Acórdão nº 412/09.4PATNV.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 12 de Novembro de 2014

Magistrado ResponsávelJOS
Data da Resolução12 de Novembro de 2014
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, os Juízes da 5ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra: I. Relatório: A) No âmbito do processo comum (tribunal colectivo) n.º 412/09.4PATNV que corre termos no Tribunal Judicial de Torres Novas, 2.º Juízo, em 14/1/2014, foi proferido Acórdão, pelo Tribunal de Círculo de Tomar, cujo DISPOSITIVO é o seguinte: “4. Decisão.

4.1. Pelo exposto, o Tribunal julga a convolada acusação procedente, porque provada, e, em consequência, decide: a) Declarar que o arguido A...

praticou actos previstos como crime de homicídio qualificado, na forma tentada, previsto e punido pelos artigos 22.º e 23.º, 131.º, e 132.ºn.ºs 1 e 2, alínea b), do Código Penal; b) Declarar que o arguido A... era à data dos factos inimputável; e, c) Não lhe aplicar qualquer medida de internamento, por não oferecer perigosidade.

4.2. Não é devida taxa de justiça.

4.3. Notifique o arguido para levantar a faca de cozinha apreendida, nos termos do disposto no art.º 186.º, do Código de Processo Penal.

4.4. Cumpra o disposto no art.º 372.º, n.º 5, do Código de Processo Penal.

4.5. Notifique.

” **** B) Inconformado com a decisão recorrida, dela recorreu, em 5/2/2014, o Ministério Público, defendendo a sua revogação e substituição por outra que condene o arguido pela prática dos factos de que vinha acusado e que integram a prática de um crime de homicídio simples, na sua forma tentada, e não qualificado, como decidiu o Tribunal recorrido e, subsidiariamente, e para o caso de assim não ser entendido, que declare, pelo menos, a perigosidade do arguido.

O recorrente extraiu da motivação as seguintes conclusões: 1.

  1. O acórdão recorrido é nulo conforme artigos 374.º, n.º 3, al. b), e 379.º, n.º 1, al. a), do CPP.

  2. (…).

  3. Face a tal factualidade dada por assente e dada por não provada, entendeu o Tribunal, e foi essa a sua decisão, que se impunha declarar que o arguido era, à data dos factos, inimputável e não lhe aplicar qualquer medida de internamento, por não oferecer este perigosidade.

  4. (…).

  5. Impõe o artigo 374.º, n.º 3, al. b), do CPP, que a sentença termine pelo dispositivo que terá de conter a decisão condenatória ou absolutória.

  6. Por sua vez, preceitua o artigo 379.º, n.º 1, al. a), do CPP, que é nula a sentença que não contenha as menções a que alude a alínea b), do n.º 3, do artigo 374.º, do CPP.

  7. Compulsado o dispositivo do acórdão recorrido, constata-se facilmente tal nulidade, pois é omissa a decisão neste aspecto, já que nem condena, nem absolve o arguido do crime de que vinha acusado, limitando-se a mesma a declarar que o arguido praticou factos que integram a prática de um crime de homicídio qualificado, que o mesmo é inimputável e que não lhe aplica qualquer medida de segurança ou internamento por não ser o arguido perigoso.

  8. Tal nulidade deve ser declarada por esse Tribunal Superior e conduz a que, pelo menos, determine a repetição do acórdão para suprir tal deficiência da decisão recorrida.

  9. Mas o acórdão recorrido é também nulo por falta e deficiência da análise crítica da prova, conforme artigos 374.º, n.º 2, e 379.º, n.º 1, do CPP.

  10. (…).

  11. Com efeito, não explicou com suficiência bastante as razões pelas quais não deu como provados os factos constantes da tábua dos factos não provados (factualidade inerente ao elemento subjectivo do crime em causa).

  12. (…).

  13. Com efeito, o Tribunal reconhece nos factos provados que o arguido apresenta um caudal de verbalidade superior ao do seu desempenho, mas depois aceita pacificamente o que ele relata e de modo absolutamente acrítico.

  14. Aceita o Tribunal que o arguido tem inteligência acima da média e evidencia defensividade e compulsividade e, ainda, que apresenta diferenças significativas entre o desempenho verbal e de realização.

  15. Ora, tal significa que teria o Tribunal de ter analisado com especial cuidado o que o arguido declarou em audiência.

  16. Todavia, e ao invés, aceitou a totalidade das suas declarações – nas quais acreditou piamente – sem uma única nota crítica que se impunha para existir coerência entre tal e os factos que o Tribunal considerou provados sob os números 2.1.15 e 2.1.16.

  17. Nunca explicou o Tribunal tal percurso do seu raciocínio para a formação da sua convicção, nem tão pouco porque lhe mereceram credibilidade as declarações do arguido e da ofendida que permitiram, no seu entender, o afastamento das regras de experiência.

  18. Refere o Tribunal que, em princípio, quando alguém direcciona golpes de uma faca contra zonas do corpo de outrem onde se alojam órgãos vitais é porque os quer atingir e quer a produção do resultado morte desse outrem.

  19. Mas refere, também, que, no caso em apreço, se verificam circunstâncias que permitem afastar essa regra de experiência, como sejam a pré-existência de uma comprovada história médica do arguido, com sintomas de ansiedade e depressão, necessidade de acompanhamento médico e tratamento medicamentoso, o reconhecimento de sinais de perturbação emocional do arguido antes da ocorrência dos factos; o abandono dos tratamentos medicamentosos antes da ocorrência dos factos; a ausência de motivos para a sua actuação; o comportamento errático, perturbado e desconcertado do arguido na noite dos factos ao não querer dormir e insistir em falar com o pai pelo telefone sem razão aparente que justificasse a urgência e ao começar a golpear-se quando contrariado pela mulher, ao só golpear a mulher quando esta procurou tirar-lhe a faca, ao não perseguir a mulher quando esta sai de casa pedindo socorro e ao não verbalizar a sua actuação e, ainda, a circunstância de ser o arguido incapaz de explicar a sua conduta.

  20. Ora, o Tribunal diz que se verificou ausência de motivos para a actuação do arguido, mas, depois, é o próprio Tribunal que, nos factos provados, elenca tal motivação ao considerar, nos factos 2.1.4 a 2.1.8 provado que o arguido foi acordar a mulher dizendo que precisava urgentemente de falar com o pai e não aceitou a recusa desta em não lhe facultar o seu telemóvel para telefonar ao pai e ao não aceitar que a B... lhe retirasse a faca e, ainda, ao dizer que o arguido actuou como actuou porque abandonou a medicação.

  21. Foram essas as razões da actuação do arguido, é o próprio Tribunal a apontá-las nos factos que deu como provados.

  22. Fica, pois, sem se perceber o raciocínio lógico que presidiu ao afastar do funcionamento das regras de experiência para que não se tivesse considerado que o arguido agiu com intenção de tirar a vida à sua mulher.

  23. As regras de experiência apontam no sentido de que queria o arguido matar a sua mulher, pois que: - actuou no meio de uma discussão (motivada pelo telefonema que queria fazer ao pai e pelo facto de a ofendida não lhe emprestar o seu telemóvel) e após ter sido contrariado pela vítima nesse propósito; - não dá nenhuma explicação para o seu comportamento quando o Tribunal reconhece – nos factos provados – que o arguido tem desempenho verbal superior à realização (o Tribunal não retira daqui qualquer consequência); - as declarações do arguido e da ofendida contrariam as regras de experiência.

  24. Então, não se percebe como o Tribunal avaliou tais regras de experiência, porque, quando as enuncia, apresenta-as de modo contraditório.

  25. Nunca explicou o Tribunal porque acreditou na versão do arguido.

  26. Igualmente, nunca explicou o Tribunal – de forma minimamente compreensível – porque não valorou a prova pericial constante dos autos que tinha concluído que o arguido actuara numa situação de imputabilidade diminuída, conforme exame de fls. 243 a 245 dos autos.

  27. Na sua fundamentação, aludiu o Tribunal a este propósito que o relatório pericial tem por base a história médica passada do arguido e não a sua actuação na noite dos factos e que “(…)”.

  28. Ora, de todo, que se não percebe o raciocínio do Tribunal.

  29. Então, quais são os elementos actualizados a que se reporta o Tribunal? 30. Parece ter entendido o Tribunal serem as declarações prestadas pela vítima em audiência. Mas essas são exactamente iguais ao relato que o arguido fizera sobre os factos aquando da realização do exame pericial (o próprio Perito Médico o reconhece logo no início dos seus esclarecimentos prestados em audiência).

  30. Por outro lado, parece ter entendido o Tribunal recorrido que a perícia de fls. 243 a 245 não contemplou a situação do arguido à data dos factos.

  31. Mas não se percebe porquê, pois que do texto das conclusões de tal perícia resulta exactamente o contrário, quando tal meio de prova conclui que “(…) Do atrás exposto, conclui-se que existe uma imputabilidade diminuída do arguido uma vez que se considerou que o seu comportamento foi influenciado por factores emocionais.”.

  32. É por demais evidente que tal juízo – inteiramente médico e pericial e subtraído à livre apreciação do julgador, conforme artigo 163.º, do CP - se reporta à data da prática dos factos e mal se percebe que a decisão recorrida afirme o contrário, sem que explique convenientemente porquê.

  33. Não se percebe, pois, em que estribou o Tribunal a sua convicção de inimputabilidade do arguido, de que este padecia de doença que o afectava e o impedia de representar a morte da sua mulher ou sequer a produção de ferimentos como resultado da sua conduta.

  34. É certo que o Tribunal refere que essa convicção radica na comprovada história médica do arguido e na descrição dos factos efectuada pela própria vítima.

  35. Mas a história médica existente já constava e foi contemplada pela perícia de fls. 243 a 245 e o que relatou a ofendida foi o mesmo que relatou o arguido sobre os acontecimentos aos peritos.

  36. Por fim, mas não menos importante, igualmente resulta inexplicável em que fundou o Tribunal o seu Juízo de não perigosidade do arguido, pois a este propósito – percorrida a motivação e análise crítica da prova – não se vislumbra uma única alusão a tal propósito (uma única linha que seja).

  37. Desconhece-se, pois, e em absoluto, em que fundou o Tribunal a sua conclusão de que o arguido não apresenta qualquer tipo de perigosidade, limitando-se a...

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