Acórdão nº 2509/15.2T9ALM.L1-5 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 09 de Maio de 2017

Magistrado ResponsávelJORGE GON
Data da Resolução09 de Maio de 2017
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam, em Conferência, os Juizes do Tribunal da Relação de Lisboa.

I–RELATÓRIO: 1.

–No processo comum n.º2509/15.2T9ALM, o arguido P…, melhor identificado nos autos, foi julgado pela imputada prática, em autoria material, de um crime de desobediência, p. e p. pelas disposições dos artigos 348.º, n.º 1, alínea b) e 26.º do Código Penal.

Realizado o julgamento, o arguido foi absolvido.

  1. –A magistrada do Ministério Público recorreu desta sentença, finalizando a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição): 1.º–DO OBJECTO DO RECURSO: O presente recurso interposto da douta sentença absolutória, na parte em que dá como não provado o dolo e, consequentemente, absolve o arguido P… da prática do crime de desobediência p. e p. pelo art. 348º nº 1 al. b) e 26º do CP, é de matéria de facto e de Direito.

    1. –O seu objecto principal prende-se com a prova da culpa no crime de desobediência, a prova necessária a dar a factualidade referente à mesma como provada ou não provada, em termos de dolo directo, necessário ou eventual.

    2. –O arguido apelou, sem mais, à sua ingenuidade, o que impõe uma apreciação genérica do caso feita do ponto de vista comum de um homem médio, e da ingenuidade média corrente aceitável ou não nos nossos dias.

    3. –O arguido P… não entregou no prazo legal nem posteriormente, quando já a tinha em seu poder há mais de 10 dias a carta de condução para cumprimento de pena acessória de proibição de conduzir de 5 meses e 15 dias, no âmbito do processo 1464/14.0GCALM.

    4. –Friso que a acusação diz apenas respeito à omissão de conduta do arguido no processo 1464/14.0GCALM, porquanto neste não se encontra qualquer outro incorporado, nem julgado conjuntamente, nem qualquer outro processo referido, nem qualquer outro requerimento do arguido explicando da impossibilidade de entregar a carta e onde a mesma se encontrava, nem existe cúmulo de penas acessórias requerido pelo arguido.

    5. –Em sua defesa o arguido menciona a existência de dois processos diferentes – nº 51/14.8PTALM e nº 1464/14.0GCALM.

    6. –Alega o arguido que foi condenado pela prática de dois crimes da mesma natureza praticados em 2 dias diferentes, julgado em 2 dias diferentes, em dois processos diferentes, com dois números de processo diferentes – nº 51/14.8PTALM e nº 1464/14.0GCALM, julgados em juízes diferentes – J 3 e J1 –, condenado em duas penas diferentes de proibição de conduzir 9 meses e 5 meses e 15 dias respectivamente, processos que nunca foram incorporados, não tendo nunca o cúmulo de penas sido requerido pelo arguido, mas pensou, sem mais e sem explicar porquê ou de onde tirou tal ilação, que bastaria entregar a carta no primeiro processo 51/14.8PTALM e logo que lhe fosse devolvida por esse processo 51/14.8PTALM, mesmo antes do total de 14 meses e 15 dias resultante do somatório de tais penas, era porque ambas as penas acessórias estavam cumpridas.

    7. –Não explicou porque assim pensou ou como é que um total de 14 meses e 15 dias de proibição de conduzir, de repente se traduziram em penas 9 meses.

    8. –Apenas se defendeu dizendo que assim pensou até porque “o Tribunal” (que não individualizou, concretizando que fora o processo 51/14.8PTALM e não genericamente o tribunal de Almada) já lhe havia devolvido a carta e não tem de perceber de cúmulo de penas; o tribunal é que tinha de diligenciar por tudo, nomeadamente por fazer cumprir as suas penas em ambos os processos, mesmo que apenas em 9 meses e não em 14 meses e meio.

    9. –Não explica porque achou que 14 meses e 15 dias acabaram por ser apenas 9 meses e não explica porque achou que havia cumprido a pena em ambos os processos quando foi o J3 do 51/14.8PTALM que lhe devolveu a carta, depois do cumprimento da pena acessória de 9 meses, sem fazer qualquer menção ao processo do J1 nº 1464/14.0GCALM.

    10. –Ora, como pode o Tribunal ultrapassar a simples regra da experiência, radicada na mais elementar consciência de qualquer infractor, segundo a qual, qualquer pessoa ou homem médio, ou vulgar cidadão, que comete dois crimes ou duas contra-ordenações ou duas infracções ou dois erros, cumpre necessariamente dois castigos, duas penas, sofre duas consequências e não uma? 12.º–O homem médio que tem nove mais cinco meses e meio (9 + 5 meses e 15 dias) de pena para cumprir, que no total são catorze meses e meio de pena para cumprir (9 + 5 meses e 15 dias = 14 meses e 15 dias), não acredita, sem mais qualquer outra explicação, que ao fim de apenas nove (9) meses cumpriu as duas penas, sob pena de ficar totalmente impune no que ao segundo crime diz respeito.

    11. –Em regra, os arguidos, cumprem os dias de proibição de conduzir em que foram condenados, apresentando-se para levantar a carta logo e no exacto dia em que termina o prazo da mesma, tal é a falta que a mesma lhes faz e a dependência que têm por variadas razões do meio de transporte individual. (…) 91.º–Nestes termos teria o Tribunal de dar como provado o dolo e condenar o arguido.

  2. –O arguido apresentou resposta em que sustentou que o recurso não merece provimento.

  3. –Subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto, na intervenção a que se reporta o artigo 416.º do Código de Processo Penal (diploma que passaremos a designar de C.P.P.), apôs o seu visto.

  4. –Procedeu-se a exame preliminar e foram colhidos os vistos, após o que os autos foram à conferência, por dever ser o recurso aí julgado, de harmonia com o preceituado no artigo 419.º, n.º3, do mesmo diploma.

    II–Fundamentação.

  5. –Dispõe o artigo 412.º, n.º 1, do C.P.P., que a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido.

    (…) Atentas as conclusões apresentadas – a que se censura a excessiva extensão, dificilmente compatível com a exigência legal de que as conclusões resumam as razões do pedido -, as questões a decidir são: - Impugnação da decisão sobre a matéria de facto / erro de julgamento / insuficiência para a decisão da matéria de facto / contradição insanável entre a fundamentação e a decisão; - Violação dos artigos 14.º, 17.º e 348.º, n.º1, al. b), do Código Penal.

  6. –Da sentença recorrida.

    2.1.

    –O tribunal a quo considerou provados os seguintes factos: 1)–Na sentença proferida no processo sumário n.º 1464/14.0GCALM da Instância Local de Almada, Secção Criminal, Juiz 1, cuja leitura ocorreu no dia 14/10/2014, o arguido foi condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de cem dias de multa, à razão diária de 7 € (sete euros), no total de 700 € (setecentos euros).

    2)–Mais foi condenado na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de cinco meses e quinze dias.

    3)–O arguido esteve presente na audiência de leitura de sentença, nos termos do qual foi notificado de que, no prazo de 10 dias após o trânsito em julgado da sentença deveria entregar a sua carta de condução.

    4)–O arguido foi ainda advertido de que a não observância de tal entrega consubstanciaria a prática de um crime de desobediência.

    5)–À data do trânsito em julgado da decisão aludida no ponto 1), o arguido tinha a sua carta de condução apreendida à ordem do...

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