Acórdão nº 753/15.1PHSNT.L1-3 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 11 de Outubro de 2017

Magistrado ResponsávelMARIA DA GRA
Data da Resolução11 de Outubro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam os Juízes, em conferência, na 3ª Secção Criminal, deste Tribunal.

I–Relatório: Em processo comum, com intervenção do Tribunal singular, o arguido P.G., nascido a 18/12/1972, electromecânico, divorciado, residente na Rua …………………. Lisboa, foi julgado e condenado como autor material, da prática um crime de abuso de confiança, previsto e punido (p. e p.) pelo art° 205º/ 1, do Código Penal (CP), na pena de noventa dias de multa, à taxa diária de seis euros, o que perfaz o total de quinhentos e quarenta euros, e a pagar a M.-S.C.E.Lda, a título de danos patrimoniais, da quantia de €685,43 euros acrescida dos respectivos juros de mora, contados às sucessivas taxas legais, desde notificação, até integral pagamento.

*** O arguido recorreu, concluindo as alegações nos termos que se transcrevem: « 1- O Tribunal a quo decidiu erradamente os pontos 3,5, 6 e 7 da matéria dada como provada.

2- A testemunha AR confirmou que o recorrente lhe disse que entregaria a o material se os responsáveis da firma falassem com ele.

3- O depoimento da testemunha CC não foi credível nem isento .

4- A testemunha JS depôs com verdade.

5- O Tribunal a quo errou notoriamente na apreciação da matéria de facto.

6- O recorrente nunca quis se apropriar do material da assistente .

7- O recorrente sempre disse que entregaria a caixa cinzenta se os responsáveis da firma falassem com ele.

8- O recorrente não actuou com dolo.

9- Os requisitos do crime de abuso de confiança não estão assim preenchidos.

10- O recorrente não praticou o crime em que foi condenado.

11- A douta sentença recorrida violou o art. 205° do C. Penal.

Nestes termos e nos de direito, o recurso deve ser julgado procedente e provado e, consequentemente, o recorrente absolvido do crime de abuso de confiança.

*** Contra-alegou o Ministério Público, concluindo as respectivas alegações nos termos que se transcrevem: «1- Para que se conclua pela existência de um erro notário na apreciação da prova é necessário que se demonstre que o julgador errou de forma evidente, flagrante, ostensiva e detectável pelo homem comum.

2- Sucede que, do texto da sentença recorrida, não resulta, nem esse, nem qualquer dos demais vícios previstos no art. 410°, n.º 2, do C.P.P.

3- Acresce que, nem na motivação, nem nas suas conclusões, o recorrente cumpre, cabalmente, a especificação exigida pelo artigo 412°, n.ºs 3 e 4, do C.P.P., quanto aos factos incorrectamente julgados e às concretas provas que, segundo ele, imporiam decisão diversa.

4- Não se verifica, aqui, também, uma situação que justifique o convite ao aperfeiçoamento das conclusões formuladas, nos termos do disposto no art. 417°, nº 3, do C.P.P., pois, se o recorrente, nem no corpo da motivação, nem nas conclusões, faz menção (nos termos elencados no art. 412°, n.ºs 3 e 4, do C.P.P.) às provas que impõem decisão diversa e apenas de forma genérica se faz referência aos pontos de facto considerados incorrectamente julgados, não se justifica o convite ao aperfeiçoamento a que se refere o art. 417°, nº 3 ( ... )". Tal convite para a correcção conduziria a uma substituição, mesmo que parcial, da motivação, o que violaria o disposto no nº 4 daquela disposição legal.

5- Com as suas alegações, o que o recorrente pretende pôr, verdadeiramente, em causa, é o princípio da livre apreciação da prova, consagrado no artigo 127° do CPP.

6- Pese embora o Tribunal da Relação tenha poderes de intromissão em aspectos fácticos da decisão, não pode contudo sindicar a valoração das provas, em termos de criticar o tribunal a quo por ter dado prevalência a uma(s) em detrimento de outra(s).

7- A garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto jamais poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência, visando, apenas, como se disse, a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais e flagrantes erros de julgamento (que, diga-se, não se surpreendem na decisão recorrida), incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto.

8- Na formação da convicção do juiz não intervêm apenas factores racionalmente demonstráveis, sendo por vezes fulcrais para a formação da convicção do julgador elementos intraduzíveis e subtis, que só a imediação permite apreender.

9- Assim, necessário e imprescindível é que, no seu livre exercício de convicção, o tribunal indique os fundamentos suficientes para que se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento do facto como provado ou não provado, o que foi feito - e bem feito - na sentença recorrida.

Termos em que, deverá ser negado provimento ao recurso interposto e, consequentemente, confirmada a sentença recorrida, nos precisos e exactos termos em que foi proferida.».

*** Nesta instância, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta corroborou o teor da contra-motivação. *** II–Questões a decidir: Do artº 412º/1, do CPP resulta que são as conclusões da motivação que delimitam o objecto do recurso e consequentemente, definem as questões a decidir em cada caso ([1]), exceptuando aquelas questões que sejam de conhecimento oficioso ([2]).

As questões colocadas pelo recorrente, arguido, são: - Erro notório na apreciação daa prova (alínea c) do nº2 do artigo 410º/CPP); - Insusceptibilidade de os factos integrarem o crime.

*** III–Fundamentação de facto: Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes os factos: 1.

-O arguido era colaborador da ofendida/assistente M.-S.C.E.Lda, tomando de empreitada a execução de trabalhos e serviços que eram exigidos para prestar assistência a clientes da ofendida.

  1. - O arguido tinha acesso, por lhe ter sido facultada, a uma chave e ao código de alarme de um armazém da ofendida, sito no C……….., em M……….., concelho de Sintra, local onde a ofendida guardava e recolhia diversa mercadoria, bem como peças, ferramentas e utensílios destinados à actividade comercial.

  2. - Na dia 29.06.2015, o arguido retirou dali o seguinte material, pertencente à ofendida: - um conjunto de maçaricos de soldar, no valor de 202,490 euros (fls. 30); - uma caixa cinzenta com diversos materiais, (fita de prata, buchas, parafusos, cabos, fios, guias, no valor de 28,44 euros (fls.36 e 37); - uma garrafa de gás frigorifico de 10kg, no valor de 162,73 euros (fls. 26); - um berbequim amarelo, no valor de 25 euros (fls. 33); - manómetros digitais, no valor de 266,77 (fls. 32); material este que lhe era disponibilizado para ser utilizado na sua actividade profissional, tudo no valor de €685,43 euros, tendo utilizado para o seu transporte e carregado esse material, numa carrinha Mercedes Vito, matricula XX-XX-XX, da aqui assistente.

  3. - A carrinha Mercedes Vito veio a ser entregue à ofendida, junto da residência do arguido, que deixou as chaves num café.

  4. - No entanto o arguido não devolveu e fez seus os bens descritos em 3, bem sabendo que não lhe pertenciam e que agia contra a vontade da ofendida.

  5. - Mais sabia o arguido que tais objectos haviam entrado na sua esfera de detenção por via da colaboração em apreço e portanto a titulo não translativo da propriedade.

  6. - Agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que dessa forma lesava o património da ofendida.

  7. - Trabalha na instalação e manutenção de ar condicionado, auferindo 800 euros.

  8. - A companheira está desempregada.

  9. - Vivem em casa arrendada e suporta renda social mensal de 10 euros.

  10. - Do certificado do registo criminal do arguido constam as seguintes condenações: - no 1733/00.7PULSB, pela prática, a 23.07.2000, de um crime de detenção de arma proibida, onde foi condenado em 100 dias de multa, à taxa diária de 3 euros; - no 1609/09.2SILSB, pela prática, a 23.12.2009, de um crime de condução sem habilitação legal e um crime de condução em estado de embriaguez, onde foi condenado em 100 dias de multa, à taxa diária de 6 euros, substituída por 100 horas de trabalho e 4 meses de inibição de conduzir.

*** Factos não provados: Não se provou que o arguido tenha levado consigo do armazém o restante material descrito a fls. 6, e que se tenha apropriado do mesmo.

*** IV–Fundamentação probatória: O Tribunal a quo justificou a aquisição probatória nos seguintes termos: « O Tribunal formou a sua convicção relativamente à factualidade apurada com base nas declarações da arguida e do assistente, no depoimento das testemunhas, tudo com observância do disposto nos artigos 355º e 129º do Código de Processo Penal e segundo a regra da livre apreciação da prova vertida no artº 1270 do Código de Processo Penal.

(…) O arguido P.G., assumiu parcialmente os factos, dizendo que se desentendeu com CC, sócio da M.-S.C.E.Lda, no dia 29.06.2015 e decidiu não mais ir prestar serviços para esta sociedade, decisão tomada nessa noite.

Não nega que no dia 30.06.2015, tivesse um trabalho para realizar, e que portanto a carrinha ficou consigo, nomeadamente as chaves, para a execução desse trabalho, que não mais realizou.

Confirmou que havia um motorista JS para esses serviços, mas as chaves ficavam consigo.

Mas devolveu a carrinha, só não entregando no entanto uma caixa cinzenta. Nega ter ficado com o restante material reclamado, bem como nega ter ido de madrugada, novamente ao armazém buscar material.

Mais disse, que se lhe tivessem pedido, os responsáveis da firma, que entregava essa caixa cinzenta.

Queria discutir a sua situação dentro da empresa com o senhor CC.

Alegou ainda que no que tange às garrafas de 50 kg, reclamadas pela sociedade, tais garrafas eram suas e não da sociedade e já não se encontravam lá há já algum tempo, tinham sido apenas emprestadas pelo arguido.

MA, sócia gerente e representante legal da sociedade, tinha um conhecimento indirecto dos factos, pois tinha-lhe sido transmitida essa informação o senhor CC, também sócio, que lidava mais com o arguido.

Foi o seu sócio que a ajudou a fazer a relação do material a fls. 6, bem como à descrição dos valores dos bens que desapareceram.

AR, funcionário da...

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