Acórdão nº 0905/14 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 21 de Janeiro de 2016
Magistrado Responsável | MADEIRA DOS SANTOS |
Data da Resolução | 21 de Janeiro de 2016 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
Acordam, em conferência, no Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: O Dr. A……., Juiz de Direito identificado nos autos, veio interpor o presente recurso do acórdão da Secção que julgou totalmente improcedente a acção administrativa especial em que ele acometera o acto do CSTAF que lhe atribuiu a classificação de Bom com Distinção e em que pedira a condenação da entidade demandada a praticar um novo acto, que o classificasse com a nota de Muito Bom.
O recorrente findou o seu recurso, oferecendo as conclusões seguintes: 1. O Acórdão recorrido deve ser anulado, nos termos do artigo 615º nº 1 al. b) do CPC e sem prejuízo do artigo 149º nº 1 do CPTA, por ter omitido a especificação de factos relevantes para a discussão e até para a sua própria decisão da causa, factos, aliás, alegados na PI, nos artigos 1 a 9, devendo o que o substituir nos termos do artigo 149º nº 1 do CPTA dar como provados todos os factos alegados nos artigos 1 a 9 da PI.
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O artigo 16º do Regulamento das Inspecções Judiciais carece de qualquer habilitação legal, pelo que viola o princípio da legalidade da actuação da Administração (artigo 3º do CPA), tal como – et pour cause – o acto impugnado e, logo, o acórdão ora recorrido.
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Ao fixarem abstractamente o decurso de um determinado tempo (dez anos) de exercício da “judicatura” como requisito para se ter a classificação de Muito Bom, os nºs 1 a) e 4 artigo 16º) do Regulamento das Inspecções Judiciais do CSM, aplicado ex vi artigo 37º do regulamento do CSTAF publicado no DR II série de 22/6/2007, violam os artigos 33º, 34º 2 e 37º 1 do EMJ, pelo que o acto impugnado, tal como o acórdão recorrido, ao fundarem-se neles, violaram estas normas legais.
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Nada no artigo 37º do EMJ obriga ao entendimento de que o tempo de serviço na judicatura só pode relevar para a avaliação do mérito em relação directa e não numa relação inversa, isto é, no sentido de que determinado desempenho meritório com pouco tempo de serviço pode ser mais meritório do que o seria com muito, na medida em que revela aquisição precoce das competências e produtividade que consubstanciam esse mérito.
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Para além de ilegais em face daqueles artigos do EMJ e do artº 3º do CPA aplicável, os nºs 1 a) e 4 do artigo 16º do R.I. estão inquinados de inconstitucionalidade orgânica por disporem normativamente em matéria de reserva absoluta de Lei da A.R. conforme artº 164º alínea m) da Constituição.
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Num contexto em que a nota de Bom Com Distinção tem sido atribuída como nota regra aos juízes com cinco ou mais anos de serviço, atenta contra as mais elementares exigências dos princípios jus-administrativos de Justiça e de Igualdade avaliar o desempenho do Recorrente — a quem se reconhece “produtividade elevada e excelente qualidade técnica” — com essa mesma nota.
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Desaplicadas as sobreditas normas regulamentares, acolhido o mais que se refere no relatório em vista da atribuição da nota de Muito Bom e do imperativo de justiça relativa supra enunciado, a única conclusão justa e racional possível é a de acolher a nota proposta pelo Exmº Inspector, pelo que assiste ao Autor o Direito ao acto devido da atribuição da nota proposta, de Muito Bom.
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A jurisprudência do acórdão nº 61/2002 do TC é demasiado vetusta para interferir decisivamente com um julgamento actual, para além de não se tratar ali de um Juiz com vinte anos de carreira pregressa no MP.
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O acórdão nº 46/15 nada tem a ver com o caso sub judice, em que é da avaliação do mérito (e não de uma ascensão na categoria com reflexos apenas na remuneração) que se trata.
Sem conceder: 10. Historicamente a norma regulamentar do artigo 16º do RI não pode ter-se representado a situação de um Juiz recrutado como o foi o Autor, pelo que carece de ser objectiva actualística e extensivamente interpretada, de modo a entender-se que para os juízes recrutados entre magistrados do MP nos termos da Lei nº 1/2008 a antiguidade pregressa no MP supre a limitação resultante do nº 4 quanto ao acesso à classificação de Muito Bom.
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A deliberação impugnada – e o acórdão recorrido – ao recusarem a relevância da carreira no MP, em ordem ao reconhecimento excepcional de uma compatibilidade do tempo de serviço na magistratura judicial com a classificação proposta, violam os princípios da Justiça, consagrado no artigo 6º do CPA, da Igualdade e da proporcionalidade, consagrados no artigo 5º do CPA, bem como o direito fundamental consagrado no artigo 47º nº 2 da CRP.
Sem conceder: 12. Não podem a douta deliberação impugnada e o douto acórdão recorrido sustentar que o relatório inspectivo não ressalta a excepcionalidade, mesmo essa literalmente mencionada no artigo 16º nº 4 do RIJ, quando é certo que ali se diz, que as “qualidades pessoais já demonstradas no âmbito de um serviço particularmente complexo justificam a atribuição da classificação de Muito Bom, apesar do exercício efectivo da judicatura ser inferior a dez anos.
Sobre a isenção de custas: 13. A falta de pagamento da taxa de justiça devida pela apresentação da PI por parte não isenta é uma excepção dilatória que não foi apreciada no despacho saneador.
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Assim, o acórdão recorrido, na parte em que considera não ocorrer a isenção alegada pelo Autor e o condena, consequentemente, em custas viola o disposto no artigo 87º nº 2 do CPTA e o caso julgado formado no despacho saneador, pelo que deve em qualquer caso ser revogado, ao menos nesta parte.
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Em todo caso o objecto da presente acção inclui-se no âmbito da isenção legal invocada (artigo 4º nº 1 al. c) do RCP), pois, a bem da independência dos Juízes, é mister que estes possam pôr jurisdicionalmente em crise a apreciação do seu mérito, sem qualquer constrangimento financeiro.
O CSTAF contra-alegou, concluindo do seguinte modo:
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Nos termos do artigo 617º, n.º 1, do NCPC, não cabe recurso da decisão de indeferimento da nulidade invocada, pelo que a questão está definitivamente resolvida.
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Este Conselho reitera todo o expendido em sede de contestação.
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Reafirmando que o CSM, como órgão constitucional (artigo 2l8.º da CRP) tem a necessária competência regulamentar, tal como a tem o CSTAF.
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Podendo usá-lo em sede de definição de critérios de atribuição de classificações, ao abrigo dos artigos 33.º a 37.º, 160.º a 162.º, e 149.º do EMJ, devidamente citados como normas legais de enquadramento da iniciativa regulamentar aqui em causa (cfr. artigo 112º, n.º 7, da CRP).
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O poder regulamentar é um instrumento, reconhecido por lei, de que o CSM/CSTAF dispõem para a prossecução das competências que lhes estão cometidas, desde logo a inspectiva.
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“quanto ao uso daqueles poderes, não pode deixar de se registar que, competindo constitucionalmente ao CSM a gestão e a disciplina dos juízes, nelas compreendendo-se a classificação ou avaliação, têm de caber-lhe poderes para emitir normas regulamentares, tendo, assim, o Regulamento em causa cabimento na competência subjectiva e objectiva do respectivo órgão emissor. É que, tem de aceitar-se que, mesmo por natureza, é inerente ao CSM, como órgão constitucional que é (citado artigo 217.º, n. 1), o poder regulamentar, à semelhança do poder regulamentar do Governo (...)“ (acórdão do Tribunal Constitucional n.º 61/02 Processo n.º 380/00, de 6/2/20).
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Esta apreciação do Tribunal Constitucional mantém toda a sua actualidade e exactidão, visto que o teor das normas, no que a esta matéria respeita, se mantém.
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Sendo que as normas constantes do Regulamento de Inspecções são normas de segundo grau relativamente ao EMJ, concretizando-o ou desenvolvendo-o.
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Não ocorre a alteração estatutária invocada pelo Recorrente nem, consequentemente, a violação do artigo 164º, alínea m), da CRP.
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O estatuto dos juízes consta dos artigos 217.º a 220.º da CRP, versando sobre a magistratura dos tribunais judiciais, garantias e incompatibilidades, nomeação, colocação, transferência e promoção de juízes e o Conselho Superior da Magistratura (cfr. Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República - P000081995, votado em 27-04-95).
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O estabelecimento de subcritérios em matéria de avaliação do serviço dos magistrados, desenvolvendo os critérios base presentes no EMJ, corresponde ao exercício de uma competência do CSM/CSTAF, incumbidos da gestão e disciplina das respectivas jurisdições, não estando em causa a definição de normas estatutárias.
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Segundo o EMJ, o tempo de serviço é um dos factores a ponderar (cfr. artigo 37º do EMJ).
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Cabendo nos poderes regulamentares do órgão de gestão e disciplina definir em que moldes o tempo de serviço é ponderado em matéria de avaliação da prestação dos juízes.
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“Cabendo elas [as normas do Regulamento] nos poderes regulamentares do CSM, como órgão superior de gestão e disciplina da magistratura judicial (cfr. artigo 136. º 1), são o prolongamento e o aprofundamento das regras constantes do Estatuto e relativas à apreciação do mérito profissional dos juízes (artigos 149.º, b) e) e f)) e não constituem a disciplina primária dessa apreciação” (acórdão do TC n.º 356/98 de 1 2.5.98) O) Não ocorre, pois, a alegada inconstitucionalidade orgânica (cfr. citado Acórdão do TC n.º 61/02).
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O artigo 16º do RIJ não é norma inovatória face à lei, “pois os citados preceitos do Estatuto constituem “o seu quadro de referência ou a sua matriz”. (cfr. Acórdão do TC n.º 61/02).
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A exigência de um período de tempo, no caso 10 anos, de exercício de actividade como magistrado justifica-se pela necessidade de um substrato de experiência suficientemente consistente para ser demonstrativo de elevado mérito.
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Estando em causa uma avaliação no âmbito da jurisdição administrativa e fiscal, é a qualidade da prestação profissional nesta área que...
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