Acórdão nº 1585/16.5PBCSC-A.L1-5 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 07 de Março de 2017

Magistrado ResponsávelARTUR VARGUES
Data da Resolução07 de Março de 2017
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam em Conferência, os Juizes do Tribunal da Relação de Lisboa.

I–RELATÓRIO: 1.

–Nos autos de inquérito com o nº 1585/16.5PBCSC, a correr termos na 3ª secção do DIAP da Comarca de Lisboa Oeste – Cascais - Instância Central – 2ª Secção de Instrução Criminal – J1, foi proferido despacho pela Mmª Juíza de Instrução Criminal, aos 31/10/2016, que indeferiu o requerimento do Ministério Público em que se impetrava se ordenasse às operadoras de telemóveis a remessa para os autos, relativamente ao dia 01/10/2016, no período entre as 08:45 horas e as 09:15 horas, de “listagem – em suporte digital e formato Excel – com: identificação dos cartões telefónicos que tenham recebido ou realizado chamadas de voz ou texto de ou para cartões presentes na mesma célula em questão e a seguir identificada – nº chamador e nº chamado activados na mesma célula; identificação dos IMEI em que esses cartões operavam na altura; identificação dos titulares desses cartões ou códigos de carregamento Multibanco dos mesmos. Quanto às antenas que se identificam a Fls. 16 e vs. dos presentes autos”.

  1. –O Ministério Público não se conformou com o teor da decisão e dela interpôs recurso, apresentando as seguintes conclusões (transcrição): 1.

    Visam os presentes autos apurar os factos ocorridos no dia 1 de Outubro de 2016, pelas 9hl0m, na Rua MGC, em Cascais, em que três indivíduos, todos do sexo masculino, se introduziram no prédio com o n.º 111 e, junto ao R/C Esq.º, abordaram a residente e aqui ofendida, empunhando na sua direcção uma arma de fogo, dessa forma logrando subtrair à mesma a mala que trazia e na qual se encontravam diversos objectos, entre eles um telemóvel de marca APPLE, modelo IPHONE 6S, de cor branca e um fio em ouro, factos esses que se mostram susceptíveis de integrar, além do mais, em abstracto, um crime de roubo agravado, previsto e punido pelo disposto no artigo 210.º, n.

    os 1 e 2, alínea b) do Código Penal, em conjugação com o constante no artigo 204.º, n.º 2, alínea f) do mesmo diploma legal.

  2. As diligências de investigação efectuadas permitiram apurar que a viatura automóvel utilizada pelos autores dos factos é de marca Renault, modelo Clio, de cor verde, com a matrícula 1...-2...-..., que a propriedade da mesma se encontra registada no nome de C.S. e o seguro em nome de S.F.. Ambas as identificadas constam já indiciadas pela prática de ilícitos de idêntica natureza ao em investigação nos autos, actuação essa conjunta com indivíduos do sexo masculino, sendo que um deles apresenta características coincidentes com as descrições produzidas pelas testemunhas e ofendida (v. fls. 37 a 40) 3.

    Nos termos do artigo 262.º, n.º 1 Código de Processo Penal, 'o inquérito compreende o conjunto de diligências que visam investigar a existência de um crime, determinar os seus agentes e a responsabilidade deles e descobrir e recolher as provas, em ordem à decisão sobre a acusação', devendo tal norma ser conjugada com o constante no artigo 125.º do mesmo diploma legal, no qual se estabelece que 'são admissíveis as provas que não forem proibidas por lei", sendo no artigo 126.º que consta o elenco de quais os métodos proibidos de prova e o que deve ser entendido como tal.

  3. Assim, e tendo por consideração tais disposições legais e os princípios que norteiam o processo penal - idoneidade, necessidade e proporcionalidade -, bem como em face do facto de diligência se aferir pertinente, atentos os elementos probatórios recolhidos, o Ministério Público promoveu, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea g) e 9.º, ambos da Lei n.º 32/2008, de 17 de Julho e artigos 135.º, 182.º 187.º, 188.º e 189.º, n.º 2, todos do Código de Processo Penal, e após enunciar os fundamentos de facto e de direito que sustentam tal pretensão, que a M.

    ma Juiz de Instrução ordenasse, dispensando as operadoras de telemóveis do respectivo sigilo, a remessa, relativamente ao dia 1 de Outubro de 2016, entre as 08h45m e as 9hl5m, especificamente, dos seguintes elementos: - Listagem - em suporte digital e formato excel-com: Identificação dos cartões telefónicos que tenham recebido ou realizado chamadas de voz ou texto de ou para cartões presentes na mesma célula em questão e a seguir identificada - n.º chamador e n.º chamado activados na mesma célula; Identificação dos IMEI em que esses cartões operavam na altura; Identificação dos titulares desses cartões ou códigos de carregamento multibanco dos mesmos.

  4. Na sequência de tal promoção, veio a M.

    ma Juiz de Instrução proferir decisão, indeferindo e concluindo que 'no caso dos autos, o MP pretendia que se ordenasse às operadoras o fornecimento de todos os cartões SIM de pessoas que, entre outras coisas, tivessem o seu telefone ligado e feito chamadas ou recebido SMS numa área que abrangeria vários locais como Fontainhas, Amoreira e Bairro Marechal Carmona, locais onde a densidade populacional é já assinalável, sejam ou não suspeitas de crime.

    O que o MP requer não tem fundamento legal e esbarra no artigo 187.º, nº 4 do CPP, razão pela qual se indefere, sem mais considerações'.

    É do teor desta decisão (fls. 60 a 62) que ora se recorre, por se entender que a mesma não procedeu a uma correcta apreciação do efectivamente promovido, não tendo atendido aos factos e elementos provatórios constantes dos autos e aí enunciados, considerando-se que a mesma viola os artigos 125.º, 126.º 187.º, 189.º e 262.º, todos do Código de Processo Penal e os artigos 10.º e 7.º n.

    os 2 e 3, ambos da Lei n.º 32/2008, de 17 de Julho.

  5. Em primeiro lugar, cumpre referir que a decisão de que ora se recorre não teve em consideração o efectivamente requerido pelo Ministério Público - limitado e restrito à identificação dos números de telemóvel que no dia 1 de Outubro de 2016, no período entre as 8h45m e as 9hl5m, activaram uma mesma antena e contactaram entre si - e os seguintes aspectos que se entende serem fundamento para o deferimento do requerido: a) o ilícito em causa nos autos e, designadamente, a sua gravidade, expressa na moldura abstracta aplicável; b) o locai onde os factos ocorreram, junto à residência da vítima; c) a preparação com que os autores antecederam a consumação do ilícito; d) a necessidade e pertinência dos elementos requeridos, uma vez que os autores dos factos foram vistos ao telemóvel; e) a identificação de possíveis suspeitos, dos quais não são conhecidos os seus actuais contactos telefónicos; f) a restrição do pedido efectuado e que se resumirá, certamente, a um número reduzido de elementos; g) a pertinência da diligência requerida, não se vislumbrando outro meio que permita alcançar as informações pretendidas.

  6. Em segundo lugar, sempre se dirá, como se afirma no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 20 de Janeiro de 2015, no Processo n.º 648/14.6GCFAR-A.E1, que 'É indubitável que a localização celular constitui violação da privacidade do cidadão. A sujeição da sua autorização a um "catálogo de crimes" tem em vista concretizar um equilíbrio entre a violação dessa privacidade do cidadão e a necessidade de acautelar outros interesses relevantes.

    Mas a realidade não é tão asséptica quanto o legislador a vê, pois que se não limita à ponderação entre uma precisa violação de direitos e um ganho probatório determinado. A realidade vive muito de alguma indeterminação dificilmente abarcada pelo feitor da lei. (...) Aqui assume papel de relevo o juiz e afigura do controle dos dados arquivados e a sua futura destruição. (...) Assim, sendo de deferir o que foi requerido, haverá que tomar as devidas cautelas de forma a evitar que "todos" os dados recepcionados pelas operadoras no período pretendido sejam juntos...

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