Acórdão nº 01393/13 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 19 de Outubro de 2016

Magistrado ResponsávelASCENSÃO LOPES
Data da Resolução19 de Outubro de 2016
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, em conferência, nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo 1 – RELATÓRIO A…………, SA, com os demais sinais dos autos, veio recorrer da sentença de 29 de outubro de 2012, do TAF de Aveiro que julgou improcedente a impugnação da liquidação da taxa de publicidade, renovação de licença relativa ao ano de 2011 no montante de 29.946,00 Euros emitida pelo Município de Ovar na sequência da notificação que lhe foi efectuada de indeferimento de reclamação graciosa que anteriormente apresentara.

Inconformada com o assim decidido, reagiu a recorrente, interpondo o presente recurso com as seguintes conclusões: «

  1. Acerca da ilegalidade da “taxa” impugnada A. A “taxa de publicidade” impugnada incide sobre painéis de mera identificação de estabelecimentos que funcionam dentro do centro comercial gerido pela Recorrente, que não incluem qualquer mensagem de apelo, sugestão ou mensagem promocional tendente a incrementar os negócios dos estabelecimentos identificados: dela constam apenas os sinais (nomes e símbolos) dos restaurantes, lojas, marcas, produtos, serviços, etc., tratando-se do mesmo tipo de exteriorização ou manifestação do exercício de uma actividade, da venda de um produto ou de uma marca, ou da prestação de um serviço que se faz numa qualquer loja de rua, num escritório de um advogado ou num consultório médico quando se coloca à entrada do local onde funcionam - ou na entrada geral comum do edifício - a indicação de que aí funcionam.

    1. A realidade em apreço nos autos não é, assim, verdadeira actividade publicitária, como instrumento de estratégias de promoção e potenciação de negócios, tendentes a causar o máximo impacto possível no incremento da clientela e na potenciação dos lucros, estando em causa, simplesmente, a possibilidade de um empresário ou comerciante assinalar e exteriorizar com a denominação e sinais distintivos que individualizam o seu negócio o preciso local onde exerce a sua actividade, possibilidade essa intrínseca da própria liberdade de iniciativa económica e da de organização empresarial (consagradas na alínea c) do artigo 80º da Constituição da República Portuguesa).

    2. A diminuição deste direito ou a sua separação do direito de liberdade económica acabam inevitavelmente por significar uma compressão injustificada deste último, afectado no seu conteúdo essencial.

    3. Com efeito, nenhuma razão há, suplementar e distinta das que suscitam a necessidade de um licenciamento para o exercício de actividade económica num local específico, que justifique o licenciamento ou qualquer tipo de autorização pública para a respectiva identificação: só tem lógica licenciar adicionalmente aquilo que vai para além do conteúdo mínimo fundamental de faculdades atribuídas ao operador pelo licenciamento da própria actividade.

    4. Assim, a colocação de “anúncios” de mera identificação de um estabelecimento, no próprio local onde funciona, não pode ser, por si própria, uma actividade relativamente proibida (ela é-o tão-só na medida em que a actividade e o estabelecimento identificados o são também), o que implica, em primeiro lugar, que uma actividade e um estabelecimento aos quais foi já concedido o licenciamento não necessitam de qualquer licenciamento adicional para efeito da publicidade cujo objectivo é a mera identificação daqueles, e, em segundo lugar, que, dada a desnecessidade de licenciamento, não possa ser reconhecido qualquer obstáculo jurídico que precise de ser removido.

    5. Ora, se não há esse obstáculo, não há também justificação para a cobrança de uma taxa.

    6. Esta posição tem respaldo em toda a legislação aplicável à situação dos presentes autos, desde logo no Regulamento Municipal de Publicidade, de cujos preceitos - por exemplo, desde logo, os artigos 1º e 40º - como evidente que o conceito de publicidade que subjaz ao procedimento de licenciamento de publicidade do Município de Ovar exclui a simples identificação das actividades e dos estabelecimentos (através da mera informação, descrição e aposição de sinais distintivos).

    7. Nestes termos, por violação do referido Regulamento, a liquidação da “taxa de publicidade” impugnada é ilegal, censura que merecerá também o Regulamento de Liquidação e Cobrança de Taxas se se puder dizer que a taxa prevista na verba aplicada inclui no seu âmbito os “anúncios” do tipo dos que ora estão em causa, meramente identificativos de estabelecimentos que funcionam no centro comercial explorado pela Recorrente.

      I. Mas a conclusão da ilegalidade da taxa impugnada deve também extrair-se da ponderação da legislação geral nacional que regula a actividade de publicidade e que habilita os poderes regulamentares municipais nesta matéria, desde logo a Lei n.º 97/88, de 17 de Agosto (de jure a lei habilitante do Regulamento Municipal de Publicidade de Ovar), que consagra o “regime da afixação e inscrição de mensagens de publicidade e propaganda” e cujo conteúdo se dirige à disciplina do licenciamento da publicidade de índole persuasiva, e não à que ora se encontra em discussão - também por remissão, em cumprimento do princípio da interpretação das leis segundo o elemento sistemático, para o conceito de publicidade consagrado no artigo 3º do Código da Publicidade (onde se entende a publicidade como veículo de promoção do fornecimento de bens e serviços, o que, como vimos, é algo decisivamente distinto da simples identificação de uma actividade ou de um estabelecimento).

    8. A estas considerações não poderão hoje ser alheias as alterações produzidas na Lei n.º 97/88 pelo Decreto-Lei n.º 48/2011, de 1 de Abril (comummente conhecido por “Lei do Licenciamento Zero”), o qual - numa mera explicitação renovada de uma regra jurídica já existente (por ocasião de um novo ímpeto legislativo incidente sobre a matéria do licenciamento das actividades económicas) - veio esclarecer, através da introdução de um novo n.º 3 no artigo 1º daquela Lei, que “não estão sujeitas a licenciamento, a autorização, a autenticação, a validação, a certificação, a actos emitidos na sequência de comunicações prévias com prazo, a registo ou a qualquer outro acto permissivo, nem a mera comunicação previa”, a afixação e a inscrição de que constem “os sinais distintivos do comércio do estabelecimento ou do respectivo titular da exploração” ou estejam relacionadas “com bens ou serviços comercializados no prédio em que se situam, ainda que sejam visíveis ou audíveis a partir do espaço público”.

    9. Assim sendo, mais razões existem para a conclusão já atrás enunciada: se não existe necessidade de licenciamento da “publicidade” sobre que incidiu a taxa impugnada, não há qualquer obstáculo jurídico que precise de ser removido, não havendo também justificação para a cobrança de qualquer taxa. Pelo que, também por violação da Lei n.º 97/88 se devem julgar ilegal quer a liquidação daquela “taxa” quer o Regulamento Municipal de Publicidade do Município de Ovar (e, por consequência, o Regulamento de Liquidação e Cobrança de Taxas), este último caso se entenda que ele pressupõe um conceito de publicidade que abrange as afixações e inscrições meramente identificativas de actividades e estabelecimentos.

      L. Seja como for, uma vez que, nos termos do n.º 2 do artigo 12º da LGT, no caso de factos tributários de formação sucessiva, a lei nova se aplica ao período decorrido a partir da sua entrada em vigor, a “taxa” impugnada, relativa a 2011, é ilegal pelo menos na parte correspondente ao período decorrido entre a data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 48/2011 (02/05/2011) - o primeiro dia útil do mês seguinte ao da sua publicação - Abril) e o final do ano em causa.

    10. Por outro lado ainda, na medida em que a “taxa” objecto dos autos não corresponde à contrapartida da remoção de qualquer obstáculo jurídico, conclui-se automaticamente, então, pela violação das normas que impõem essa contrapartida como um dos pressupostos da criação de taxas (sabendo-se que nenhum outro pressuposto possível da criação de taxas é identificável no caso concreto), isto é, o n.º 2 do artigo 4º da LGT e o artigo 3º do RGTAL. Para além disso, como acabámos de ver, a LGT é também desrespeitada no n.º 2 do seu artigo 12º.

  2. Acerca da inconstitucionalidade da “taxa” impugnada N. O tributo impugnado não é uma verdadeira “taxa”, por não cumprir o princípio da equivalência que deve presidir à criação e liquidação de todas as taxas.

    1. Em primeiro lugar, porque, como se concluiu já, ao contrário da publicidade persuasiva, o direito de um comerciante incluir no local onde se situa o seu estabelecimento os sinais identificativos do mesmo é parte integrante do direito à liberdade de iniciativa económica (sendo a autorização ou licenciamento público para esta identificação, portanto, um elemento e uma decorrência automática do próprio licenciamento para o exercício da actividade através do estabelecimento criado), razão pela qual tal identificação não é, por si própria, uma actividade relativamente proibida (mas tão-só na medida em que a actividade e o estabelecimento identificados o são também).

    2. Este facto implica que uma actividade e um estabelecimento aos quais foi já concedido o licenciamento não necessitam de qualquer licenciamento adicional para efeito da publicidade cujo objectivo é a mera identificação daqueles, pelo que, se não existe necessidade de licenciamento, é porque não pode ser reconhecido qualquer obstáculo jurídico que precise de ser removido. E, se não há esse obstáculo, não há também justificação para a cobrança de uma taxa.

    3. O obstáculo considerado na Sentença recorrida tem, pois, de ser perspectivado como arbitrário, dado que tem como único desiderato o de arrecadar receitas, não permitindo qualificar o tributo impugnado como uma verdadeira taxa.

    4. Contudo, em segundo lugar, mesmo que se pudesse identificar na situação vertente um obstáculo jurídico não artificial, nem assim a qualificação do tributo como taxa ficaria salvaguardada, uma vez que, em bom rigor, os interesses públicos que esse...

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