Acórdão nº 12434/15 de Tribunal Central Administrativo Sul, 01 de Outubro de 2015
Magistrado Responsável | PEDRO MARCH |
Data da Resolução | 01 de Outubro de 2015 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Sul |
Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I. Relatório ……………………………………………………………, S.A. (Recorrente), interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé que deferiu a providência cautelar intentada por Carlos ………………………….. (Recorrido) e, em consequência, julgou procedente o pedido de suspensão de eficácia da deliberação de 14.11.2014, da autoria do Conselho de Administração daquela Entidade, que determinou a demolição da “Construção ………, localizada na ilha de Faro, no Núcleo Nascente da Península do Ancão”, a sua desocupação e a respectiva posse administrativa.
As alegações de recurso que apresentou culminam com as seguintes conclusões:
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Com a devida vénia, verifica-se que, à data em que foi proferida a sentença (28/04/2015), e até à presente data, não foi intentada a acção principal de que a presente providência depende (art. 112º, nº1 do CPTA).
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Pelo que, mostrando-se ultrapassado o prazo de 3 meses a que se refere o artigo 58º, nº2, alínea b) do CPTA, a contar da data de notificação do acto suspendendo (ocorrida em 27/11/2014 – al. t) do probatório), a sentença recorrida sofre de erro de julgamento pois que, à data em que foi proferida, já não se verificava o requisito da instrumentalidade, relativamente à causa principal [artºs 113/1 e 123/1/a) CPTA].
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Sem prescindir, deve ser pelo menos declarada a caducidade da providência e julgada extinta a instância cautelar, por inutilidade da lide, dada a natureza meramente instrumental desta, relativamente à causa principal. [artºs 113/1 e 123/1/a) CPTA].
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No artigo 5º da contestação foi expressa e especificadamente impugnado o art. 7º do R..I., sendo falso que o Requerente reside, habitual e ininterruptamente, desde 2000, na construção Id pelo nº ……….., do Núcleo Poente da Península do Ancão.
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Na verdade, o que se provou sumariamente, conforme prova documental nos autos, é que o Requerente dispõe de arrendamento, sito na Rua da………….., nº …., em Olhão – cf. doc. 2. [art. 16º da contestação] F) A Recorrente considera incorrectamente seleccionada e julgada a matéria de facto, por omissão de selecção e decisão sobre os manifestamente relevantes para boa decisão da causa, nos artigos 7º, 14º, 15º, 16º e 76º da contestação, que não podiam deixar de ser julgados provados.
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Os concretos meios probatórios que impunham decisão diversa da recorrida são: o requerimento inicial, os docs. nº 2 e 3º da contestação, e o proc. instrutor.
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À data da apresentação do requerimento inicial, a entidade Requerida já se encontra investida da posse administrativa da construção, sendo inglória a providência, destinada a evitar a invocada lesão, e não a sua reparação, o que não podia deixar de ser considerado – arts. 19º a 22º da contestação.
I) Por outro lado, a sentença não teve em conta o facto essencial alegado e provado no artigo 76º da contestação, isto é, o Requente nunca requereu a atribuição de habitação social, que é condição para o exercício do arrogado direito.
J) Na perspectiva da sentença, está em causa o direito ao realojamento como fundamento da pretensão e objecto do processo – (art. 51º, nº4 e 66º, nº2 CPT
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K) Significa que o Requerente pretende efectivar, através da causa principal, da qual esta providência é instrumental, um direito que nunca requereu à Administração.
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Não tendo o Requerente apresentado requerimento para efectivação do invocado direito ao realojamento, designadamente o pedido de procedimento para atribuição de habitação social, ocorre a falta do pressuposto processual do artigo 67º, nº1, al.ª a) do CPTA, soçobrando o interesse (em agir) para a condenação à prática do acto devido, a formular na acção principal de que esta providência depende M) Por outro lado, a douta sentença recorrida operou uma errada interpretação e aplicação das regras de direito probatório material e de repartição do ónus da prova do requisito de primeira e única habitação, decorrentes do artigo 37º, nº2, alínea b), do POOC e do artigo 88º, nº1 do CPA.
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De acordo com o artigo 37º, nº2, alínea b), do POOC, o ónus da prova do requisito de única residência é mais exigente, pois não basta subsistir a mera dúvida (non liquet), mas a lei exige uma verdadeira confirmação (liquet), pelo que as situações de incerteza se resolvem contra o interessado a quem o facto aproveita (art. 88º, nº1 do CPA), tendo a sentença operado uma verdadeira inversão do ónus da prova.
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Competia ao Requerente provar que a construção que ocupa ilegalmente na ilha de Faro, é uma primeira habitação, mas apenas para efeito de realojamento.
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No entanto, o Requerente nunca referiu que pretende ser realojado, o que se traduz em forte indício de que a casa em causa não só não é primeira habitação como não é a única habitação.
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Importa sublinhar o facto de que não é possível proceder à legalização das referidas construções por se encontrarem em terreno qualificado no POOC.
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Tal circunstância implica que, mesmo que a construção em apreço fosse a primeira e única habitação do Requerente, a eventual procedência da acção principal apenas acarretaria o seu direito ao realojamento, e não o direito a qualquer indemnização, à não demolição, ou a permanecer na construção.
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Acresce que não foi alegado, pelo Requerente, o exercício de actividade associada à pesca ou à exploração dos recursos da ria – art. 37º, nº2, al a), ii) do POOC.
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Face ao exposto, demonstrado está que não se verifica o menor indício de “fumus boni iuris”, antes pelo contrário, o que existe é “fumus malus”: a manifesta falta de fundamento, na acepção da alínea b), do nº 1, do artigo 120º, do CPTA.
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Ao contrário da sentença recorrida, também não se verifica o requisito do periculum in mora, desde logo, porque não se alegou, nem provou, que a construção em apreço é a residência do Requerente, sendo que a construção ilegalmente edificada, a descoberto de uso privativo, não tem qualquer valor comercial (art. 202º, nº2, C.C), V) Tão-pouco se pode considerar atendível um fundado receio nestas circunstâncias, referentes a uma construção ilegalmente edificada em terrenos do domínio público hídrico, tendo ainda em conta o bem público protegido e até mesmo criminalmente relevante, nos termos da Lei nº 32/2010, de 02/09, que aditou o crime de Violação de regras urbanísticas, no artigo 278º-A, nº1 do Código Penal.
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Sem conceder, a sentença recorrida também operou uma errada ponderação dos interesses em presença, tendo violado o requisito previsto no artigo 120º, nº2 do CPTA, já que os danos que resultariam para o interesse público da hipotética concessão se mostram desproporcionais e muito superiores àqueles que poderiam resultar para o Requerente da sua recusam, conforme parecer que se junta.
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Deve ser revogada a decisão quanto a custas, e as mesmas ficarem a cargo do recorrido, por se considerar que às mesmas deu causa, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 527.º e 539.º do Código de Processo Civil.
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Ao não ter julgado de acordo com as antecedentes conclusões, a douta sentença recorrida violou as sobrecitadas disposições legais • Não foram apresentadas contra-alegações.
• A questão prévia suscitada relativa à requerida declaração da providência cautelar decretada, com a consequente extinção da presente instância, foi apreciada e decidida pelo despacho da Mma. Juiz do TAF de Loulé, como constante de fls. 490-491, tendo sido indeferido o pedido (decisão transitada em julgado).
• Neste Tribunal Central Administrativo, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no qual se pronunciou pela procedência do recurso.
• Com dispensa de vistos, atenta a sua natureza urgente, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Administrativo para decisão.
• I.1.
Questão Prévia (da junção de documentos) A Recorrente, juntamente com as alegações de recurso, apresentou 2 documentos (a fls. 463-467 e 468-472), com a finalidade de atestar o erro de julgamento quanto à ponderação de interesses efectuada pelo tribunal a quo.
Vejamos.
Dispõe o art. 651.º do CPC, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, que: “As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância”.
Ou seja, a regra é a de que depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância. Ora, a verdade é que os documentos em causa pretendem somente atestar que a razão quanto a esse ponto controvertido – a prevalência dos interesses públicos em presença – está do lado do Recorrente; alegação que já havia sido oportunamente efectuada na contestação e, portanto, discutida nos autos.
Pelo exposto, decidindo, acorda-se em não admitir a junção dos documentos de fls. 463-467 e 468-472), juntos com as alegações de recurso, cujo desentranhamento e devolução ao apresentante se determina.
Custas nesta parte pelo Recorrente, a título incidental, cuja taxa de justiça se fixa no mínimo legal.
• I. 2.
Questões a apreciar e decidir: As questões suscitadas pelo Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, traduzem-se em apreciar: - Se o Tribunal a quo errou na selecção da matéria de facto que efectuou, vindo a considerar factualidade provada que havia sido impugnada (residência do Requerente); e - Se o Tribunal a quo errou ao ter deferido a providência cautelar requerida de suspensão de eficácia da deliberação de 14.11.2014, proferida pelo Conselho de Administração da …………………….., SA, que, designadamente, determinou a demolição da construção em referência.
• II.
Fundamentação II.1.
De facto É a seguinte a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, a qual se...
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