Acórdão nº 2482/08.3TAVFX.L1-5 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 03 de Maio de 2016

Magistrado ResponsávelALDA TOM
Data da Resolução03 de Maio de 2016
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam, em conferência, os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa.

I-Relatório: No âmbito do processo comum, com intervenção do Tribunal Singular e nº ...2/08.3TAVFX que corre termos na Secção Criminal (J...) da Inst. Local de Lisboa, da Comarca de Lisboa, foi o arguido, KG..., casado, nascido a 12.01.1971 em Moçambique, de nacionalidade portuguesa, filho de GB... e de NC..., residente em 1530 Somergrove Crescent, Pickering, O N, L1x2k7 Pickering, O N Canadá, condenado pela prática, em autoria material, de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art. 256º, nº 1, aI. d) do Cód. Penal, na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa, à taxa diária de 5,00 € (cinco euros), num total de 600,00 € (seiscentos euros).

Mais foi condenado, na procedência parcial do pedido de indemnização civil formulado por “SMOF – Serviços de mão-de-obra temporária e formação profissional – Empresa de trabalho temporário, Lda.”, a pagar a esta demandante uma indemnização no valor de 9.317,80 € (nove mil, trezentos e dezassete euros e oitenta cêntimos) acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% a contar desde a data de notificação do pedido.

* Sem se conformar com a decisão, o arguido interpôs o presente recurso pedindo que seja revogada a sentença recorrida, com a sua consequente absolvição por não estarem preenchidos todos os elementos objectivos e subjectivos do tipo legal de crime p. e p. pelo art. 256º, nº 1 alínea d) do Cód. Penal.

Para tanto, formula as conclusões que se transcrevem: 1.A expressão "Por forma a evitar o pagamento das dívidas aos credores, ...", que consta no número 5 da matéria dada como provada não consubstancia qualquer facto concreto, mas uma mera conclusão, conclusão essa que, aliás, assenta em meras presunções e abstrações jurídicas.

  1. Com efeito, não resulta da prova produzida, quer documental, quer testemunhal, quaisquer factos que permitam suportar, em concreto, tal conclusão ou a manifestação da intenção do arguido em não pagar as dívidas aos credores.

  2. A verdadeira razão e intenção para dissolver a sociedade foi, conforme desde sempre referiu o arguido, e que consta na ata (ponto 1) a sociedade já não ter qualquer atividade e, com essa dissolução, o arguido pretender "arrumar a casa", de modo a poder ir viver para o Canadá, com a sua mulher e filha menor, conforme veio a suceder, país onde continua a residir, e onde foi notificado da douta sentença.

  3. Deverá pois a expressão "Por forma a evitar o pagamento das dívidas aos credores, ...", que consta no referido número 5 ter-se por não escrita e ser suprimida.

  4. Por outro lado, os factos dados como provados não são de molde a integrar o referido crime previsto no artigo 256º, nº 1, alínea d) do Código Penal, já que não estão preenchidos, in casu, todos os elementos constitutivos do aludido crime, pois falta a verificação do dolo específico consubstanciado na intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, e ainda pelo facto da declaração inverídica que consta no documento (ata) não constituir "um facto juridicamente relevante".

  5. Com efeito, o arguido ao fazer constar na ata da sociedade Ubiquando Unipessoal, Lda, que esta já não tinha qualquer ativo ou passivo não teve a intenção de causar prejuízo a quem quer que fosse. Apenas pretendia dissolver uma sociedade que já não exercia qualquer atividade e, dessa forma poder ir viver para o estrangeiro, como efetivamente veio a acontecer.

  6. Por outro lado, não resulta da prova produzida quaisquer factos concretos que permitam tirar a ilação de que o arguido, ao assinar aquela ata, tivesse intenção de causar prejuízo a alguém ou que tivesse efetivamente causado prejuízos.

  7. Assim, não foi feita a prova da existência do nexo de causalidade entre os prejuízos invocados pela demandante e o registo de dissolução da sociedade Ubiquando-Unipessoal, Lda..

  8. Não ficou pois demonstrado, no presente caso, o dolo específico traduzido na intenção do arguido de causar prejuízo a terceiros bem como na intenção de obter para si benefício ilegítimo.

  9. Acresce que para existir o crime p. e p. nos termos do artigo 256º, nº 1, alínea d) do Código Penal necessário se torna que a falsidade que constar do documento ou de qualquer dos seus componentes seja um facto juridicamente relevante, ou seja, ter a virtualidade de constituir, modificar ou extinguir uma relação jurídica.

  10. Ora, a declaração de inexistência de passivo da sociedade Ubiquando-Unipessoal, Lda, à data de 30 de junho de 2008, feita pelo seu único sócio, o ora arguido, sendo embora inverídica não é uma declaração juridicamente relevante, pelo menos para efeitos criminais, pois não é pelo facto de a mesma ter sido tomada que vai contrariar a existência de créditos que sobre a sociedade se venha a reclamar.

  11. Como tem sido defendido por vasta jurisprudência, entre outros no Acórdãos da Relação do Porto de 14 de abril de 2010, 19 de outubro de 2010 e 4 de maio de 2011, bem como no Acórdão da Relação de Coimbra de 19 de junho de 2013, in www.dgsi.pt, as declarações emitidas pelos sócios de que a sociedade não tinha activo nem passivo e de que não existiam bens a partilhar, são de mera responsabilidade daqueles (...) Trata-se de uma declaração res inter alios acta, não vinculativa para os credores sociais.

  12. É que os antigos sócios continuam responsáveis perante terceiros pelo pagamento dos débitos, não podendo por isso a dissolução e extinção da sociedade ser-lhes aposta, gozando os credores sociais da proteção conferida pelos artigos 1020º do Código Civil e artigos 160º, nº 2, 162º, 163º e 164º do Código das Sociedades Comerciais.

  13. Também o recente Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, Processo 854/13.0TAMAI, in.

    www.dgsi.pt, ao pronunciar-se sobre esta questão veio defender que "(...) a incriminação assim viabilizada também não se basta com a simples invocação da declaração inverídica inserta na deliberação social e determinante da dissolução da sociedade e da intenção de causar prejuízo a terceiros, tendo que ser preenchida por factos necessários e suficientes à indiciação (fase de instrução) ou prova (fase de julgamento) de que a sociedade possuía activos que permitiam a satisfação, total ou parcial, do crédito destes, activos esses entretanto partilhados e dissipados, o mesmo não ocorrendo relativamente ao património dos sócios.

    Só assim poderá afirmar-se a existência de um nexo de causalidade entre a decisão dos sócios de dissolverem a sociedade e a declararem, de imediato, liquidada por ausência de passivo e/ou activo e a impossibilidade do terceiro ofendido obter a satisfação do seu crédito (...)" 15.Ora resulta dos autos e em particular dos factos dados como provados, que não foi recolhida qualquer prova da existência de ativos da sociedade à data da assinatura da ata pelo arguido.

  14. Tão-pouco ficou provado o nexo de causalidade entre a decisão...

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