Acórdão nº 899/12.8 GCFAR. L1-3 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 13 de Janeiro de 2016

Magistrado ResponsávelANA PARAM
Data da Resolução13 de Janeiro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam em conferência, os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa.

* I–Relatório: 1.

Por acórdão de 2 de Julho de 2015, proferido no processo comum colectivo n.° XXX do Tribunal da Comarca da ……, Instância Central, do … Juiz, secção Criminal foi decidido: . Absolver o arguido RQS da prática de um crime de «actos sexuais com adolescente», agravado, p. e p. pelos artigos 173°, n° e 2, e 177°, n°, al. b), ambos do Cód. Penal; . Absolver o arguido RQS da prática de um crime de «coacção», p. e p. pelo artigo 154°, n°, do Cód. Penal; . Condenar o arguido RQS como autor material de um crime de «abuso sexual de criança», agravado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 171°, n° e 2, e 177°, n°, al. b), ambos do Cód. Penal, na pena 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão.

2.

Inconformado, o arguido veio recorreu da condenação, requerendo que o recurso seja julgado procedente e, em consequência, venha a ser absolvido de todos os crimes pelos quais foi condenado, ou, caso assim não se entenda, seja a pena aplicada suspensa na sua execução. Como fundamento do recurso invoca a nulidade insanável, por o defensor do arguido não ter estado presente na tomada de declarações à ofendida para memória futura, nulidade por o tribunal não ter promovido o depoimento da ofendida em sede de audiência e julgamento de forma a suprir incertezas que se suscitaram, errada apreciação probatória, e subsidiariamente , defende que a pena de prisão que lhe foi imposta deveria ter sido declarada suspensa na sua execução.

3.O Ministério Público respondeu à motivação apresentada, defendendo a improcedência do recurso.

4.

O recurso foi admitido.

5.

Neste tribunal, a Sr.ª. Procuradora-Geral Adjunta defendeu a improcedência do recurso, em síntese, pelos mesmos fundamentos da resposta apresentada pelo seu Exmº Colega em 1ª instância.

6.

Colhidos os vistos legais e realizada a conferência cumpre decidir.

II.

Fundamentação: 1.

Delimitação do objecto do recurso.

É pacífica a jurisprudência do S.T.J. no sentido de que o âmbito do recurso se define pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo das questões que são de conhecimento oficioso deste Tribunal, como no caso dos vícios enumerados no art.410º, nº 2, do CPP. e das nulidades da própria sentença.

Assim sendo, de acordo com os vícios que são do conhecimento oficioso do Tribunal e das conclusões da respectiva motivação o objecto do recurso dos presentes autos suscita as seguintes questões que serão conhecidas pela ordem que se enunciam, de seguida: A.Nulidade insanável por o defensor do arguido não ter estado presente na tomada de declarações à ofendida para memória futura (art.119º al.c) do CPP) e nulidade por o tribunal não ter promovido o depoimento da ofendida em julgamento para o esclarecimento de dúvidas suscitadas (art.120º, nº 1, al.d) do CPP); B.Da apreciação probatória; C.

Postergação do principio do «in dubio pro reo»; D.

Dos vícios previstos no artigo 410.º, n.º2, do C.P.P.; E.

Suspensão da execução da pena; 2.

Apreciando.

A.Das nulidades -Nulidade insanável por o defensor do arguido não ter estado presente na tomada de declarações à ofendida para memória futura (art.119º al.c) do CPP) e nulidade por o tribunal não ter promovido o depoimento da ofendida no julgamento de forma a trazer certezas ao processo (art.120º, nº1, al.d) do CPP).

O arguido/recorrente alega que o depoimento da ofendida está viciado de nulidade insanável prevista pelo art° 119°, al. c) do Código de Processo Penal, porquanto, o defensor não estava, nem foi notificado para estar presente na tomada de declarações para memória futura prestadas pela ofendida, conforme exige o art° 64°, n° 1, al. f), do Código de Processo Renal.

Não tem, manifestamente, razão.

Conforme, resulta, claramente de fls. 244, 246, 250, 262 e 273 a defensora do arguido nomeada (nessa data, a Ilustre defensora Drª …….) foi notificada para a diligência e, efectivamente, encontrava-se presente quando a menor prestou declarações para memória futura.

Pelo que sobre esta questão nada mais há a acrescentar. Os factos falam por si.

Não se verifica, pois, a alegada nulidade de depoimento.

Alega ainda o recorrente RQS que o Tribunal "a quo", ao não ordenar que a ofendida prestasse depoimento presencial, em sede de audiência de discussão e julgamento, omitiu uma diligência essencial para a descoberta da verdade, sendo que tal omissão constitui uma nulidade, ao abrigo do disposto no art° 120°, n° 1, do Cód. Proc. Penal.

Salvo o devido respeito, carece de qualquer sentido a alegada nulidade.

Como resulta do teor do acórdão recorrido, o Tribunal "a quo" não considerou que o depoimento presencial da ofendida fosse indispensável para a descoberta da verdade material e não entendeu que as declarações para memória futura prestadas pela menor suscitassem quaisquer dúvidas, como resulta evidente da motivação da decisão de facto, daí constando que o tribunal fez uma avaliação exaustiva, crítica e conjugada com outros elementos de prova do depoimento prestado pela ofendida que nenhuma censura nos merece. Ora assim sendo, não faria qualquer sentido que o Tribunal "a quo" obrigasse a menor a depor fazendo-a reviver factos passados extremamente dolorosos para si. A lei, as boas práticas judiciais e as regras da psicologia impõem que uma menor, alegadamente vítima de abusos sexuais, que tenha prestado declarações para memória futura, só venha a prestar novas declarações em julgamento se tal se mostrar absolutamente indispensável para colmatar algumas dúvidas que possam existir no espírito de quem vai decidir. Ora, como resulta da singela leitura do acórdão condenatório, ao tribunal "a quo" não ficou com qualquer dúvida do que foi dito e como foi dito pela menor perante a Senhora Juiz de Instrução Criminal, considerando assim suficiente o depoimento da menor prestado em sede de inquérito.

O recorrente bem sabe que, com a tomada de declarações para memória futura da menor, se pretendeu precisamente evitar que a menor tivesse de repetir o depoimento no futuro - sendo este gravado e ouvido em audiência - evitando-se a revitimização e minimizando-se tanto quanto possível as repercussões psico-emocionais na menor.

E, certamente que também não ignora que, com a tomada de declarações para memória futura se pretendeu, tanto quanto possível, garantir a veracidade e espontaneidade das respostas da menor ofendida.

Termos em que, improcede, igualmente, a nulidade invocada.

B.

Da apreciação probatória.

1.

É o seguinte o teor do Acórdão recorrida no que concerne aos factos provados e aos não provados: «Factos provados: 1.A RVJ, nascida em 4 de Maio de 1997, residiu até, pelo menos, Setembro de 2011, na habitação sita na …………. juntamente com a sua mãe, os seus dois irmãos e o arguido RQS., seu padrasto.

2.A partir de data não concretamente determinada, mas no decurso do ano de 2005, quando RVJ. tinha ainda 8 anos de idade, o arguido decidiu aproveitar-se do facto de a sua mulher se encontrar ausente, para desempenhar o seu trabalho, durante grande parte do dia e até cerca das 00:00 horas, e de, por via disso, se encontrar sozinho com a sua enteada, menor, para passar a praticar actos sexuais com esta.

3.Em execução dessa determinação, o arguido passou a manter práticas de natureza sexual com a menor, sempre na ausência da mãe da menor e a maior parte das vezes no quarto do casal.

4.Na primeira dessas ocasiões, durante a noite, em data não concretamente apurada do ano de 2005, o arguido encontrava-se na cama do quarto de casal quando a menor ali se deslocou para ver televisão.

5.A menor encontrava-se sentada na cama quando o arguido a puxou para si e começou a tirar-lhe o pijama.

6.Não obstante a menor ter manifestado a sua oposição, o arguido despiu-a completamente enquanto, com uma das mãos, lhe tapou a boca.

7.Quando ambos se encontravam completamente despidos, o arguido tentou penetrá-la na vagina, como não conseguiu introduziu os dedos na vagina e manipulou-lhe o peito.

8.Tal conduta apenas cessou porque, entretanto, a DCVS, mãe da menor, chegou a casa.

9.Aproveitando-se do receio da menor, do facto de exercer autoridade sobre esta, uma vez que era seu padrasto, e de a sua mulher não se encontrar em casa, o arguido continuou a levar a cabo diversas práticas de natureza sexual com aquela.

10.No decurso de tais práticas, o arguido, completamente despido, despia a menor, deitava-a na cama, manipulava-lhe o peito e a vagina, penetrando-a com os dedos.

11.Noutras ocasiões, o arguido colocava a menor por cima de si ou deitava-se por cima dela, esfregava o pénis na vagina daquela e penetrava-a ligeiramente.

12.Após, manipulava o seu pénis e ejaculava para cima do corpo da menor, normalmente para cima da sua barriga.

13.O arguido forçou-a, também, em diversas ocasiões, a efectuar-lhe sexo oral, todavia, de forma menos frequente, porquanto aquela resistia encerrando a boca, acabando aquele por desistir.

14.A actuação do arguido repetiu-se ininterruptamente, com uma frequência semanal, e decorreu em moldes semelhantes aos supra descritos desde o ano de 2005 até ao ano de 2011.

15.O arguido sabia qual a idade da menor, tanto mais que é seu padrasto.

16.Sabia, ainda, que com as suas condutas, descritas nos pontos 2. a 14., estava a limitar gravemente a liberdade e a autodeterminação sexual da menor, bem como estava a prejudicar o desenvolvimento da sua personalidade, sem se preocupar com os prejuízos e os danos irreparáveis que a esta causava.

17.O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, com a intenção concretizada de satisfazer os seus instintos libidinosos, apesar de conhecer o carácter proibido das mesmas.

* 18.O arguido RQS é o segundo elemento de uma fratria de três de um agregado familiar com um estrato sócio-económico desfavorecido, o que determinou que a figura paterna permanecesse longo período emigrado em ……, onde se reformou. A dinâmica familiar que rodeou o processo de desenvolvimento do...

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