Acórdão nº 108/11.7TELSB.L1-3 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 28 de Setembro de 2016
Magistrado Responsável | VASCO DE FREITAS |
Data da Resolução | 28 de Setembro de 2016 |
Emissor | Court of Appeal of Lisbon (Portugal) |
Decisão Texto Parcial:
Acordam, em conferência, os Juizes do Tribunal da Relação de Lisboa.
I-RELATÓRIO: Na ...ª Secção da Instância ... Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, em processo comum com intervenção do tribunal colectivo, foram submetidas a julgamento as arguidas I.F. e C.S.C., devidamente identificadas nos autos, tendo no final sido proferido acórdão que decidiu: Absolver.
A arguida I.F.
pela prática, dos cinco crimes de auxílio material, p. e p. no art.º 232.º do Código Penal, com referência aos crimes de burla informática e acesso ilegítimo, p. e p., respectivamente, pelos art.º 221.º do Código Penal e 7.º da Lei n.º 109/2009, de 15 de Setembro, pelos quais vinha acusada; Arguida C.S.C.
pela prática, de dois crimes de auxílio material, p. e p. no art.º 232.º do Código Penal, com referência aos crimes de burla informática e acesso ilegítimo, p. e p., respectivamente, pelos art.º 221.º do Código Penal e 7.º da Lei n.º 109/2009, de 15 de Setembro, pelos quais vinha acusada; Condenar.
-a arguida C.S.C. pela prática, de 3 (três) crimes de auxílio material, p. e p. no art.º 232.º do Código Penal, com referência aos crimes de burla informática e acesso ilegítimo, p. e p., respectivamente, pelos art.º 221.º do Código Penal e 7.º da Lei n.º 109/2009, de 15 de Setembro, na pena de 9 (nove) meses de prisão por cada um, e em cúmulo jurídico, na pena única de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão a arguida C.S.C. no pedido de indemnização cível movido por ICS Valente N.daC.eS..., no pagamento à demandante de uma indemnização no valor de € 4.816,00 por danos patrimoniais e € 250,00 por danos não patrimoniais Inconformada com a decisão, dela interpôs recurso a arguida, C.S.C. pretendendo a sua absolvição, ou o reenvio do processo para novo julgamento, ou se assim não for de entender que lhe seja suspensa a pena adequada aplicada, para o que apresentou as seguintes conclusões: 1ª-Foi a Arguida acusada de 5 crimes de idêntica natureza, praticados em momentos distintos e contra pessoas diferentes; 2ª-A sentença limita-se a dizer que a Arguida C.S.C. vai absolvida pela prática de 2 crimes, pelos quais vinha acusada; e que vai condenada pela prática de 3 crimes de auxílio material p. e p. no art. 232° Código Penal, com referência aos crimes de burla informática e acesso ilegítimo p. e p., respetivamente, pelos art. 221° do Código Penal e 7o da Lei n° 109/2009 de 15 de Setembro, na pena de 9 meses de prisão por cada um.
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-No dispositivo da sentença não se especifica nem se identificam os crimes dos quais a Arguida foi absolvida, nem aqueles em que aconteceu a condenação; 4ª-Assim, a Arguida sabe, apenas, que foi absolvida em 2 dos 5 crimes de 2 crimes de vinha acusada e que foi condenada em 3, não sabendo em quais aconteceu a absolvição e em quais aconteceu a condenação, circunstância que não lhe permite tomar posição quanto aos crimes pelos quais foi condenada; 5ª-Facto que contraria o disposto no art. 374° 3, alínea b) do Código de Processo Penal e conduz à nulidade da sentença nos termos do art. 379° n°1 da mesma lei, nulidade essa que, ora e aqui, expressamente, se invoca.
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-Ao contrário do sustentado pelo tribunal a quo, a Arguida Recorrente não estava regularmente notificada para a audiência, tão pouco tinha sido notificada da Acusação; situações que eram perfeito conhecimento do tribunal a quo, pois tanto a carta de notificação da Acusação, como a carta de notificação do despacho que a recebeu e designou dia para o julgamento, foram devolvidas e estão nos autos, com as seguintes menções: -A carta de notificação da Acusação que se encontra a fls. 321, com menção "não mora cá ninguém com este nome"; -A carta com o despacho que recebeu a Acusação e designou datas para o julgamento, que se encontra a fls. com as menções " desconhecido" e "não mora cá"; 7ª-Pelo que o tribunal a quo não devia, nem podia ter dado início ao julgamento, nem permitido a sua continuação na ausência da Arguida, devendo, antes, ter despachado no sentido do adiamento da audiência, para que fosse efetuada a notificação da Arguida e tomadas as medidas que assegurassem a sua presença no julgamento.
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-Estando em causa crimes de auxílio material para à prática de burla informática e acesso ilegítimo a contas bancárias de terceiros, cuja prova indiciária assentava basicamente, para não dizer exclusivamente, nas movimentações bancárias das contas bancárias de terceiros para as contas das Recorrente e posterior transmissão dos valores a indivíduos não identificados, salvo o devido respeito por posição diversa, impunha-se e era imprescindível a presença da Arguida; 9ª-Presença essa sem a qual, não poderia o tribunal a quo fazer qualquer juízo culpabilidade da Arguida, designadamente se seria uma atuação inocente ou culposa, se culposa a nível de dolo ou de negligência censurável, se dolosa qual o nível de dolo que teria caracterizado as suas atuações.
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-Deste modo, o tribunal a quo não deveria ter consentido o início e, posteriormente o prosseguimento do julgamento na ausência da Recorrente, tanto mais que conforme se referiu, estava documentado nos autos, logo, o Tribunal tinha a obrigação de saber, que a Recorrente ainda não havia sido notificada e por conseguinte, não tinha conhecimento, nem da acusação, nem do despacho que a recebeu e designou dia para o julgamento; 11ª-Termos em que, tendo o julgamento sido realizado na ausência da Arguida, deverá ser declarada a nulidade insanável prevista no art. 119, c) do CPP, que determina a nulidade de todo o julgamento e de todos os atos subsequentes, nos termos do art. 122°, n° 1 do mesmo diploma legal, a qual deve ser declarada por violação dos arts. 332°, n° 1, 333° n° 1 e n° 2, 116° n° 2 e 61°, n° 1 a) todos do CPP.
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-Com base na débil prova produzida em julgamento, que consistiu, basicamente, na constatação de que dinheiros de contas de terceiros foram transferidos para as contas bancárias da Recorrente contra a vontade dos legítimos titulares e não tendo a Recorrente sido ouvida, nem sido produzida qualquer outra prova que atestasse a que título e com que ânimo foi a sua intervenção nos factos em julgamento, mais concretamente, se sabia, previu ou podia prever que as suas contas iriam ser utilizadas para a prática de atos ilícitos, designadamente, serem utilizadas para desvio de dinheiros de contas de terceiros contra a vontade dos titulares; 13ª-Não podia nem devia o tribunal a quo ter considerado como provada a prática pela Recorrente dos 3 crimes pelos quais foi condenada, devendo, sim, ter absolvido a Recorrente de todos os crimes de que vinha acusada.
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-O tribunal a quo não procedeu à investigação necessária à determinação da situação pessoal, económica e social do Arguida/Recorrente, elementos essenciais para a determinação da modalidade da sanção e do quantum da pena, conforme resulta do n° 2 al. d) do art0 71° do C.P., pelo que, a sentença padece, nesta parte, do vício da insuficiência da matéria de facto.
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-Tendo o julgamento decorrido na ausência da Arguida/Recorrente e não tendo sido elaborado relatório social, nada ficou provado acerca da situação económica e social da Arguida.
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-Assim, porque o Tribunal a quo não procedeu à investigação necessária à determinação da situação pessoal, económica e social da Arguida/Recorrente, a sentença padece, nesta parte, do vício da insuficiência da matéria de facto; 17ª-Pelo que, caso também não vingue a tese da revogação da sentença condenatória e sua substituição por decisão absolutória, o processo deverá ser remetido ao Tribunal a quo, nos termos do art. 371° do C.P.P., onde deverá ser reaberta a audiência e investigados os factos em falta e, em face deles, ser determinada a sanção.
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-Ainda que se confirmasse a acusação em toda na sua plenitude, nem mesmo assim estaria justificado o recurso à solução radical de aplicação, desde logo, de pena efetiva de privação de liberdade; 19ª-Termos em que, caso faleça todo o acima referido, e seja de manter a pena de prisão aplicada à Recorrente, deverá a mesma ser suspensa na sua execução.
Assim fazendo. V. Exas estareis a realizar total, inteira, devida e costumada.
Justiça.
Disposições violadas: arts. 332°, n° 1, 333° n° 1 e n° 2, 116° n° 2 e 61°, n° 1 a) e 97° n° 4 todos do CPP; art. 32° n°s 5, 1, 6 e 7, bem como o art. 205°, todos da Constituição da República Portuguesa, assim como o art. 333° n° 3 do CPP; e ainda do art. 371° do CPP; Princípio fundamental de Direito in dúbio pro reo.” * O recurso foi admitido.
* Na resposta, o Mº Pº pronunciou-se no sentido da rejeição do recurso, e manutenção da decisão recorrida.
* Nesta Relação, a Exma Srª Procuradora-geral Adjunta emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso, secundando o MºPº na 1ª instância e aderindo à fundamentação da resposta por ele apresentada.
* Colhidos os vistos, foram os autos submetidos à conferência.
Cumpre decidir.
* II-FUNDAMENTAÇÃO.
São os seguintes, para o que aqui interessa, os factos que o Tribunal colectivo deu como provados: -I- 1.-Os serviços homebanking disponibilizados pelos bancos, permitem que os seus clientes, através da Internet (ou telefone), possam aceder e efectuar operações bancárias nas contas bancárias de que são titulares 2.-Para o efeito, a cada cliente registado nos serviços homebanking são atribuídos códigos e credenciais únicas, pessoais e intransmissíveis destinados a atestar a autenticidade e a legitimidade do acesso e das ordens efectuadas nas contas bancárias de que são titulares, nomeadamente a realização de transferências bancárias.
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-No entanto, através de sofisticadas técnicas informáticas, vulgarmente denominadas phishing, indivíduos ou grupos de indivíduo conseguem capturar e recolher, sub-repticiamente, esses dados de acesso, contra a vontade e sem conhecimento dos seus titulares.
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-Para o efeito recorrem, nomeadamente, - à canalização dos clientes bancários que pretendem aceder aos serviços homebanking para sites idênticos aos desses serviços...
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