Acórdão nº 104/10.1ZRCSC.L1-5 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 26 de Maio de 2015

Magistrado ResponsávelCARLOS ESP
Data da Resolução26 de Maio de 2015
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam, em conferência, os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa.

I-Relatório: * No âmbito do Processo Comum Singular supra id., que correu termos pela Comarca da Grande Lisboa Noroeste, Sintra – Juízo de Média Instrução Criminal – ...ª Secção, Juiz ..., foi a arguida, ... ... ... do Rosário, com os demais sinais dos autos, condenada: pela prática, como autora material, na forma consumada e em concurso efectivo, de dois crimes de auxílio à imigração ilegal, p, e p. pelo artº 183º, nº 2 da Lei nº 23/2007, de 04 de Julho, por cada um deles, na pena de 16 (dezasseis) meses de prisão; pela prática, como autora material e na forma tentada, de um crimes de auxílio à imigração ilegal, p, e p. pelo artº 183º, nº 2 da Lei nº 23/2007, de 04 de Julho e 22º do C. Penal, na pena de 9 (nove) meses de prisão; pela prática, como autora material, na forma consumada e em concurso efectivo, de cinco crimes de falsificação de documentos, p, e p. pelo artº 256º, nº 1, al. e) do C. Penal, por cada um deles, na pena de 180 ( cento e oitenta ) dias de multa, à razão diária de € 5 ( cinco euros ) Em cúmulo jurídico das penas supra aludidas, foi a arguida condenada na pena única de 3 ( três ) anos e 2 ( dois ) meses de prisão e de 750 ( setecentos e cinquenta ) dias de multa, à razão diária de € 5 ( cinco euros ), o que perfaz o montante global de € 3 750 ( três mil setecentos e cinquenta euros ). Ao abrigo do disposto no artº 50º, nº 1 e 5 do C. Penal suspendeu-se a execução da pena única de prisão por igual período de tempo.

Inconformada com o teor de tal decisão interpôs aquela arguida o presente recurso pedindo a declaração de nulidade dos depoimento, por omissão da advertência prevista no art. 132º, 2, C. P. Pen., relativamente às testemunhas ..., e ...; bem como a sua absolvição por inexistência de provas dos crimes que lhe são assacados.

Apresentou para tal as seguintes conclusões: A ora Arguida está acusada da prática, em co-autoria material e na forma consumada, de três crimes de auxílio à imigração ilegal, através da falsificação de documentos, que só poderá ser praticado por duas pessoas: a pessoa que elaborou o documento e o beneficiário que terá pago para a utilização do mesmo.

A testemunha ... ... Moreno, inquirida em inquérito, declarou que tratou da documentação com uma senhora – a Arguida ... – e que fora esta quem lhe solicitou o pagamento de uma quantia para elaborar um contrato de trabalho e efetuar os descontos para a Seguranca Social, o que, de acordo com a acusação, lhe permitiu obter o título de residência em consequência da utilização de documentos falsificados.

As testemunhas ... Jalo e ... Pereira ..., em inquérito, declararam que foi a Arguida ..., que lhes solicitou um pagamento e os documentos de identificação e que foi esta quem elaborou, rubricou e lhe entregou uma declaração da sociedade "Esfera ..., Unipessoal, Lda", assim obtendo o título de residência.

Resultava com toda a evidência da acusação, que as testemunhas ... Moreno, ... Jalo e ... Pereira ..., eram suspeitas da prática em co-autoria do crime de falsificação de documentos: O M .°P.° sabia que assim é; E o Tribunal jamais poderia desconhecê-lo.

É que, o crime de falsificação de documentos só poderá ser praticado por duas pessoas: a pessoa que elaborou o documento e o beneficiário que terá pago para a utilização do mesmo. Ora, a dar-se provado que a ora Recorrente terá cometido o crime de falsificação de documentos, a produção da prova só poderia ser efetuada pelo depoimento das pessoas beneficiárias dos documentos e que foram indicadas como testemunhas na acusação.

Mesmo assim, estas testemunhas, que terão utilizado os documentos que, de acordo com a acusação, lhes permitiram obter o título de residência, foram arroladas como normais testemunhas, pela acusação, sem nunca serem constituídas arguidas.

ACTO CONTÍNUO.

Na sessão da audiência de julgamento realizada em 05.02.2014, a testemunha ... ... Moreno, não foi informada e advertida de que as suas respostas poderiam ter como consequência ou resultado ser-lhe imputada a prática de um crime, sendo tão só advertida de que se faltasse à verdade incorria na prática do crime de perjúrio, p.e p. no art.° 360.° do C.P.

O mesmo foi feito quando, na sessão da audiência de julgamento de 07-04-2014, foram inquiridas as testemunhas ... Jalo e ... Pereira ....

As testemunhas prestaram depoimento, sem ter a mínima consciência que estavam a confessar a prática de um crime; E terminada inquirição, o tribunal informou-as, respectivamente, que tinham praticado um crime de falsificação de documentos em co-autoria com a Arguida ora Recorrente e que, como tal, se ordenaria que se extraísse certidão e a sua remessa aos serviços do Ministério Público. Com o Ministério Público a acrescentar "após a sentença"...

Esta foi a atitude e actuação de um Tribunal português, inquirindo testemunhas que sempre viveram no estrangeiro, com reduzidíssimas habilitações escolares, escassa instrução, e dificuldade em compreender e expressar-se corretamente na língua portuguesa, muito menos, num patamar de linguagem técnico jurídico.

Ora, assim sendo, não se percebe porque razão foi extraída uma só certidão... É que o Artigo 369.° do Código Penal, é, nisso, muito claro: «1 - O funcionário que, no âmbito de inquérito processual (...) conscientemente e contra direito, (...) não promover, 5...) no exercício de poderes decorrentes do cargo que exerce, é punido com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 120 dias.».

l)Evidentemente, o Tribunal a quo fez tábua-rasa do disposto no art. 132°, n°2, do CPP, dando causa à nulidade prevista no n.° 3, do artigo 126.° do CPP e n.° 2, do artigo 132 °, ambos do CPP.E, Arguidas tais nulidades, o Tribunal a quo, responde, sinteticamente, que era a testemunha que se teria de recusar a prestar depoimento, não_negando porém nada do que foi alegado no Requerimento de arguição de nulidade. É de bradar...

Ora, desde logo, ao arrolar-se e inquirir-se como Testemunha quem devia ter sido constituído arguido, bem sabendo que qualquer declaração no sentido pretendido pela acusação iria necessariamente incriminar essas testemunhas, o Tribunal recorreu ao "meio enganoso" a que alude o art. 126°, n°2 —a) do Código de Processo Penal.

A interpretação acolhida pelo Tribunal a quo, relativamente aos deveres a que se refere o art.° 132°, n°2, do CPP, viola — e viola grosseiramente — o direito ao silêncio, enquanto "primeira e imediata expressão da liberdade", corolário do princípio da dignidade da pessoa humana previsto na Constituição da República Portuguesa.

E viola, de igual forma, ostensiva, a proibição de obtenção de prova mediante tortura, coacção, ofensa da integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência e nas telecomunicações, expressamente vedadas, no n° 8 do art. 32° da Constituição da República Portuguesa.

Assim, deverá ser declarada a nulidade decorrente da omissão da advertência prevista no art. 132°, n°2, do CPP, relativamente às testemunhas ... Moreno, ... Jalo e ... Pereira ..., e consequentemente, a nulidade dos depoimentos, prestados nas sessões da audiência julgamento realizadas em 05.02.2014 e 07.04.2014, nos termos o n.° 3, do artigo 126.° do CPP e n.° 2, do artigo 132 °, ambos do CPP, bem como, a proibição de aproveitamento daquele depoimento.

Devendo, a final, ser proferido Acórdão que absolva a ora Recorrente dos crimes de que vem acusada, por inexistir qualquer prova produzida em sede de audiência de julgamento que acarrete tal conclusão processual.

Respondeu o MP, pugnando pela improcedência do recurso, tendo para tal formulado as seguintes conclusões: 1-A recorrente vem interpor recurso da sentença que a condenou pela prática...

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