Acórdão nº 1019/15.2PZLSB.L1-3 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 06 de Dezembro de 2017

Magistrado ResponsávelJO
Data da Resolução06 de Dezembro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam em conferência no Tribunal da Relação de Lisboa.

Relatório: 1.

– O Ministério Público deduziu acusação contra A.S.M., imputando-lhe o cometimento de um crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punido pelo artigo 143º n.º 1 do Código Penal, por factos indiciariamente ocorridos em 6 de Dezembro de 2015.

A assistente, L.P.R., requereu a realização da instrução, pretendendo a pronúncia do arguido por um crime de ameaça agravada, previsto e punido pelos artigos 153º e 155º n.º 1 alínea b), ambos do Código Penal.

Após o debate instrutório, o Exm.º juiz do Juízo de Instrução Criminal da Comarca de Lisboa decidiu pronunciar o arguido pelo cometimento do crime de ofensa à integridade física simples, tal como vinha acusado pelo Ministério Público, e não pronunciar o arguido pelo crime de ameaça agravada, imputado pela assistente no requerimento de abertura de instrução.

Inconformada, a assistente interpôs recurso, concluindo que deverá ser revogada a decisão instrutória e substituída por pronúncia do arguido pelo cometimento do crime de ameaça agravada ou, se assim não se entender, pelo crime de coacção.

O Ministério Público, por intermédio do Procurador da República junto do Juízo de Instrução Criminal de Lisboa, apresentou resposta, concluindo que deve ser negado provimento ao recurso e mantido o despacho de não pronúncia.

Não houve resposta do arguido.

Recebidos os autos no Tribunal da Relação de Lisboa, o Ministério Público, agora por intermédio da Exm.ª Procuradora-Geral Adjunta, exarou parecer no sentido da improcedência do recurso. Decorrido o prazo de resposta ao parecer, recolhidos os “vistos” e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

  1. – A decisão recorrida é a seguinte (transcrição): “Declaro encerrada a instrução.

    Nos presentes autos, o Ministério Público encerrou o inquérito deduzindo acusação contra o arguido A.S.M., imputando-lhe a prática, em autoria material e na forma consumada, de um crimes de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143°, n° 1, do Código Penal.

    A assistente L.P.R. deduziu contra o referido arguido acusação particular, imputando-lhe a prática de um crime de injúrias, p. e p. pelo artigo 181°, n° 1, do Código Penal.

    O Ministério Público acompanhou a acusação particular deduzida.

    A assistente L.P.R. requereu a abertura de instrução, nos termos de fls. 157 e segs., pugnando pela pronúncia do arguido A.S.M. pelos factos que narrou no seu requerimento de abertura de instrução e, por via deles, também pela prática de um crime de ameaça agravada, p. e p. pelos artigos 153° e 155°, n° 1, al. b), ambos do Código Penal.

    Em sede de instrução, foram colhidas declarações à assistente.

    Realizado novo interrogatório do arguido, o mesmo não prestou declarações, fazendo uso do seu direito ao silêncio.

    Procedeu-se à realização do debate instrutório, em cumprimento do preceituado nos artigos 297.° e seguintes do Código de Processo Penal.

    O Tribunal é competente em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia.

    A assistente tem legitimidade para requerer a abertura da instrução.

    Não ocorrem quaisquer nulidades, questões prévias ou incidentais que cumpra conhecer.

    Previamente à análise do caso concreto, cumpre, antes de mais, fazer uma breve análise das finalidades e princípios que regem a presente fase processual.

    A instrução é uma fase processual facultativa, que visa a comprovação judicial da decisão de acusar ou arquivar o inquérito, iniciada sob impulso do arguido ou do assistente, dirigida por um juiz, composta por uma série maior ou menor de atos e obrigatoriamente por um debate, com o seu termo assinalado por uma decisão, designada por despacho de pronúncia ou não pronúncia (artigos 286°, n.° 1, 287°, n.1, als. a) e b), 288°, n.° 1, 289°, n.° 1 e 307°, n.° 1 e 308°, n.° 1, todos do Código de Processo Penal).

    A instrução tem como finalidade a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito, em ordem a submeter ou não a causa a julgamento (n° 1 do artigo 286° do CPP).

    Assim, nos termos do supra referido artigo 308°, n.° 1 do Código de Processo Penal “se, até ao encerramento da instrução, tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, o juiz, por despacho, pronuncia o arguido pelos factos respectivos”.

    Nos termos do artigo 283°, n.° 2 ex vi do artigo 308°, n.°2, ambos do Código de Processo Penal, “consideram-se suficientes os indícios sempre que deles resultar uma probabilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança.

    De facto, tal como refere Germano Marques da Silva, “nas fases preliminares do processo não se visa alcançar a demonstração da realidade dos factos, antes e tão-só indícios, sinais de que um crime foi eventualmente cometido por determinado arguido. As provas recolhidas nas fases preliminares do processo não constituem pressuposto da decisão jurisdicional de mérito, mas de mera decisão processual quanto à prossecução do processo até à fase de julgamento.

    Para a pronúncia, como para a acusação, a lei não exige, pois, a prova, no sentido de certeza moral da existência do crime, basta-se com a existência de indícios, de sinais de ocorrência de um crime, donde se pode formar a convicção de que existe uma possibilidade razoável de que foi cometido o crime pelo arguido- (cfr. Curso de Processo Penal, Vol. III, Lisboa, 2a Edição, pág. 178/179).

    Esta possibilidade é uma probabilidade mais positiva do que negativa; o juiz só deve pronunciar o arguido quando, pelos elementos de prova recolhidos nos autos, forma a sua convicção no sentido de que é mais provável que o arguido tenha cometido o crime do que não o tenha cometido.

    Assim, na base da não pronúncia do arguido, para além da inexistência de factos puníveis, na ausência de responsabilidade do arguido ou na insuficiência da prova para a pronúncia, poderão estar ainda motivos de ordem processual.

    Já no que toca ao despacho de pronúncia, a sua sustentação deverá buscar-se na suficiência de indícios, tidos estes como as causas ou consequências, morais ou materiais, recordações e sinais de um crime e/ou do seu agente que sejam captadas durante a investigação.

    Passemos, então, ao caso concreto.

    Com interesse para a decisão a proferir, indiciaram-se os seguintes factos: 1.

    – No dia 6 de dezembro de 2015, pouco antes das 21H00, quando a assistente L.P.R., na companhia de sua filha ARR e de uma neta menor, de 3 anos de idade, se encontrava junto da paragem de autocarros no Largo do Lumiar, em Lisboa, o arguido abeirou-se dela e, dirigindo-se-lhe, disse: “Sua puta! Sua vaca! Vai para a cona da tua mãe! Vai para os cornos do teu pai!; 2.

    – Tendo entretanto surgido o autocarro n° 36, a assistente L.P.R., sempre na companhia de sua filha ARR e da referida neta menor, tomou esse transporte, tendo todas descido, instantes depois, na paragem da Rua Professor …………, em Lisboa; 3.

    – Após a assistente e acompanhantes terem atravessado a rua, o arguido, que as seguira, aproximou-se novamente da assistente e derramou-lhe sobre a cabeça um líquido, começando, em ato contínuo, a faiscar um isqueiro, também sobre a cabeça da mesma, ao mesmo tempo que lhe dizia que lhe ateava fogo; 4.

    – A assistente, sem saber que líquido era aquele que sentira o arguido derramar sobre a sua cabeça, assustada, perguntou-lhe o que é que ele lhe estava a fazer; 5.

    – Ato contínuo, o arguido desferiu-lhe várias pancadas com a mão na cabeça, o que fez com que a mesma caísse ao chão, desamparada; 6.

    – Em consequência de tal agressão, a assistente sentiu dores e sofreu as seguintes lesões: uma equimose peri-orbitária à esquerda, que em 11.12.2015 se apresentava arroxeada, e traumatismo torácico à direita; 7.

    – Tais lesões careceram de tratamento hospitalar e determinaram para a ofendida 10 dias de doença, todos com afetação da capacidade de trabalho geral, mas sem afetação da capacidade de trabalho profissional; 8.

    – O arguido dirigiu à assistente as expressões mencionadas em 1 com o propósito de a...

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