Acórdão nº 16/10.9TBPST.L1-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 16 de Outubro de 2014

Magistrado ResponsávelSOUSA PINTO
Data da Resolução16 de Outubro de 2014
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam neste Tribunal da Relação de Lisboa: I – RELATÓRIO: X., intentou acção declarativa de condenação contra Y.

, tendo pedido a condenação deste a pagar-lhe a quantia total de 248.283,79 €.

Após a apresentação dos articulados de contestação, réplica e tréplica, foi elaborado despacho saneador tabelar, com indicação da matéria factual assente e da base instrutória.

No início da audiência de julgamento o Tribunal suscitou oficiosamente a questão da incompetência material, e ouviu as partes ao abrigo do disposto no artigo 3.º do CPC de 2013.

Na sequência de tal audição, em 19-03-2014, o Exmª Senhora Juíza proferiu o seguinte despacho: «Questão prévia da incompetência material do Tribunal 1. O Tribunal, no início da audiência de julgamento, suscitou oficiosamente a questão da incompetência material, e ouviu as partes ao abrigo do disposto no artigo 3 do CPC de 2013.

  1. A fls. 618 a 622 a autora pugnou pela competência dos Tribunais judiciais para apreciar a questão em litígio. Invocou, em síntese, como fundamentos da sua pretensão: o contrato de empreitada em litígio é um contrato de direito privado, celebrado por pessoas de direito privado e o litígio reporta-se à respectiva execução; a jurisprudência do Tribunal da Relação de Guimarães considerou competentes os Tribunais judiciais num caso análogo, em que as partes, pessoas de direito privado, ao abrigo do princípio da liberdade contratual, submeteram a regras de direito público um contrato privado.

  2. A fls. 647 a 651 o réu pugnou pela incompetência deste Tribunal. Invocou, em síntese, como fundamentos da sua pretensão: o contrato de empreitada em litígio, quer na fase do concurso, quer nos casos omissos, remete para o regime jurídico aplicável às empreitadas públicas; pelo que, o Tribunal Administrativo é o competente para conhecer dos presentes autos.

  3. Apreciados os argumentos das partes, cumpre decidir.

  4. O despacho saneador de fls. 296 é tabelar no que diz respeito à competência do Tribunal em razão da matéria. Pelo que, não faz caso julgado sobre a questão e não impede o seu conhecimento posterior – artigo 595 nº 3 CPC (Código de Processo Civil) de 2013.

  5. Para decidir a questão, o Tribunal segue de perto a jurisprudência do Tribunal de Conflitos (Processo nº 21/12 Conflito) constante do acórdão proferido por aquele Tribunal em recurso interposto do acórdão do Tribunal da Relação, no processo nº 593/11.7TCFUN da 1ª secção da Vara Mista do Funchal e na providência cautelar a este apensa.

  6. Assim, o Tribunal de Conflitos adoptou a seguinte jurisprudência: “Na verdade, o critério de delimitação em matéria contratual é o da sujeição a normas de direito público, quer relativas à execução do contrato, quer ao procedimento pré-contratual, independentemente da natureza jurídica das entidades contratantes (Maria João Estorninho, A Reforma de 2002 w o Âmbito da Jurisdição Administrativa, Justiça Administrativa, nº 356, p. 6). O que releva, neste domínio, é a natureza jurídica do procedimento anterior à celebração do contrato, independentemente da qualidade das partes contratantes e da natureza e regime do contrato, ou seja, independentemente de nele intervirem uma ou duas pessoas colectivas ou apenas particulares e de se tratar de contratos administrativos ou de contratos de direito privado (Mário Esteves de Oliveira/Rodrigo Esteves de Oliveira, Código de Processo dos Tribunais Administrativos, Vol. I, Almedina, 2004, Coimbra, pp. 48 a 50). O critério é assim o critério do contrato submetido a regras de contratação pública, ou seja, o do contrato «submetido a regras procedimentais de formação de Direito Administrativo» (Mário Aroso de Almeida, Manuel de Processo Administrativo, Coimbra, 2010, p. 166).” 8. “Verificado este critério, caberá à jurisdição administrativa a apreciação dos litígios emergentes de quaisquer contratos «mesmo que puramente privados» (José Carlos Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa, 5ª edição, Almedina, 2004, Coimbra, p. 122) «celebrados entre sujeitos de direito privado e com um regime substantivo de direito privado» (Sérvulo Correia, Direito do Contencioso Administrativo, Lex, Lisboa, 2005, p. 716).” 9. (…) “Assim entendeu também este Tribunal dos Conflitos nos doutos acórdãos de 16/2/2012, Proc. 021/11 e de 11/3/2010, Proc. 028/09, tendo-se decidido que «a alínea e) do nº 1, do art. 4º do ETAF de 2002 [Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais aprovado pela Lei nº 13/2002 de 19/2 e modificado pela última vez pela Lei 20/2012 de 14/5] se abstrai da natureza das normas que materialmente regulam o contrato, colocando-o na órbita dos tribunais administrativos, desde que a lei preveja a possibilidade da sua submissão a um procedimento pré-contratual de direito público, sendo o acento tónico indiciador da natureza administrativa da relação jurídica as regras de procedimento pré-contratuais potencialmente aplicáveis e não o conteúdo do contrato ou a qualidade das partes».” 10. (…) “Parece-nos pois ser de sufragar inteiramente a interpretação no sentido de que cabe à jurisdição administrativa a competência para conhecer de todas as questões relativas a contratos precedidos ou precedíveis, por força de lei específica, por um procedimento pré-contratual de direito público, quer atinentes à validade dos actos pré-contratuais, quer relativas à interpretação, validade e execução dos mesmos contratos (Maria João Estorninho, ob. Cit., p. 7 e Mário Esteves de Oliveira/Rodrigo Esteves de Oliveira, ob. cit., pp. 49 e 53).” 11. (…) Neste sentido se decidiu, com ampla remissão jurisprudencial e doutrinária, no recente acórdão deste TC [Tribunal de Conflitos], de 20/9/2012, Proc. 06/2012, onde se considerou que «o legislador ordinário, desde que não descaracterize o modelo típico, segundo o qual a regra é que o âmbito da jurisdição administrativa corresponde à justiça administrativa em sentido material, pode, sem ofensa à lei constitucional, alargar o perímetro da jurisdição dos tribunais administrativos a algumas relações jurídicas não administrativas”.

  7. No caso em apreço, foram alegados e estão assentes os seguintes factos: a obra objecto do contrato de empreitada em litígio, celebrado entre pessoas de direito privado, foi financiada a 100% pelo IDRAM (Instituto do Desporto da Região Autónoma da Madeira) (cf. artigos 6 e 7 da contestação, não especificamente impugnados no artigo 2 da réplica); a celebração do contrato de empreitada foi precedida de concurso público (cf. alínea A da matéria assente).

  8. Estas circunstâncias são diferentes das doutamente alegadas pela autora pois não estamos perante um mero caso em que entidades de direito privado decidem, ao abrigo do princípio da liberdade contratual, sujeitar um...

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