Acórdão nº 155/15.0JDLSB.L1-9 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 12 de Maio de 2016

Magistrado ResponsávelANTERO LU
Data da Resolução12 de Maio de 2016
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Nos presentes autos de recurso acordam, em audiência, os Juízes da 9ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.

I Relatório Na Comarca de Lisboa Oeste, Instância Central de Cascais, Secção Criminal, Juiz 3, por acórdão de 11/02/2016, constante de fls. 743 a 760 foi o arguido, JA..., (…) preso preventivamente desde 19/03/2015, no Estabelecimento Prisional de Caxias, Condenado, - pela prática de um crime de abuso sexual de criança agravado, p. e p. pelos artigos 171.º, nº 1 e 2 e 177.º, nº1, al. b), ambos do Código Penal, numa pena de 7 [sete] anos de prisão.

*** Não se conformando, o arguido interpôs recurso da referida decisão, com os fundamentos constantes da motivação de fls. 765 a 770, com as seguintes conclusões: (transcrição) 1. A apresentação voluntária do arguido à polícia judiciária, deverá ser julgada relevante, não apenas em sede de aplicação de medida de coação (na parte respeitante ao perigo de fuga), mas também em termos de medida concreta da pena (no sentido da sua atenuação), o que, no caso em apreço, não sucedeu.

  1. A pratica dos factos descritos na acusação (que o arguido confessou, na quase totalidade), permitem, quando muito, condenar o arguido pela pratica do tipo simples do art 171 n1 1 mas nunca pelos tipos do nº 2 (do art 171), nem mesmo do art 177, todos do Código Penal.

  2. A menor ofendida é sobrinha da mulher do arguido, sendo, em relação a este, um afim em 3º grau e nunca parente, circunstância que afasta a aplicação do art 177 n.º 1 al. A) do CP).

  3. Em parte alguma da matéria dada como provada resulta que o arguido tivesse, alguma vez, coabitado, sob tutela, curatela ou mesmo dependência hierárquica ou outra, pelo que, nunca o Tribunal poderia ter condenado o arguido pelo crime previsto no art 177 n. 1 al. B) do CP).

  4. Os actos sexuais imputados ao arguido, ainda que de relevo (nunca se traduziram em cópula, coito anal nem oral, nem mesmo na introdução vaginal nem anal, de partes do corpo ou objectos), cingiram-se a meros actos preliminares de apalpação – sem penetração nem violência, acompanhados de troca de mensagens entre o recorrente e a ofendida, conduta que consubstancia, quando muito, a pratica do crime previsto no art 177 n. 1 do CP e, nada mais.

  5. O Tribunal recorrido não logrou demonstrar em que medida é que, a pratica pelo arguido dos factos dados como provados, integra os tipos qualificativos do n.º 2 do art 171 e do art 177, circunstância que gera nulidade por falta de fundamentação, invalidade que vai aqui expressamente arguida 7. A aplicação de uma pena de sete anos de prisão, nas apontadas circunstâncias, afigura-se absurdamente exagerada, face até à factualidade provada e à jurisprudência dominante.

  6. O arguido revelou-se arrependido e consciente do desvalor da sua conduta, não tem antecedentes criminais, estando perfeitamente inserido social, familiar e profissionalmente, tendo cumprido a medida de coação de prisão preventiva, de forma exemplar, sem incidentes.

  7. O Tribunal recorrido violou os artigos 50, 70, 71, 72, 73, 74 e 75 do C.P., sendo certo que os deveria ter interpretado, condenando o arguido numa pena significativamente inferior à aplicada, interpretando assim correctamente os artigos 50, 70, 71, 72, 73 e 75 todos do Código Penal.

  8. A pena aplicada ao arguido é elevadíssima, em resultado, da prova produzida, da moldura penal dos ilícitos, da idade do recorrente, da sua plena integração social, familiar e profissional da ausência de antecedentes criminais (relevantes, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 75 do CP).

  9. O Tribunal recorrido violou os artigos 50, 70, 71 a 75 do Código Penal, preceitos que deveriam ter sido interpretados, mediante a aplicação ao arguido de uma pena muitíssimo mais reduzida, especialmente atenuada e suspensa da sua execução, com regime de prova.

  10. Ao aplicar ao arguido ora recorrente, uma pena tão elevada, o Tribunal recorrido violou os artigos 77 e 78 do C.P., sendo certo que deveria ter interpretado tais preceitos, condenando o recorrente numa pena próxima do mínimo legal, sempre suspensa na sua execução.

  11. Ao ter aplicado, no caso dos autos, uma pena tão elevada, o Tribunal recorrido violou o P. da Culpa, já que a medida da pena nunca pode ultrapassar a medida da culpa e esta deve ter-se por especialmente atenuada.

  12. Ao não explicar (através de razões juridicamente válidas) porque razão é que não aplicou uma pena mais leve, o Tribunal recorrido incorreu em omissão de pronuncia, violando o art 374 do CPP, o que consubstancia uma nulidade do Acórdão (art 379 n.º 1 alínea c do CPP), preceitos que deveriam ter sido aplicados, mediante a explicação das razões que levaram à não suspensão da execução da pena.

  13. Prevendo a lei a possibilidade de aplicação de uma penas mais baixas, o Tribunal violou o P. da Culpa e os artigos 40, 50, 70, 71, 72, 73 e 75 do CP, sendo certo que deveria ter interpretado tais preceitos, aplicando ao arguido uma pena mais baixa.

    Razão pela qual, deve o Acórdão recorrido ser revogado e substituído por outro que, fazendo uma correcta aplicação das normas legais invocadas e a melhor interpretação dos elementos dos autos, condene o arguido pelo tipo simples do art 171 do CP (e nunca pelos tipos agravados do art 171 n 2 e 177), numa pena inferior a cinco anos, suspensa na sua execução com regime de prova, sujeitando-se o recorrente a todo o tipo de diagnósticos e tratamentos julgados necessários pelas autoridades de saúde, com supervisão do Tribunal (fim de transcrição) *** O Exmo. Magistrado do Ministério Público respondeu ao recurso nos termos constantes da motivação de fls. 776 a 787, rebatendo as conclusões do recorrente e manifestando-se pela improcedência do recurso.

    *** Neste tribunal, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer de fls. 804 aderindo à resposta do Ministério Público de 1ª Instância manifestando-se pela improcedência do recurso.

    Foi cumprido o disposto no artigo 417º nº2 do Código de Processo Penal, tendo respondido o recorrente a fls. 807 e 808, mantendo a posição assumida nas alegações de recurso.

    *** Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos realizou-se a conferência, cumprindo decidir.

    II Fundamentação 1. É pacífica a jurisprudência do STJ[1] no sentido de que o âmbito do recurso se define pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo, contudo, das questões do conhecimento oficioso que ainda seja possível conhecer.

    [2] Da leitura dessas conclusões o recorrente coloca a este Tribunal as seguintes questões: Errada qualificação jurídica dos factos dados como provados, os quais apenas integram a prática pelo arguido de um crime de abuso sexual de criança previsto e punido pelo artigo 171º do Código Penal; Falta de fundamentação do acórdão por falta de exame crítico das provas o que acarreta a sua nulidade; A pena de prisão é excessiva, devendo ser reduzida e suspensa na sua execução com regime de prova.

    Para uma melhor compreensão das questões colocadas e uma visão exacta do que está em causa, vejamos, em primeiro lugar, quais os factos que o Tribunal a quo deu como provados e não provados e qual a fundamentação efectuada sobre essa factualidade assente.

  14. O Tribunal a quo deu como provados, os seguintes factos: (transcrição) « 1. MS... nasceu a 16 de Setembro de 2003, residindo com os seus pais (…).

  15. O arguido JA..., nascido em 13.10.1976, é casado com TS…, irmã do pai de MS…, há cerca de 3 anos por referência à data da dedução da acusação, residindo na Rua xxx.

  16. MS... é visita habitual da residência do arguido, passando a frequentar aquele local, com maior frequência, desde o verão de 2014, altura em que S…, filha daquele com a sua tia, nasceu, tendo mesmo, passado a pernoitar, de 15 em 15 dias, durante os fins-de-semana.

  17. Foi também a partir dessa altura que o arguido se aproximou de MS... passando a tocar-lhe em diversas partes do corpo, o que se iniciou quando, em Setembro de 2014, aquela se deslocou de férias ao Algarve, ficado numa residência onde já se encontrava o arguido, TA… e a filha de ambos, S….

  18. Durante essa semana, sempre que MS... se encontrava no quarto a adormecer a prima, o arguido acompanhava-a e, aproveitando que aquela se encontrava de calções, passava-lhe as mãos pelas pernas e, por cima da roupa, pelo rabo.

  19. O que sucedeu todos os dias dessa semana.

  20. Após essas férias, inicialmente, sempre que MS... passava os fins-de-semana em casa do arguido e quando a TA... se ausentava, aquele passava-lhe as mãos pelas pernas e pelo rabo.

  21. Posteriormente, o arguido começou a colocar as suas mãos por dentro da roupa de MS..., começou a tocar-lhe na zona genital, colocando os seus dedos por dentro da entrada da vagina, bem como a tocar-lhe no rabo e a beijar-lhe a boca, introduzindo a sua língua na boca da menor.

  22. Nessas alturas, quando o seu pénis ficava erecto, o arguido despia as calças e, permanecendo de pé, pedia a MS... para lhe mexer com a boca e com as mãos.

  23. No início MS... recusou, tendo mais tarde, começado a friccionar-lhe o pénis com as mãos.

  24. A menor somente visualizou o arguido a masturbar –se até ao fim e a ejacular nos vídeos que este lhe enviou através da aplicação whatsapp, utilizando este para tanto o cartão telefónico com o n.º 913 810 289.

  25. Noutras ocasiões, quando TA... já havia adormecido, o arguido entrava no quarto onde MS... se encontrava deitada e pedia-lhe para se despir e abrir as pernas.

  26. De seguida, o arguido despia as calças e as cuecas e deitava-se sobre aquela, mantendo o seu pénis erecto em contacto com a zona genital daquela, roçando-o.

  27. Numa noite, em Janeiro de 2015, quando MS... se encontrava deitada com TA..., na cama do casal, o arguido ao chegar a casa deitou-se, ficando a menor, entre os dois.

  28. Encontrando-se TA... a dormir, o arguido meteu as mãos por baixo do pijama de MS... e tocou-lhe na zona genital.

  29. Estes actos ocorreram na residência do arguido, sita na R. Inácio Duarte, n.º 7, 4.º C, em Carnaxide.

  30. ...

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