Acórdão nº 1150/12.6TAMTJ.L1-9 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 10 de Outubro de 2015

Magistrado ResponsávelANTERO LU
Data da Resolução10 de Outubro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Nos presentes autos de recurso acordam, em conferência, os Juízes da 9ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.

I Relatório Nos autos de processo comum com Tribunal Singular que corre termos na Comarca de Lisboa, Instância Local do Montijo, Secção Criminal, Juiz 1, com o número de processo 1150/12.TAMTJ, o Meritíssimo Juiz, proferiu despacho de não recebimento das acusações particulares dos assistentes, T ..., V ... e A... nos seguintes termos: (transcrição) “Dispõe o artigo 311°, n.º 2, do Código de Processo Penal, «Se o processo tiver sido remetido para julgamento sem ter havido instrução, o presidente despacha no sentido: a) de rejeitar a acusação, se a considerar manifestamente infundada».

Estatui, ainda, o n.º 3 do citado preceito, que a acusação se considera manifestamente infundada “a) Quando não contenha a identificação do arguido.”.

Por sua vez, dispõe o art.º 283.º do mesmo diploma legal que a acusação deve conter, sob pena de nulidade, entre o mais, as indicações tendentes à identificação do arguido.

No caso vertente e compulsadas as acusações particulares de fls. 308 a 321; 325 a 343 e 348 a 361, deduzidas pelos assistentes T ..., V ... e A... respectivamente, - as quais não foram acompanhadas pelo Ministério Público (cfr. fls. 440) -, constata-se que as mesmas são completamente omissas no que respeita à identificação do arguido, não constando tão-pouco o seu nome completo ou sequer a sua filiação, freguesia e concelho de naturalidade, data de nascimento, estado civil, profissão, residência ou sequer o local de trabalho.

Assim sendo, avulta que as acusações particulares de fls. 308 a 321; 325 a 343 e 348 a 361 não podem ser recebidas, por serem manifestamente infundadas, porquanto não contêm qualquer elemento identificativo do arguido, caindo, assim, na previsão normativa do artigo 311.º, n.º 3, al. a) do Código de Processo Penal.

Sem prejuízo do exposto, sempre se dirá que as acusações particulares deduzidas pelos assistentes teriam de ser rejeitadas, ainda que parcialmente, pelos motivos que infra se exporão.

De facto, compulsados os autos constata-se que as assistentes T ... e A... imputam ao denunciado, entre o mais, a prática de um crime de denúncia caluniosa e um crime de gravação ilícita, sendo que o assistente V ... imputa ao denunciado, entre o mais, a prática de um crime de ofensa à integridade física, um crime de denúncia caluniosa, um crime de gravação ilícita e um crime de violação de correspondência e telecomunicações.

Conforme resulta do disposto no artigo 48.º do Código de Processo Penal, o Ministério Público tem legitimidade para promover o processo penal, com as restrições constantes dos artigos 49.º a 52.º do mesmo diploma.

Ora, dispõe o art.º 49º, n.º 1, do Código de Processo Penal, que quando o procedimento criminal depender de queixa, do ofendido ou de outras pessoas, é necessário que essas pessoas dêem conhecimento do facto ao Ministério Publico, para que este promova o processo. Quando, porém, o procedimento criminal depender de acusação particular, do ofendido ou de outras pessoas, é necessário que essas pessoas se queixem, se constituam assistentes e deduzam acusação particular – artigo 50.°, n.º 1, do Código de Processo Penal.

Ora, decorre do artigo 365.° do Código Penal que o crime de denúncia caluniosa assume natureza pública, razão pela qual apenas o Ministério Publico tem legitimidade para deduzir acusação. Ora, não tendo o Ministério Público acusado quanto a este crime, os assistentes não tinham legitimidade para deduzir acusação, pelo que as acusações particulares são nulas, atento o disposto nos artigos 48.°, 49.° e 119.°, alínea b), do Código de Processo Penal e artigo 365.° do Código, Penal.

Quanto aos crimes de ofensa à integridade física, p. e p. pelo art.º 143.º do código Penal; gravação ilícita, p. e p. pelo art.º 199.º, n.º 2 do Código Penal e violação de correspondência e telecomunicações p. e p. pelo artigo n.º 194.º, n.º 2 do Código Penal, resulta claramente dos citados normativos que se tratam se crimes semi-públicos, não gozando, portanto, os assistentes da faculdade de acusar, desacompanhados do Ministério Público (cfr. art.º 284.º nº 1 a contrario sensu, do C.P.P.), ou seja, os assistentes, por si próprios, não tinham legitimidade para deduzir acusação relativamente aos mencionados crimes, pelo que, e tal como anteriormente se deixou expendido, também pelas invocadas razões, as acusações particulares são nulas, atento o disposto nos artigos 48.°, 49.° e 119.°, alínea b), do Código de Processo Penal.

Destarte, atendendo aos motivos expostos e nos termos do disposto no artigo 311°, n.º 2, alínea a), e 3.º, al. a), do Código de Processo Penal, rejeito as acusações particulares deduzidas a fls. 308 a 321; 325 a 343 e 348 a 361 pelos assistentes T ..., V ... e A....

Custas a cargo dos assistentes - artigo 515°, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal.

Notifique.” (fim de transcrição) *** Inconformados os assistentes T ..., V ... e A... vieram interpor recurso, retirando da respectiva motivação de fls. 495 a 521, as seguintes conclusões: (transcrição) “1. As Acusações Particulares deduzidas pelos Assistentes identificam directa e imediatamente o indivíduo contra quem são deduzidas através da expressão "Denunciado"; 2. Nas Acusações Particulares fornecem-se, no entanto, outras indicações tendentes à integral identificação do indivíduo contra quem foram deduzidas: a) Que é sócio da sociedade comercial sob a firma C .... Lda - artigos 24. e 27. das Acusações Particulares; b) Que foi gerente daquela sociedade até 04.11.2011, data em que foi destituído do cargo por justa causa - artigo 28. das Acusações Particulares; c) Que foi director de serviços administrativos da mesma até 20.06.2012, data em que rescindiu o seu contrato de trabalho no decurso de processo disciplinar que lhe foi instaurado pela sua entidade empregadora - artigo 29. das Acusações Particulares; d) Identificação do código de acesso - então válido - à certidão comercial permanente daquela sociedade e do endereço onde pode ser acedido - artigo 24. das Acusações Particulares; e) Indicação expressa como meio de prova do vertido nas Acusações Particulares da documentação junta pelo Assistente V .... em 04.12.2012 aos autos de inquérito com o n.º 1151/12.4TAMTJ, onde é patente o nome do Denunciado.

3. Como as Acusações Particulares deduzidas pelos Assistentes foram apresentadas em 02.05.2014 e só em 27.06.2014, por despacho lavrado a fls. 440 e 441 dos presentes autos, foi declarada a assunção da qualidade de Arguido pelo Denunciado, àquela data os autos ainda não permitiam que Assistentes se referissem ao Denunciado como Arguido; 4. O Tribunal "a quo" considerou que a ausência, nas Acusações Particulares, do nome completo do Arguido, "(...) a sua filiação, freguesia e concelho de naturalidade, data de nascimento, estado civil, profissão, residência ou sequer o local de trabalho.", corresponde à ausência de "(...) qualquer elemento identificativo do arguido.", estabelecendo assim entre ambas uma estrita, directa e imediata equivalência, fazendo de seguida operar o previsto no artigo 311.º, n.º 3, alínea a), Cód. Proc. Penal; 5. O Tribunal "a quo" não atribui nem extrai qualquer significado, nem qualquer importância, para efeito da identificação do arguido, do uso da palavra "Denunciado", nem aos demais elementos que permitem a sua integral identificação, supra mencionados sob a alíneas a) a e), desvalorizando-os, totalmente; 6. O previsto nos artigos 311.º, n.º 2, alínea a), e n.º 3, alínea a), não permite fazer equivaler a ausência daqueles elementos à ausência de "(...) qualquer elemento identificativo do arguido."; 7. A rejeição da acusação particular fundada na falta de identificação do arguido - artigo 311.º, n.º 3, alínea a), Cód. Proc. Penal -, só poderá ser decidida se o Tribunal "a quo" não dispuser de quaisquer meios que lhe permitam suprir a carência daqueles elementos, e assim identificar o arguido, o que também não se verifica no caso sub judice; 8. O uso da palavra "Denunciado" para identificar o indivíduo contra quem os Assistentes deduziram as Acusações Particulares não pode equiparar-se ao não uso de qualquer expressão que se lhe referisse e tivesse por objectivo permitir ao intérprete concluir que as acusações particulares eram deduzidas contra um concreto indivíduo. É o que resulta...

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