Acórdão nº 388/14.6GBSXL.L1 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 07 de Dezembro de 2016

Magistrado ResponsávelFILIPA COSTA LOUREN
Data da Resolução07 de Dezembro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


ACORDAM EM CONFERÊNCIA, NA 9ª SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA SUMÁRIO: I-De acordo com as disposições combinadas da alínea a) do n.º 1 do artigo 379.º e do n.º 2 do artigo 374.º do Código de Processo Penal, a falta de enumeração dos factos provados e dos factos não provados gera a nulidade da sentença; II- A prova de factos feita numa sentença, por remissão para outras peças processuais ínsitas nos autos, no elenco dos factos provados ( ou não provados), não é legalmente admissivel; III- Para além da sentença ser fulminada com a nulidade, torna-a “opaca” por ficar imperceptivel, em virtude da adopção desta deficiente técnica juridica, a qual por nada valer, não concretiza os factos, logo não os enumera, tornando-os invisíveis logo insidicáveis; IV- O legislador foi muito preciso e claro quando, em analepse exige uma concreta enumeração de todos os factos que resultaram provados e não provados, quer estejam eles na acusação, na pronúncia, contestação e pedidos cíveis e contestações, para perfectibilizar uma decisão judicial, não se bastando sequer com as referências por pura e dura remissão, pois enumerar significa uma descrição especificada dos factos, que, como tal se consideram, sendo necessário indicá-los um a um.

RELATÓRIO A arguida M...

, devidamente identificada nos autos, nº 388/14.6GBSLX-Comarca de Lisboa, Seixal-Inst.Local-Secção Criminal-J1 foi condenada por sentença proferida em 24 de Maio de 2016, pela prática de um crime de furto simples, p.p. pelo artº 203º, nº1 do Código Penal, na pena de 220 dias de multa, à taxa diària de €5,00, perfazendo a quantia global de €1100,00, tendo sido ainda julgado parcialmente procedente, por parcialmente provado, o pedido de indemnização formulado pela demandante, e, em consequência condenar a demandada a pagar-lhe a quantia global de €7000,00 ( sete mil euros), ou seja €3000,00 ( três mil euros) a titulo de danos patriminiais e €4000,00( quatro mil euros) a titulo de danos morais.

Inconformada com tal decisão, interpôs a arguida, supra identificada, o presente recurso ( extraindo-se das suas motivações as seguintes conclusões): CONCLUSÕES A.

Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida pelo Tribunal da Comarca de Lisboa – Seixal – Instância Local, a qual condenou a recorrente como autora material na forma consumada de um crime de furto simples, p. e p. pelo artigo 203.º, n.º 1., do Código Penal.

B.

E julgou ainda procedente, por parcialmente provado, o pedido de indeminização cível formulado pela ora demandante, e, em consequência, condenar a demandada a pagar-lhe a quantia global de 7.000,00 (sete mil euros), ou seja, 3.000,00 (três mil euros) a título de danos patrimoniais e €4.000,00 (quatro mil euros a título de danos não patrimoniais).

C.

Entende a Recorrente, com o devido respeito, que a douta sentença enferma dos seguintes vícios: Nulidade da sentença; Incorreção do julgamento da matéria de facto.

D.

Relativamente à nulidade da sentença o dever de fundamentação das decisões judiciais é hoje um imperativo constitucional, dispondo o artigo 205º, n.º 1, da Lei Fundamental que, as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.

E.

A fundamentação deve revelar as razões de bondade da decisão, permitindo que ela se imponha, dentro e fora do processo, sendo uma exigência da sua total transparência já que através dela se faculta aos respectivos e à comunidade, a compreensão de juízos de valor e de apreciação levados a cabo pelo julgador.

F.

Sendo que é através da fundamentação da sentença que é viabilizado o controlo da atividade decisória pelo tribunal de recurso, designadamente no que respeita à validade da prova, à sua valoração, e à impugnação da matéria de facto.

G.

Ora, da sentença do tribunal a quo e daquele se recorre, todos os factos provados e não provados quer da acusação quer do pedido de indeminização cível não foram indicados de forma especificada mas por mera remissão.

H.

Sendo que, na douta sentença apenas se refere que: “embora não exista prova directa, posto que, conjugadas as suas declarações, com a prova testemunhal e até com a prova documental e o exame pericial, as conclusões a tirar não podem ser outras. Até porque, se verifica que as características e descrição das peças em ouro que a arguida diz serem dela, não são de todo coincidência, quando se tratam de peças que correspondem às características das peças desaparecidas à queixosa.” I.

Pelo que, é nosso entendimento, salvo melhor opinião e com o devido respeito, não se mostra feita a indicação completa das provas, nem em absoluto o exame crítico das mesmas, que formaram a convicção do tribunal.

J.

Não se mostram indicados de forma completa as prova, por exemplo, a indicação da prova documental é deficiente.

K.

Importava determinar que documentos, em concreto, relevaram e para que factos contribuíram, directamente e indirectamente, isoladamente ou em conjunto com outros meios de prova, para a formação da convicção do julgador, o que se desconhece por falta de indicação do julgador.

L.

Que todos os documentos tenham contribuído é impossível, uma vez que existem documentos nos autos, nomeadamente fotografias da Recorrente/Arguida com várias peças de ouro similares às que constam do documento a fls. 49 dos presentes autos, facturas de aquisição de peças de ouro, que contrariam os factos que o Tribunal a quo deu como provados.

M. Também não se mostra feito o exame crítico das provas que fundamentaram a convicção do tribunal a quo.

N.

Relativamente ao depoimento quer da Recorrente/Arguida, quer das testemunhas, quer da Lesada/Queixosa, são patentes nas mesmas divergências em aspectos essenciais sem que se explique em concreto o meio de prova que relevou, em função da credibilidade que lhe atribuiu, para a decisão da matéria de facto.

O.

Atente-se, por exemplo, a título de divergência, a Lesada/Queixosa arguiu que lhe havia sido furtada uma pulseira a dizer André que é o nome do meu filho; uma medalha fininha a dizer Janeiro (conforme declarações prestadas ouvir Ficheiro 20160503145426 2´45’’), sendo que o Senhor H...

(dono da casa do ouro), disse de forma peremptória, e sem qualquer hesitação que se recebesse uma medalha que dissesse o nome Carla, ou uma data de nascimento, colocaria essa menção na declaração de venda (conforme declarações prestadas ouvir Ficheiro 20160510142426 6´08’’).

P.

Ora, nenhuma das declarações de venda/compra de ouro efetuada pela Recorrente/Arguida contém tal informação.

Q.

Pelo que, impunha-se que o Tribunal a quo tivesse exposto, ainda que de forma concisa, todo o raciocínio lógico- dedutivo, incluindo a necessária articulação dos meios de prova que valorou o porquê, que conduziu à sua convicção no sentido de ter a Recorrente/Arguida furtado as peças de ouro, nomeadamente as acima referidas.

R.

De salientar, ainda que a testemunha R...

disse no seu depoimento que havia visto a Recorrente/Arguida com um anel de ouro de sete escravas, igual ao que consta da descrição da declaração de venda a fls. 49 dos presentes autos (conforme declarações prestadas ouvir Ficheiro 20160510144828 8´01’’).

S.

Também aqui o depoimento da testemunha foi valorado parcialmente, sem se perceber o raciocínio lógico- dedutivo, incluindo a necessária articulação dos meios de prova que valorou o porquê.

T.

Ora, os depoimentos das testemunhas, contribuindo para a formação da convicção do julgador, não podem ser valorados parcialmente.

U.

Na douta sentença é ainda dito, relativamente ao pedido de indemnização cível: “Mais se diga que, quanto aos danos morais e atenta à prova produzida, não nos ficaram dúvidas quanto ao valor sentimental e estimativo que tais peças tinham para a queixosa e que cabe necessariamente ser compensada, no que tange também aos danos morais verificados.” V.

Mais uma vez e relativamente à prova produzida pergunta-se qual prova, o mesmo se diz relativamente aos danos patrimoniais, impugnando-se face ao sobredito os referidos danos.

W.

Uma vez que face aos depoimentos das testemunhas arroladas no pedido de indemnização cível, a saber M... e T...

, nada foi dito quanto a esta matéria (conforme depoimento prestado ouvir Ficheiro 20160510144828 00´52’’ e Ficheiro 20160510142111 00´08’’) X.

Em conclusão, o tribunal a quo não indicou completamente as provas que serviram de base para formar a sua convicção (falta de especificação da prova documental e valoração fundamentada da prova testemunhal) nem efetuou um exame crítico de tais provas, limitando-se a efetuar súmulas dos depoimentos das testemunhas sem indicação mínima sobre a credibilidade oferecida por cada meio de prova, nem efetuado um exame crítico das mesmas.

Y. Pelo que a referida sentença é nula.

Da incorrecção no julgamento da matéria de facto (Sublinhado nosso) Z.

Ora, o princípio da livre apreciação da prova não pode ser confundido com um qualquer cheque em branco passado ao julgador.

a.

Pois, a liberdade de apreciação da prova, é, no fundo uma liberdade de acordo com um dever - o dever de perseguir a chamada «verdade material» - de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, reconduzível a critérios objectivos e, portanto, em geral, susceptível de motivação e de controlo".

b.

Invoca a Mm. Juíza a quo o depoimento da Recorrente/Arguida, nomeadamente dizendo na sua douta sentença que questionada a Recorente/Arguida sobre as impressões digitais que se encontravam no quarto, na casa de banho da queixosa e nas caixas onde estava o ouro guardado a Recorrente/Arguida terá respondido que “mexia nas coisa mas que não as tirava”. Ora, tal não corresponde na íntegra ao depoimento da Recorrida/Arguida.

c.

Ora do depoimento da Recorrente/Arguida (conforme declarações prestadas ouvir Ficheiro 20100503143636 6´19’’) nunca a Recorrente/Arguida foi questionada de forma direta sobre a existência das suas impressões digitais que supostamente se encontravam no quarto, na casa de banho da queixosa e...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT