Acórdão nº 95/15.2PEPDL.L1-3 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 17 de Maio de 2017

Magistrado ResponsávelJORGE RAPOSO
Data da Resolução17 de Maio de 2017
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam em conferência na 3ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa: I. RELATÓRIO Inconformado com o despacho de não pronúncia do arguido LPS pela prática do crime de ofensa a pessoa colectiva, organismo ou serviço, p. e p. pelo art. 187º nºs 1 e 2 do Código Penal constante da acusação particular que deduzira (acompanhada pelo Ministério Público), a assistente SI– AA, S.A., interpôs recurso, sustentando a pronúncia do arguido e formulando as seguintes conclusões: 1. No caso sub iudice, face à prova recolhida, é nossa convicção que os indícios recolhidos são bastante para criar uma verdadeira convicção de forte probabilidade de futura condenação do Arguido; 2. O arguido utiliza expressões que são, em si, ofensivas e que ultrapassam, em muito, os limites da liberdade de expressão, pelo que o uso das mesmas configura, indiciariamente, a prática do crime que lhe vinha imputado; 3. Expressões como "decisões desenquadradas", "a SI– AA, S.A... é uma empresa desgovernada", "o governo regional, dono da SI– AA, S.A., quiz e quer, sabe-se lá porque desígnios ou interesses acabar com a SI– AA, S.A., mais vale assumir isso de uma vez e fechar a empresa, não asfixiá-la à custa de dinheiro do erário público, a empresa foi viável, não quiseram apostar nela, agora é uma questão de tempo...", não são factos objetivos, cuja veracidade o arguido pudesse supor; 4. São objetivamente adjetivos pejorativos e ofensivos da imagem e bom nome da Assistente; 5. A posição que o Arguido detinha na empresa faz com que as opiniões que o mesmo emita sejam relevantes e possam ser consideradas, por quem o lê, atendíveis e credíveis; 6. As expressões escritas pelo Arguido são indiciariamente lesivas da imagem e bom nome da Assistente, e o Arguido estava ciente disso quando as escreveu, sendo sua intenção clara, para além de transmitir a sua opinião, também, ofender a imagem da mesma; 7. Quaisquer considerações, ou causas de exclusão de ilicitude e da culpa, não podem ser apreciadas em sede de instrução, mas sim relegadas para julgamento, o que deveria ter sido feito neste caso; 8. Ao proferir despacho de não pronúncia, a Meritíssima Juíza de instrução incorreu em erro notário na apreciação da prova; 9. Os elementos de prova constantes do processo permitem conceber um juízo de convicção de que existe uma probabilidade forte de futura condenação.

Termos em que, em obediência ao princípio da legalidade, à concretização do artigo 20° da Constituição da República Portuguesa, e aos preceitos in casu aplicáveis - art. 187°, n.º 1 e 2 e 183° do Código Penal e art. 285°, n.º 2 e 286°, n.º 1, do CPP, impõe-se declarar nulo o despacho recorrido, ou, caso assim não entendem, pronunciar o arguido com vista à concretização da Justiça, princípios que em conjugação com os demais aplicáveis, norteiam todo o Processo Penal.

VOSSAS EXCELENCIAS PORÉM, FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA! Respondeu ao recurso o Ministério Público, sustentando a manutenção do despacho de pronúncia e concluindo: 1. Não indiciam os autos que o arguido, ao publicar na sua página do “facebook” os comentários mencionados na queixa que deu origem aos presentes autos (e respectivo aditamento) tenha agido com intenção de ofender a credibilidade, o prestígio ou a confiança devidos à assistente.

  1. Resulta, sim, indiciado que o arguido terá agido no intuito de manifestar a sua discordância quanto à gestão e à política de aquisição de aeronaves por parte da assistente, sua entidade empregadora.

  2. Os textos elaborados e publicados pelo arguido, no exercício do direito de livre expressão, visando a defesa dos seus pontos de vista e daquilo que entende ser o interesse público, não é, nestas circunstâncias e só por si, idóneo a causar dano na honra, consideração e prestígio da assistente 4. No caso dos autos, a tutela penal do bom nome, da honra e consideração da assistente sofre uma compressão, face ao direito do arguido à liberdade de expressão e de opinião.

  3. Na ponderação dos interesses em conflito, as afirmações imputadas ao arguido representam um meio razoavelmente proporcionado à persecução da finalidade legítima visada, tendo em conta o interesse da sociedade democrática em assegurar e manter a liberdade de expressão 6. O despacho recorrido não violou qualquer norma legal pelo que deverá ser mantido, negando-se provimento ao presente recurso..

    O arguido apresentou resposta e concluiu:

    1. Andou bem a Mma. Juiz a quo, ao decidir nos termos da não pronúncia do Arguido.

    2. Os factos que resultaram indiciariamente não provados, em nada relevam para efeitos criminais, ou, assumpção de toda e qualquer responsabilidade penal por parte do Arguido.

    3. Alegar "desenquadramento decisório", "desgoverno", ou questionar as opções económico/financeiras que foram tomadas, não será seguramente sancionável penalmente, pelo que tais declarações não têm como ofender seja de forma objectiva, seja de forma subjectiva, a credibilidade, o prestígio ou a confiança da Assistente.

    4. O Arguido não adjectivou baseado em suposições, mas referiu factos e elencou fenómenos, nomeadamente, quando no mesmo período temporal em que proferiu as expressões aqui em causa, foi chamado a prestar depoimento na Comissão de Inquérito promovido pela ARA, à actividade da Assistente.

    5. A Assistente vir alegar em virtude da expressão "empresa desgovernada" que o conselho de administração da Assistente se encontra em pleno exercício de funções, é omitir claramente, que desde a data dos factos e expressões aqui em causa e actual data, o conselho de administração do Assistente, foi objecto de uma integral remodelaçõo.

    6. Invocar que tais expressões foram proferidas de forma pública, via on-line, é mitigar e pretender omitir, que o aqui Arguido, foi presente a uma Comissão de Inquérito da ARA, relativamente às actividades da Assistente, e que os suas declarações - realizadas no mesmo sentido das expressões aqui em causa - estão oficialmente gravados.

    7. As expressões terminológicas utilizadas pelo aqui Arguido nas suas apreciações, não são de todo ofensivas, considerando que "desgoverno", "ausência de competitividade" e/ou "asfixia financeira", não são seguramente léxico do vernáculo português, e espaldam a continência de vocabulário utilizado pelo aqui Arguido.

    8. Inexiste assim, toda e qualquer intenção por parte do Arguido, tendo em vista "enxovalhar, humilhar e denegrir a imagem da Assistente e dos seus Administradores." i) Nestes termos, andou bem a Mma. Juiz a quo, ao decidir pela não pronúncia do Arguido.

      Termos em que deverão Vªs. Excªs., manter na íntegra o M. D. Despacho de não pronúncia em todas as suas legais consequências.

      Assim farão Vªs. Excªs., a costumada Justiça! * O recurso foi admitido. Neste Tribunal, após cumprimento do disposto no art. 416º nº 1 do Código de Processo Penal, foram colhidos os vistos e o processo foi à conferência, cumprindo apreciar e decidir.

      1. FUNDAMENTAÇÃO.

      Conforme jurisprudência constante e pacífica, o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação (art.s 403º e 412º do Código de Processo Penal), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (art. 410º nº 2 do Código de Processo Penal).

      * Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do Recorrente, as questões a decidir respeitam à existência de erro notório na apreciação da prova.

      * A decisão instrutória tem o seguinte teor: Cumpre apreciar e decidir.

      De acordo com o disposto no art. 286º/l, do Cód. Proc. Penal, a instrução tem como finalidade a comprovação judicial da decisão final proferida em sede de inquérito (acusação ou arquivamento do inquérito), em ordem a submeter ou não a causa a julgamento.

      Tem-se em vista, nesta fase processual, a formulação de um juízo seguro sobre a suficiência dos indícios recolhidos relativos à verificação dos pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança (art. 308º/1 do Cód. de Proc. Penal).

      Concluindo-se pela suficiência dos indícios recolhidos haverá que proferir despacho de pronúncia, caso contrário, o despacho será de não pronúncia.

      Na base da não pronúncia do arguido, para além da insuficiência de indícios necessariamente consubstanciada na inexistência de factos, na sua não punibilidade, na ausência de responsabilidade ou na...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT