Acórdão nº 423/10.7SAGRD.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 10 de Dezembro de 2014

Magistrado ResponsávelVASQUES OS
Data da Resolução10 de Dezembro de 2014
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, na 4ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra I. RELATÓRIO No 3º Juízo do [já extinto] Tribunal Judicial da comarca da Guarda, mediante despacho de pronúncia, foi submetido a julgamento, em processo comum, com intervenção do tribunal singular, o arguido B..., com os demais sinais nos autos, a quem era imputada a prática, em autoria material e concurso real, de um crime de ameaça agravada, p. e p. pelos arts. 153º e 155º, nº 1, a) do C. Penal, de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo art. 143º, nº 1 do C. Penal e de um crime de dano, p. e p. pelo art. 212º, nº 1 do C. Penal.

A... constituiu-se assistente.

Por sentença de 22 de Abril de 2014, foi o arguido absolvido da prática dos imputados crimes.

* Inconformado com a decisão recorreu o assistente, formulando no termo da motivação as seguintes conclusões: 1. A douta sentença recorrida apresenta erro notório na apreciação da prova.

  1. Pela reapreciação da prova gravada, transcrita na integra, ligada à restante prova pericial de fls. 28, 235 a 237, 250 e 251 e 271 e 272, bem como prova documental de fls. 5, 58, 128, 129, 314, 322 a 324 impõem-se sejam dados como provados os factos constantes do despacho de pronúncia, e provados os constantes da douta sentença recorrida como não provados.

  2. O depoimento prestado pelo arguido e pela sua esposa M..., não merecem qualquer credibilidade, por não terem apoio em indícios suficientes, excluídos pela sequência de eventos descritos pela testemunha C..., pelo assistente, pelo agente da PSP D..., pela gravidade das lesões sofridas pelo assistente e pela dinâmica dos acontecimentos relatados.

  3. O assistente e a testemunha C... afirmam ter o arguido agredido o assistente a murro e pontapés, ter-lhe dito se chamas a policia mato-te e com murros e pontapés danificou o Mercedes do assistente no capot, pára-choques e estrela no valor de 350,00 €.

  4. A gravidade das lesões sofridas, luxação no ombro e rotura da coifa de rotadores, evidenciam a violência do murro, queda e pontapés, causados pelo arguido, não são compatíveis com um simples empurrão.

  5. As lesões sofridas pelo assistente demandaram 129 dias de doença, ficando com incapacidade, sem força no braço, com abdução e sem movimento superior a 90°.

  6. Um simples empurrão pela frente não causava as lesões no ombro, na face e no joelho, que o assistente apresentava, eventualmente teria que apresentar lesões detrás e não pela frente.

  7. O arguido confirma que houve agressões físicas violentas "não foi propriamente com meiguice".

  8. A testemunha C... confirma ter presenciado todos os factos da pronúncia, por se encontrar a 3m de distância, onde parou a sua viatura quando passava no local.

  9. Tal depoimento é credível, isento e imparcial, assertivo, relata com precisão pormenores da ocorrência, pelo que não deixa duvidas sobre a sua credibilidade.

  10. Este depoimento ligado às declarações do assistente, ao agente da PSP D... e à filha do assistente E..., bem como os elementos clínicos dos autos, são de modo a confirmar todos os factos e matéria da pronúncia.

    Nestes termos Requer-se a reapreciação de toda a prova e a revogação da douta sentença recorrida, por não verificação das dúvidas que da mesma constam, e dar-se como provados os factos que constam da douta sentença como não provados e provados os factos da douta pronúncia, que aqui se dá por reproduzida e o arguido condenado nos crimes que vem pronunciado, crime de ameaça na forma agravada pp. pelo art.º 153º e 155º/1 al. a) do CP e um crime de ofensa à integridade física simples pp. pelo art.º 143º/1 do CP e um crime de dano pp. pelo art.º 212º/1 do CP.

    Assim se decidindo far-se-á Justiça.

    * Respondeu ao recurso o Digno Magistrado do Ministério Público, formulando no termo da contramotivação as seguintes conclusões: 1ª – Face à matéria de facto dada com provada, não merece qualquer reparo a decisão ora em recurso; 2ª – Adere-se, integral e plenamente à decisão ora em recurso, quer no que toca aos argumentos fácticos quer de ius nela explanados, a qual, na nossa opinião, não merece qualquer reparo, encontrando-se exemplarmente trabalhada e fundamentada, tendo ainda apreciado de forma justa e equitativa os factos e feito correcta aplicação do direito; 3ª – Acompanham-se as dúvidas que ressaltaram da prova produzida em julgamento e que resvalaram a favor da tese do arguido; 4ª – No que concerne ao erro notório na apreciação da prova, tem-se ultimamente vindo a entender que o mesmo tem de ser de tal modo evidente que não possa passar despercebido ao comum dos observadores, ou seja quando não passa despercebido ao homem médio; 5ª – É que os vícios do nº 2 do artº 410º cit., têm de resultar do próprio texto da decisão recorrida, por si só ou conjugados com as regras da experiência comum; 6ª – Ora, afigura-se-nos que o assistente recorrente confunde o vício em apreço com a apreciação e valoração que ele realiza da prova que foi produzida em audiência de julgamento; 7ª – Pois que, do texto da decisão ora posta em crise, não se nos afigura que resulte qualquer erro na apreciação da prova, quer perante a factualidade dada como provada e não provada, quer pela fundamentação que a decisão da mesma realizou; 8ª – Com efeito é plausível, aceitável, quer a interpretação da prova produzida realizada pelo tribunal "a quo", quer a efectuada pelo aqui recorrente. Mas não se aceita que se possa dizer que a decisão ora posta em crise incorre no vício de erro notório na apreciação da prova; 9ª – Pois que este erro tem que resultar do próprio texto da sentença, sem recurso a quaisquer outros elementos do processo; 10ª – E não vislumbramos que tal aconteça no presente caso; 11ª – Pois que o que vem contestado pelo recorrente não é o texto da decisão recorrida mas o modo como o tribunal "a quo" procedeu e alcançou quer a apreciação da prova quer a decisão; 12ª – Isto partindo do pressuposto, de que tivemos duas teses em confronto. Uma alicerçada na versão dos factos relatados pelo assistente, aqui recorrente e das testemunhas C..., D... e E...e a outra assente nos depoimentos M... e do próprio arguido; 13ª – Pois que é patente que o recorrente pretende discutir a convicção do Tribunal, já que insistentemente revela a sua discordância com a matéria dada como provada e convicção do Tribunal; 14ª – Mas mais, se o recorrente pretende discutir, na sua motivação, a convicção do Tribunal, terá de mostrar à evidência a discrepância entre a matéria de facto dada como provada e a convicção do Tribunal, o que julgamos não ter sido feito; 15ª – É que, segundo o artº 127°: "Salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente." 16ª – Atento carácter inatacável da decisão ora em recurso, afastado se encontra, já se vê, o pretenso vício apontado pelo recorrente, pois que, dada a matéria dada como assente nos autos, afigura-se-nos que nenhum reparo há que apontar-lhe, na parte em que absolveu o arguido; 17ª – O recorrente não transcreveu, na íntegra, os depoimentos do queixoso e arguido e das testemunhas que relatam os factos C..., D..., E... e M...; 18ª – Pois que há falhas, gralhas, nas denominadas "transcrições integrais", acima apontadas no texto; 19ª – No depoimento da testemunham C... não se entende como é que o mesmo, com a sua viatura em andamento, a trabalhar, ainda que a 3 metros dos contendores, tivesse possibilidade de ouvir, antes ou depois do murro, a ameaça imputada ao arguido, porque proferida em tom elevado e sério; 20ª – Razão porque se acompanha, nesta parte e bem assim na dos outros factos, a posição sufragada na motivação da decisão ora posta em crise quando refere que o princípio da presunção da inocência, impõe que a prova produzida se revele cabal, credível e esclarecedora, para além da dúvida razoável; 21ª – Acompanham-se, ainda, nesta parte, as dúvidas que ressaltaram ao pensamento do julgador, no que concerne ao que terá acontecido primeiro: se o murro se a ameaça, atentos os depoimento, contraditórios, do assistente, aqui recorrente e da testemunha C...; 22ª – A que acrescentamos a seguinte: o assistente não fala em agressão, seguida de empurrão. O Agente da PSP fala, pondo-o na boca do assistente; 23ª – E bem assim a omissão por parte da filha do assistente de ter visto no local a testemunha C...; 24ª – A tese da queda do arguido para a frente não é consentânea com a luxação anterior do ombro que sofreu; 25ª – Cremos que a decisão recorrida fez uma ponderada apreciação de todas as circunstâncias dos factos narrados em audiência de julgamento, tendo tido devidamente em conta a prova e tendo feito correcta aplicação do direito aos factos; 26ª – Inexiste o vício apontados pelo assistente na decisão ora em crise; 27ª – A sentença ora em recurso não violou quaisquer legais do CPenal ou do CPPenal.

    Termos em que, Deve ser mantida, nos seus precisos termos, a sentença ora em recurso, como é de JUSTIÇA E DIREITO.

    * Respondeu também o arguido ao recurso, alegando que deve ser mantida a decisão sobre a matéria de facto porque o recorrente não cumpriu as exigências previstas no art. 412º do C. Processo Penal, ao não identificar o erro de facto e ao não indicar as concretas provas que imporiam decisão diversa, que a decisão de facto proferida é a que resulta da prova proferida, que o non liquet só o poderia beneficiar, e concluiu pelo não provimento do recurso.

    * Na vista a que se refere o art. 416º, nº 1 do C. Processo Penal, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu...

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