Acórdão nº 1706-12.7TVLSB.L1-6 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 14 de Dezembro de 2017

Magistrado ResponsávelMANUEL RODRIGUES
Data da Resolução14 de Dezembro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:

Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa.

I–RELATÓRIO: O...

, com os sinais dos autos, intentou, em 01/09/2012, a presente acção declarativa, sob a forma ordinária de processo comum, contra Z... S.A.

(doravante Z...) e SM ... Lda. (doravante S”), pedindo: a)- a condenação da Ré Z... a pagar ao Banco ..., (doravante B...) o valor em dívida relativamente ao crédito hipotecário concedido à Autora e marido e a pagar à Autora o diferencial até € 90.000,00 (noventa mil euros); Ou, caso assim não se entenda, b)- a condenação da Ré SM a pagar à Autora a quantia de € 90.000,00, acrescida de juros à taxa legal desde a citação.

Alegou, para o efeito, em substância, que celebrou com a Ré Z..., um contrato de seguro de pessoas, titulado pela apólice n.º 34.047181, angariado e mediado pela Ré SM, associado a mútuo hipotecário, com cobertura dos riscos de morte e de invalidez total e permanente, desde que superior a 66,6%, sendo o capital segurado de € 90.000,00, por um prazo de 17 anos.

Em 15 de Maio de 2009 foi a Autora informada de que havia sido diagnosticada ao seu marido uma situação de psicose esquizofrénica de tipo paranóide, determinante de uma incapacidade total de gestão do próprio e património, estando, desde então, internado em hospício.

Em 21 de Setembro de 2009, a Autora verificou que o pagamento mensal dos prémios do seguro celebrado com a Ré seguradora não estava a ser efectuado na sua conta bancária, a Autora deslocou-se a R. mediadora.

Tendo a Ré mediadora, verificado o lapso, recebido da Aurora a quantia não debitada de €s 330,85, e preenchido uma proposta de seguro que se junta como Doc. n.º 1, de onde consta o mesmo numero de apólice, informando a Autora que tudo estava regularizado.

A mencionada quantia de € 330,85 entregue à Ré SM destinava-se ao pagamento das mensalidades relativas aos meses de Março e Abril de 2009 e à reposição em vigor do contrato de seguro.

Na ocasião, a Autora preencheu ainda um escrito intitulado “declaração de ausência de sinistros”, no qual declarou não ter tido sinistros entre os dias 23/06/2009 e 21/09/2009.

Em 28 de Março de 2011 foi definitivamente consolidado o diagnóstico de psicose esquizofrénica de tipo paranóide ao marido da Autora, em termos irreversíveis, determinantes de uma incapacidade total e permanente superior a 66,6%.

Na sequência de tal informação sobre a efectiva incapacidade de seu marido, a Autora accionou o âmbito de cobertura do seguro, comunicando tal facto à Ré Z..., seguradora, e, bem assim, à Ré SM, mediadora.

Para sua surpresa, uma vez que nada lhe havia sido informado, foi-lhe então dito que a Ré seguradora havia, em 1 de Dezembro de 2009 emitido uma nova apólice de seguro, com o n.º 34/00053105.

Através de carta datada de 11/05/2011 (Doc. 8, a fls. 35), a Ré seguradora declinou qualquer responsabilidade pelo sinistro e resolveu o contrato de seguro, titulado por esta apólice, nos termos dos artigos 25º e 116º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro (RJCS), por considerar que o sinistro resultou de doença pré-existente e diagnosticada antes da data de subscrição da apólice.

Ao contrário do que ali se refere, a Autora sempre deu cabal conhecimento de todas as situações inerentes à sua condição de saúde e do seu marido, tanto mais que o crédito hipotecário concedido pelo Banco ... já tinha em consideração o facto de o marido da Autora ser pessoa com deficiência.

A Ré SM apresentou contestação, na qual impugnou factos articulados pela Autora e invocou: (i) o desconhecimento pela Ré SM do estado de saúde do segurado marido da Autora; (ii) e a pré-existência de doença do segurado.

Termos em que concluiu pela improcedência da acção e consequente absolvição da Ré SM do pedido subsidiário e pela condenação da Autora, em multa e em indemnização, por litigância de má-fé.

Por sua vez, a Ré Z... ofereceu contestação, na qual, para além de impugnar factos alegados pela Autora, aduziu as seguintes excepções; (i) ilegitimidade da Autora, por estar desacompanhada do marido, o segurado/sinistrado Manuel P...A...; (ii) invalidade do contrato de seguro celebrado com a Autora, por falsidade de declarações sobre o estado de saúde e omissão dolosa de informações relevantes para a decisão a tomar pela seguradora sobre a existência e condições de celebração do contrato; (iii) exclusão do sinistro do âmbito da cobertura de invalidez total e permanente, por resultar de doença pré-existente; (iv) extinção do contrato de seguro celebrado em 20/10/2008, titulado pela apólice n.º 34.047.181, por resolução, com efeitos a partir de 19/03/2009, por falta de pagamento de prémios.

A rematar, concluiu: a)–pela procedente da excepção de ilegitimidade e consequente absolvição da Ré do pedido; b)–pela procedência da excepção de ausência de contratos válidos e, bem assim, de cobertura do sinistro participado, absolvendo-se a Ré Z... do pedido; c)–pela improcedência da acção, absolvendo-se a Ré Z... integralmente do pedido.

A Autora apresentou réplica na qual respondeu às excepções invocadas e ao pedido de condenação como litigante de má-fé, concluindo como na petição inicial.

Foi requerida e admitida a intervenção principal de M...

, após convite ao suprimento da ilegitimidade da Autora.

Saneado o processo e fixado o valor da acção, identificou-se o objecto do litígio e enunciaram-se os temas da prova (cf. fls. 335, 382 a 384 e 403-404).

A audiência de julgamento realizou-se em três sessões, com registo da prova e respeito pelas demais formalidades legais (cf. actas de fls. 424 a 429, 432 a 435 e 528).

Em 06/04/2017 foi proferida sentença que julgou improcedente a acção, absolvendo as Rés do pedido, e não condenou a Autora como litigante de má-fé – cf. fls. 535 a 540 verso.

  1. –Inconformada, a Autora interpôs o presente recurso de apelação, formulando na sua alegação as seguintes conclusões: “a)- os elementos documentais supra assinalados e os depoimentos prestados em audiência de julgamento nas passagens do mesmo realçadas nas alegações implicam uma consideração probatória diversa daquela que foi conferida em audiência de julgamentos aos pontos 3, 4, 5, 11 e 12 dos factos provados, os quais deverão ser tidos como não provados e aos pontos 1 e 2 dos factos não provados, os quais devem ser considerados como provados; b)- sendo certo que flui dos autos que não ocorreu qualquer declaração diferente da realidade nos elementos transmitidos à R. seguradora que fossem da iniciativa da ora recorrente, a qual nem sequer preencheu qualquer questionário ou determinou que o mesmo fosse preenchido em determinado sentido, ou formulou qualquer declaração para reactivação do seguro, a qual, por qualquer forma, traduzia a realidade efectiva da situação da mesma e do seu marido: c)- sendo de ponderar a desconexão, não determinada pela ora recorrente, entre a celebração do seguro adstrito a um contrato de mutuo hipotecário ao abrigo do regime especial para deficientes e uma declaração para efeito de seguro onde a sua situação oncológica não se mostra plasmada, incoerência essa fruto da intervenção da R. mediadora, mais interessada na angariação da cliente do que em assegurar a produção de efeitos directos do seguro contratado; d)-facto é que a situação subjacente aos elementos pessoais até ao momento em que a recorrente pretendeu accionar o seguro se manteve inalterada, afastando a possibilidade de intervenção na decisão de contratar pela Ré seguradora de indução de qualquer elemento pela ora recorrente; e)-sendo certo que, a ocorrer qualquer elemento passível de influir na contratação do seguro, o mesmo é exclusivamente assacável à Ré mediadora; f)-estando-se perante uma situação em que a contratante segurada não actuou de forma contraria aos pressupostos de celebração do contrato de seguro que lhe foram transmitidos, não sendo a sua actuação subsumível à previsão do art.º 429º do Cód. Comercial, sendo á data da formação do contrato que devem ser fixados os elementos relevantes do mesmo, tendo igualmente presente o regime decorrente dos arts. 5º e 6º do Decreto-Lei n.º 446/95, de 25 de Outubro; g)- normativos esses que, salvo melhor opinião, se mostram violados pela sentença recorrida”.

  2. –Contra-alegaram as Rés Z... e SM, sustentando a integral manutenção da sentença recorrida.

    II)–OBJECTO DO RECURSO - QUESTOES A DECIDIR: De acordo com o disposto nos artigos 635º, nº 4 e 639º, n.º 1, do Código de Processo Civil, é pelas conclusões da alegação do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso. Esta limitação objectiva da actuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, contanto que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. artigo 5º, n.º 3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas.

    Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil. Almedina, 2017, 4ª edição revista, pág. 109.

    Assim, e face ao teor das conclusões formuladas, a solução a alcançar pressupõe a ponderação das seguintes questões: 1ª- Saber se houve erro na apreciação dos meios de prova que imponha a alteração da decisão da matéria de facto, mais concretamente, (i) que os factos elencados nos pontos n.ºs 3, 4, 5, 11 e 12 dos factos julgados provados pelo Tribunal “a quo” sejam considerados como não provados e que (ii) os factos elencados sob os pontos n.ºs 1 e 2 dos factos julgados como não provados sejam considerados como provados; 2ª- Saber se ocorre erro de julgamento conducente à revogação da sentença recorrida e à...

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