Acórdão nº 0283/14 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 12 de Outubro de 2016
Magistrado Responsável | FRANCISCO ROTHES |
Data da Resolução | 12 de Outubro de 2016 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
Pedido de reforma do acórdão proferido no processo de oposição à execução fiscal com o n.º 679/05.7BEVIS 1. RELATÓRIO 1.1 O Ministério Público, representado pelo Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal Administrativo (adiante Requerente), invocando o disposto no art. 616.º, do Código de Processo Civil (CPC), veio requerer a reforma do acórdão proferido nos presentes autos (de fls. 140 a 155) por este Supremo Tribunal que, concedendo provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Fazenda Pública, revogou a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu e, conhecendo em substituição, julgou improcedente a oposição deduzida por A………….. à execução fiscal que, instaurada contra uma sociedade, prosseguiu contra ele por reversão.
1.2 Considera o Requerente, em síntese e se bem interpretamos a sua alegação, que o acórdão não podia ter conhecido em substituição, como conheceu, da questão que a sentença considerou prejudicada pela solução dada à oposição.
Isto porque, a seu ver, é inquestionável que ao recurso se aplicam as regras do novo CPC e que «nos termos do estatuído no artigo 679.º do NCPC, é manifesto que o STA não pode conhecer em substituição do tribunal recorrido, uma vez que tal normativo, expressamente, refere que o artigo 665.º, que prevê a regra da substituição ao tribunal recorrido, não se aplica ao recurso de revista». Assim, entende que, ao conhecer em substituição, «apenas o pode ter feito por manifesto lapso, pois é manifesto que ao presente recurso se aplica o NCPC» e que «o STA, de facto, conheceu de questão que havia ficado prejudicada, ao abrigo do revogado regime do CPC (artigos 726.º e 715.º/2), quando é certo que nos termos do NCPC (artigo 679.º) aplicável ao presente recurso, questão que nem sequer se discute, o STA não tem, manifestamente, poderes para conhecer em substituição do tribunal recorrido de questões cujo conhecimento ficou prejudicado pela solução dada à causa».
Concluiu que «deve proceder-se à reforma do acórdão na parte em que, por evidente lapso, conheceu de questão que havia ficado prejudicada, baixando os autos à 1.ª instância para aí se conhecer dessa questão».
1.3 Não houve resposta ao pedido de reforma.
1.4 Colheram-se os vistos dos Juízes Conselheiros adjuntos.
1.5 Cumpre apreciar e decidir.
* * * 2. FUNDAMENTAÇÃO 2.1 DO PEDIDO DE REFORMA DO ACÓRDÃO 2.1.1 A questão que cumpre apreciar e decidir nos presentes autos é a de saber se a alegação aduzida pelo Requerente integra ou não motivo para a reforma do acórdão, designadamente se é subsumível à previsão do art. 616.º, n.º 2, alíneas a) e b), do CPC, devendo notar-se desde já que o Requerente não indicou a qual das alíneas subsume a sua alegação.
Recordemos a redacção da norma, que foi introduzida no CPC pela reforma de 1995/1996, sofreu ulterior alteração (não relevante para os efeitos de que nos ocupamos) introduzida pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, que era o n.º 2 do art. 669.º no CPC anterior e que é hoje a constante do referido art. 616.º, n.º 2: «[…] 2- Não cabendo recurso da decisão, é ainda lícito a qualquer das partes requerer a reforma da sentença quando, por manifesto lapso do juiz: a) Tenha ocorrido erro na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos; b) Constem do processo documentos ou outro meio de prova que, só por si, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida.
[…]».
Ou seja, o anterior art. 669.º do CPC, após a reforma de 1995/1996, continuou, como anteriormente, a permitir a reforma das decisões judiciais (Embora a norma se refira apenas à sentença, deve considerar-se aplicável a todas as decisões judiciais, designadamente aos acórdãos dos tribunais superiores, como resulta expressamente do disposto nos arts. 666.º, n.º 1, e 685.º, do CPC (anteriores 716.º, n.º 1 e 732.º), aplicável ao contencioso tributário ex vi do art. 2.º, alínea e), do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).
) quanto a custas e multa e, de forma inovadora, veio também permiti-la relativamente a erros de julgamento, em certos casos, numa opção legislativa que se mantém no Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho. O relatório do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, justificou tal opção, à data inovadora, nos seguintes termos: «[…] sempre na preocupação de realização efectiva e adequada do direito material e no entendimento de que será mais útil, à paz social e ao prestígio e dignidade que a administração da Justiça coenvolve, corrigir que perpetuar um erro juridicamente insustentável, permite-se, embora em termos necessariamente circunscritos e com garantias de contraditório, o suprimento do erro de julgamento mediante a reparação da decisão de mérito pelo próprio juiz decisor, ou seja, isso acontecerá nos casos em que, por lapso manifesto de determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica, a sentença tenha sido proferida com violação de lei expressa ou naqueles em que dos autos constem elementos, designadamente de índole documental, que, só por si e inequivocamente, impliquem decisão em sentido diverso e não tenham sido considerados igualmente por lapso manifesto. Claro que, para salvaguarda da tutela dos interesses da contraparte, esta poderá sempre, mesmo que a decisão inicial o não admitisse, interpor recurso da nova decisão assim proferida.
Recurso este que, note-se, é admissível ainda que a causa esteja compreendida na alçada do tribunal, como refere expressamente o art. 670.º, n.º 4, [hoje, art. 617.º, n.º 4] do CPC».
Ou seja, numa solução que mereceu muitas críticas à doutrina, a lei passou a admitir, como uma das excepções ao esgotamento do poder jurisdicional, que, em circunstâncias muito extraordinárias, o tribunal alterasse a decisão que ele próprio proferiu.
Como resulta do que deixámos dito, a possibilidade de reforma de uma decisão judicial ao abrigo do n.º 2 do art. 616.º do CPC (anterior n.º 2 do art. 669.º) tem carácter de excepção, sendo que «quanto ao alcance do mesmo preceito legal, o STA tem construído um critério orientador para a definição do carácter manifesto do lapso cometido e que possibilita a imediata reparação do erro de julgamento que o originou. Tem sido, com efeito, sublinhada a excepcionalidade desta...
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