Acórdão nº 4300/14.4TCLRS-A.L1-6 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 08 de Fevereiro de 2018

Magistrado ResponsávelEDUARDO PETERSEN SILVA
Data da Resolução08 de Fevereiro de 2018
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam os juízes que compõem este colectivo do Tribunal da Relação de Lisboa.

I.–Relatório: SC executada nos autos de execução que lhe move “BANCO, SA, veio deduzir os presentes embargos de executado pugnando a final pelo não prosseguimento da execução, invocando, em síntese, a invalidade da livrança dada à execução, em virtude de as assinaturas apostas na mesma o terem sido sem consciência dos fins e efeitos desses actos, por padecer a embargante de doença psiquiátrica contínua. À cautela, impugnou igualmente a embargante a genuinidade das assinaturas e invocou a falta de alegação da relação subjacente. Alegou ainda que nunca exerceu qualquer actividade na sociedade subscritora da livrança, a qual é gerida pelo seu pai, tendo sido coagida por este a ser sócia da sociedade, sendo que na data da assinatura da livrança, além de estar de relações cortadas com o pai, o seu Bilhete de Identidade se encontrava caducado, indiciando-se a falsificação ou a utilização abusiva da sua assinatura, reiterando nada dever ao exequente.

Recebidos os embargos, o exequente contestou, pugnando pela improcedência, quer pela insuficiência de relevância no alegado quanto à falsidade da assinatura e ou falta de consciência na declaração, quer pela natureza de título de crédito que dispensava o exequente de alegação da relação subjacente. Dispensada a audiência prévia, proferido o despacho a que alude o artigo 597º do Código de Processo Civil, com fixação do objecto do litígio e enunciação dos temas da prova, veio a realizar-se a audiência de discussão e julgamento, e foi seguidamente proferida sentença que, apreciando a questão da falta de alegação da relação subjacente como questão prévia, negando nulidade por ineptidão dela derivada, veio na parte dispositiva final a decidir: “Pelo exposto, atentas as disposições legais citadas e as considerações expendidas, julgo improcedentes os presentes embargos e, consequentemente: a)- Determino a prossecução da execução.

Custas pela embargante.

Registe, notifique e oportunamente comunique ao agente de execução”.

Inconformada, a embargante interpôs o presente recurso, formulando a final as seguintes conclusões: 1.

– No presente recurso, pretende a Embargante inverter a qualificação de “provado” para “não provado” do facto descrito na alínea “B” da matéria de facto provada, o de que “no local destinado ao valor e antecedido pela frase “Dou o meu aval à firma subscritora” encontra-se a assinatura da executada ”SR”, sendo eliminados da matéria de facto não provada os factos descritos nos respectivos n.ºs 2 e 5, por se tratarem de factos negativos e/ou que não cabe à Embargante provar, e cuja formulação viola os art.º 374.º n.º 2 e 343.º n.º 1 do CC e 444.º do CPC; 2.– Mais pretende que o facto descrito no n.º 1 da matéria de facto não provada seja substituído pelo facto provado de que “Após o seu último internamento no Hospital Júlio de Matos, devido a surtos psicóticos graves, em 2002, a Embargante continuou a necessitar de receber apoio clínico psiquiátrico regular, em 2004, 2005, 2007 e 2008” padecendo de uma doença psiquiátrica crónica, uma doença bipolar, que não tem cura”; 3.– Pretende, ainda, que os factos descritos nos n.ºs 3 e 4 da matéria de facto não provada sejam eliminados e substituídos pelo facto provado de que “durante os anos de 2003 e 2004, a embargante nunca exerceu qualquer atividade ligada à sociedade “VCV, Lda.”; 4.– Os elementos de prova que justificam as alterações à decisão da matéria de facto acima elencada são, para lá dos identificados na douta sentença recorrida, o teor da livrança junta como título executivo, o teor do “Contrato de Abertura Mútuo de Crédito em Conta Corrente Disponibilizado em Conta Crédito” a fls. 23-24, a “Informação e Documentação Clínica” do Hospital Júlio de Matos a fls. 47 a 74, o “Relatório Pericial” a fls. 84-88, a reprodução em fotocópia do bilhete de identidade da Embargante, emitido pelos S.I.C. de Lisboa, aos 22.07.2003, junto na audiência final; e o depoimento da Testemunha A.M.N.G., que foi casado com a Embargante entre 2004 e 2013, cuja razão de ciência é evidente e cuja credibilidade não foi posta em causa, identificado na acta da audiência final de 09.12.2016, achando-se especificados nas conclusões abaixo; 5.– Enuncia a douta decisão recorrida que [a Embargante] “alega que na data da assinatura da livrança, além de estar de relações cortadas com o pai, o seu Bilhete de Identidade encontrava-se caducado, indiciando a falsificação de assinatura ou a utilização abusiva da sua assinatura, reiterando nada dever ao exequente.” […] “Atendendo a que a embargante impugnou a genuinidade da assinatura, e conforme é entendimento jurisprudencial pacífico, cabia ao exequente, enquanto seu apresentante, a prova da sua genuinidade [artigos 374º n.º 2 e 343º n.º 1 do Código Civil]”, sendo, portanto, um pressuposto da presente decisão que cabia à Exequente provar em juízo que o título executivo era genuíno, designadamente que a assinatura dele constante tinha sido falsificada, material ou intelectualmente; 6.– E, de facto, na sua Oposição, a Embargante alegou que “padeceu de uma doença depressiva grave, que se manifestou, pela primeira vez, no início de 2001, e se prolongou pelos anos seguintes” em razão da qual “teve o seu discernimento gravemente diminuído, seja por força da doença psiquiátrica de que sofria, seja por efeito dos medicamentos que lhe foram prescritos” mais tendo alegado, todavia, que “na data e local que constam da livrança dada à execução como sendo a da respectiva emissão – Santarém, 26 de Abril de 2004, já tinha cortado há um ano e três meses as suas relações pessoais com o seu pai e saído de casa deste, pelo que é totalmente falso que tenha sido ela a assinar, nessa data, o documento junto aos autos”, pelo que, a livrança dada à execução, ou se tratava “de um documento com uma assinatura forjada da Embargante, ou de um documento assinado, em branco, em data muito anterior àquela em que veio a ser abusivamente utilizado, sem consentimento nem sequer conhecimento da Embargante.” 7.– Seja no caso da imitação da assinatura, seja no da utilização da assinatura para elaborar um documento falso – porque o mesmo foi, de facto, assinado pelo aparente signatário, mas em branco, em data anterior à da declaração que lhe é, falsamente, atribuída – vigora o mesmo ónus da prova, pois, em ambos os casos se trata da “impugnação da genuinidade de um documento”, nos termos e para os efeitos dos art.º 374.º n.º 2 e 343.º n.º 1 do CC e 444.º do CPC; dado que, sendo a assinatura o meio idóneo a efectuar a prova da autoria de uma declaração, que é o facto juridicamente relevante constante do documento, este, tanto não é genuíno se a assinatura tiver sido forjada, como se a declaração que integra o documento não tiver sido proferida pela pessoa que o escrito aparenta, ou seja, se o autor real da declaração não for o autor aparente.

8.– O mesmo, aliás, resulta do tipo de crime de falsificação de documentos, previsto e punido no art.º 256.º do Código Penal, em que igualmente se enquadram a conduta em que o agente fabrica ou vicia um documento, fisicamente – por exemplo, inserindo, pelo seu punho, ou pelo de outrem, uma assinatura falsa (falsificação material) – coma aquela em que o mesmo abusa da assinatura de outra pessoa para elaborar documento falso – utilizando uma assinatura mecânica, ou feita previamente, v.g., numa folha em branco (falsificação intelectual), sendo avesso aos princípios gerais da prova que a mera presença de uma vintena de letras, manuscritas numa folha de papel – que qualquer pessoa com perícia é capaz de copiar – possa, sem o suporte de mais qualquer meio de prova, e sem qualquer fundamento lógico, racional, que o justifique, atestar a existência de uma obrigação – em particular de uma dotada de força executiva.

9.– Ora, a douta decisão recorrida considerou preenchido esse ónus de prova e ficou “convicto de que a embargante assinou o título executivo” com recurso a um único meio de prova: “o teor do relatório pericial, onde se admite como provável que as assinaturas sejam da autoria da embargante [salientando-se que o confronto das assinaturas foi limitado por variabilidade existente nos autógrafos recolhidos, conjugado com a distância temporal entre a produção das assinaturas impugnadas e os autógrafos]”.

10.– Com efeito, as outras duas razões que o Tribunal “a quo” enuncia em suporte dessa sua convicção não são meios de prova, mas posições processuais da Embargante, que o Tribunal, salvo o devido respeito, interpreta de forma errónea e contrária à Lei, pois o facto de “que a embargante não nega assertivamente que a assinatura aposta na livrança seja sua” é uma imposição da prudência e da boa-fé processual da Embargante – cuja condição de saúde mental, provada em juízo, a impede de ser “assertiva” – e o facto de “que a embargante não impugnou a assinatura aposta no contrato que o exequente juntou com a contestação aos embargos [fls. 23-24]”, deve-se à junção deste documento na contestação aos Embargos (último articulado), quando a posição da Embargante, a tal respeito, já tinha sido bem explicitada na Oposição, sendo, por tal, essa impugnação redundante, à luz do disposto no art.º 574.º do CPC, nos termos do qual resultam impugnados os factos que estiverem em oposição com a defesa considerada no seu conjunto; 11.– Repete-se, assim, que a douta decisão considerou preenchido o ónus da prova da Exequente, quanto à genuinidade do título executivo, maxime, quanto ao facto de não ser falsa – material ou intelectualmente – a assinatura dele constante, somente com base no facto de que o “relatório pericial constante de fls. 84-88” qualificou de “provável” que a Embargante fosse a autora da assinatura constante no título executivo, sem que, no entanto, resulte do aresto posto em crise que o Tribunal “a quo” tenha ponderado qual é a gradação dessa expressão “provável” na hierarquização de...

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