRC? O esforço argumentativo da decisão é canalizado para a resposta a esta questão.
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A decisão arbitral recorrida chegou à conclusão de que as tributações autónomas sobre aqueles encargos e despesas seriam IRC (cfr. a sua p 23 e toda a análise que a antecede).
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Inversamente, o acórdão fundamento transitado em julgado chegou à conclusão de que as tributações autónomas são um imposto distinto do IRC, são impostos indirectos que se limitam a ser liquidados conjuntamente com o IRC e que “em boa verdade (...) poderiam estar inscritas num outro código ou em diploma autónomo”.
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Não há a respeito desta questão diferenças perceptíveis entre o quadro legal vigente em 2008 (ano a que se reporta o acórdão fundamento) e o quadro legal vigente em 2010 (anos a que se reporta a decisão arbitral recorrida).
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Há, pois, oposição da decisão arbitral quanto à mesma questão fundamental de direito com o acórdão (fundamento) do STA de 6 de Julho de 2011, proferido no processo n.º 0281/11 (Valente Torrão - relator -, Dulce Neto e Casimiro Gonçalves), nos termos e para os efeitos do artigo 25.º, n.º 2, do RJAT.
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A contradição insanável quanto à mesma questão fundamental (são as tributações autónomas IRC?) entre a decisão arbitral recorrida e o acórdão fundamento (e outros dois acórdãos do STA que a título complementar se referenciam), cria uma enorme incerteza jurídica, com repercussões sistemáticas sérias em variados pontos e aspectos do regime do IRC previsto no CIRC.
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Prosseguindo, a decisão arbitral infringiu o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 45.º do CIRC, na redacção em vigor em 2010 e, bem assim, o disposto nos artigos 1.º, 3.º e (na numeração em vigor em 2010, e até 2013) 23.º, n.º 1, alínea f), do CIRC, ao subsumir no conceito de IRC, a propósito da norma dirigida ao IRC constante da primeira das citadas disposições, as tributações autónomas (sobre despesas e encargos) aqui em causa, i.e.
, ao qualificar tais tributações autónomas como IRC.
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Para além do acórdão fundamento, concorrem ainda no mesmo sentido (oposto ao da decisão arbitral) de que as tributações autónomas não são IRC, o acórdão do STA de 21 de Março de 2012, proferido no processo n.º 0830/11 (Fernanda Maçãs, relatora, Pedro Delgado e Francisco Rothes) e o acórdão do STA de 12 de Abril de 2012, proferido no processo 077/12 (Fernanda Maçãs, relatora, Casimiro Gonçalves e Lino Ribeiro).
I. No primeiro estava em causa a norma de transparência fiscal aplicável ao IRC, que certos contribuintes tentaram sustentar aplicar-se também às TA, e com o segundo estava em causa a norma de exclusão do IRC por sujeição ao imposto do jogo, que certos contribuintes tentaram sustentar também se aplicaria às TA (exclusão, também, de tributação em sede de TA). A resposta dos tribunais, a pedido da AT, foi sempre e consistentemente, não, precisamente com base na constatação de que sendo as TA distintas do IRC, não lhes são aplicáveis (sem necessidade de qualquer ressalva) as normas dirigidas ao IRC.
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E assim tinha já sucedido também com a apreciação de questões de retroactividade em que a potencial particular lógica de aplicação ao IRC da proibição constitucional de retroactividade da lei fiscal foi recusada com respeito às TA (cfr. o acórdão fundamento). Precisamente por se tratar de tributo diferente do IRC.
DOS ARGUMENTOS EM REDOR DA LETRA DA LEI K. Em termos de letra de lei, invoca a decisão arbitral recorrida o artigo 102.º do CIRC, na redacção que lhe foi dada pelo artigo 32.º da Lei n.º 109-B/2001, de 27 de Dezembro, e que no seu entender teria acolhido (a contrario sensu) no seio do conceito de IRC as tributações autónomas.
L. Fazendo uma síntese, em termos de letra de lei a decisão arbitral (pp 15 e 16) empola o possível significado para a definição do que é o IRC do que se retira do artigo 12.º do CIRC na sua actual redacção, desvaloriza o significado para a definição do que é o IRC que se retira do artigo 1.º do CIRC, omite o significado para a definição do que é o IRC que resulta do artigo 3.º do CIRC e omite, ainda, o significado que a jurisprudência, com base na análise legal das figuras em confronto, tem dado ao que é o IRC, designadamente do seu confronto com as tributações autónomas.
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É inequívoco que as duas normas do CIRC que definem o que é o IRC são o seu artigo 1.º (mais genérico) e o seu artigo 3.º. Quer um quer outro explicam o que é o IRC, sendo absolutamente coincidentes nisto: imposto sobre o lucro/rendimento do respectivo sujeito passivo, em nenhuma alínea constando a base tributável das tributações autónomas aqui em causa (encargos ou despesas de certo tipo) ou de quaisquer outras.
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E, nota-se, são normas que existem desde o início do IRC, mas que foram objecto de republicação por mais do que uma vez muito depois de existirem já as tributações autónomas (as últimas republicações/reafirmações ocorreram com a Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro e, quatro anos antes, com o Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho), e nem por isso foram adaptadas para incluir na sua definição de IRC as tributações autónomas: pelo contrário, reafirmaram sempre, nessa ocasião, a definição originária do IRC.
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Por sua vez e em contraste, o artigo 12.º do CIRC na redacção em vigor desde 2002 (e, desde 2014, a alínea a) do n.º 1 do novo artigo 23.º-A do CIRC), não têm por missão ou função definir o que é o IRC, donde não terem transformado em IRC, fora do seu âmbito específico (material e temporal) de aplicação, aquilo (as tributações autónomas sobre despesas e encargos) que não é nem nunca o foi, como resulta das normas fundamentais especificamente definidoras do que é o IRC e que constam do respectivo código (cfr. citados artigos 1.º e 3.º).
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E será/seria grave e perigoso para a coerência e racionalidade do sistema fiscal e, consequentemente, para quem zela (ou deve zelar) por ele, se assim não for/fosse: se, conforme...
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