Acórdão nº 995/12.1TAVIS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 15 de Abril de 2015
Magistrado Responsável | ALCINA DA COSTA RIBEIRO |
Data da Resolução | 15 de Abril de 2015 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam, os Juízes que compõem a 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra I – RELATÓRIO 1.
A... , com sinais nos autos, foi julgado e condenado em primeira instância por sentença proferida em 01 de Abril de 2014, como autor material dois crimes de difamação simples, previstos e puníveis pelo art. 180º, nº 1, do Código Penal, nas penas de 120 e 100 dias de multa, à taxa diária de €10,00.
Em cúmulo jurídico, foi o arguido condenado na pena única de 170 dias de multa, à taxa diária de €10,00.
Mais foi condenado a pagar à assistente a quantia de 2 000,00€, a título de danos não patrimoniais.
2 - Inconformado com esta condenação, dela recorre o Arguido, sintetizando as suas alegações, nas seguintes conclusões: 1ª – As expressões, constantes dos Factos Provados, em 2. e 3. alegadamente proferidas perante a testemunha, F..., “a assistente era uma incompetente”; “só se interessava por dinheiro e por tirá-lo aos clientes”; “andava com outros homens enquanto andava com ele, como lhe tirava dinheiro a ele e a outros homens”, não foram denunciados e, muito menos, como expressões proferidas perante a referida testemunha.
2ª – Tratando-se de crimes particulares a queixa é um pressuposto do procedimento criminal; 3ª - Não podendo, assim, o recorrente por eles ser julgado e condenado; 4ª – Estão incorrectamente julgados os pontos 1. a 7. dos Factos Provados da sentença recorrida; 5ª – Tal como o ponto 8., porquanto o arguido é mestre em saneamento básico, com declarou; 6ª – Os factos 1. a 7 referidos na conclusão 4ª deveriam ter sido julgados como Não provados; 7ª – Não provados, porque o recorrente nega peremptoriamente tê-los praticado; 8ª – E porque as testemunhas não mereceram credibilidade, por não serem isentas em virtude das relações de dependência económica em relação à assistente, das relações de amizade e das relações de Advogada (a assistente e a cliente).
9ª – Nenhuma testemunha fora do plano daquela espécie de relações com a assistente corroborou os factos; 10ª – Todas elas (com excepção de J..., que o recorrente não conhece) andam de relações cortadas com o arguido; 11ª – Por tais razões, são patentes e notórias as fortes dúvidas de que o arguido tenha proferido as expressões que lhe são imputadas e dadas como provados; 12ª – A que acrescem as contradições ou divergências entre as declarações e depoimentos; 13ª – Evidências e constatações que justificam a formação de dúvida relevante na convicção do tribunal, potenciadora da resposta de não provados aos factos já assinalados e dados como provados; 14ª – Impondo-se indicar, da prova produzida, os pontos que estão na génese da aludida dúvida e evidente dúvida; 15ª – F... está zangada com o arguido, está de relações cortadas com o arguido; 16ª – Esta testemunha é cliente da assistente.
17ª – Tal testemunha, que depôs na 2ª sessão de julgamento, foi informada do teor das declarações do arguido (1ª sessão) referente à obra, fiscalização, conta final, licença de utilização, etc. da obra que a mesma fiscalizava. Isto porque tendo o arguido prestado as suas declarações no dia 3/3/2014 se referiu às razões da reunião que teve com a mesma sobre a obra ( x... ).
18ª – A testemunha apresentou na sessão seguinte (26/03/2014), com recibos de honorários passados ao arguido e fotocópia do livro de obra; 19ª – Revela bem o que fica exposto que a testemunha foi informada do que se passou na 1ª sessão de julgamento e, certamente, “avisada” para se preparar para tentar contrariar as declarações do arguido – o que retira credibilidade e autenticidade ao seu depoimento; 20ª – A assistente, nas suas declarações, diz que só passados uns dias é que falou com a testemunha F..., não sabendo em que dia da semana (mais uma vez incerteza do tempo), mas afirmando categoricamente que foi em casa dela (da testemunha F...).
21ª – Em absoluta contradição, a testemunha F..., no seu depoimento já indicado, afirma que tiveram a conversa “num cafezito perto de onde a doutra (assistente) mora, altura em que lhe relatou o que se tinha passado; 22ª – Mais afirmou, ao contrário do que declarou a assistente, que a conversa foi a seguir ou um dia depois; 23ª – Não são aceitáveis estas divergências quanto a factos que, a serem verdadeiros, ficariam na memória das intervenientes; 24ª – A testemunha I... é funcionária da assistente, com a natural dependência daí decorrente; 25ª – A testemunha J..., que depôs na mesma data, é cliente da assistente.
26ª – Não se percebe que estando a testemunha separada (divorciada) do marido há 4 anos e, como vem dito na acusação e na sentença, o arguido procurava o marido da testemunha, que o recorrente não conhece de lado nenhum, tivesse ido a casa da ex-mulher.
27ª – Para mais, segundo a testemunha, presumindo num primeiro momento e tendo a certeza num segundo momento que o arguido tenha pedido informações a um tal Sr.M.. em y... -Gare.
28ª – Se pediu essas informações e se o arguido perguntava pelo marido (ex) também quem a conhecia saberia dizer-lhe que estavam divorciados.
29ª – Aliás e curiosamente a assistente, contraditoriamente, nas suas declarações diz que foi um tal O..., seu ex-marido que deu a informação ao arguido.
30ª – É manifesto que estamos perante testemunhas e sujeitos processuais que se contradizem, de forma determinante e atabalhoadamente que destrói a seriedade, isenção e veracidade do testemunho.
31ª – Dos factos não há uma data concreta e deveria haver e dispunham os protagonistas meios para isso. 32ª – Em vez de datas concretas temos «no período entre a Páscoa e o verão de 2012» e «por altura da Páscoa de 2012 e repara-se que a queixa foi apresentada em 6 de Junho de 2012.
33ª – Porquanto, todos os imputados factos ao arguido chegaram ao conhecimento da assistente através de telefonemas e bastaria recorrer á memória dos telefones ou facturas detalhadas.
34ª – A testemunha F... diz que telefonou em 1º lugar à testemunha I..., empregada da assistente, de quem é amiga, em vez de telefonar logo à assistente (não é um comportamento normal).
35ª – A testemunha J...deu conhecimento por telefonema ao assistente.
36ª – Sem se perceber o porquê (ou talvez se perceba) a assistente afirma que é natural de y... e na participação, quando, na verdade, é natural da freguesia de z... , concelho da Guarda; 37ª – Não foi feita qualquer prova que o arguido, por despeito ou vingança, tivesse encetado uma campanha de rebaixamento da dignidade pessoa e profissional da assistente.
38ª – É fora de toda a lógica dizer-se, como se diz na sentença, que «a ademais tais depoimentos foram integralmente corroborados pela assistente», quando se sabe que quem transmitiu a esta os factos (embora falsos) foram as testemunhas, factos não praticados na presença da assistente e, por isso, absolutamente impossibilitada ou inabilitada para corroborar qualquer depoimento de testemunha; 39ª – Não existe uma única testemunha que, de alguma forma, se situe num plano de insuspeita isenção. Nem uma única.
40ª – No início do seu depoimento a testemunha F... começou a anunciar, a instância do ilustre mandatário da assistente que, “como deve imaginar não sei precisar as palavras e era ridículo lembrar-me aqui das palavras dele”. Perante isto, aquele ilustre mandatário manifestou a sua predisposição para ajudar “eu já vou tentar que a senhora engenheira memorize ou relembre».
41ª - E a certa altura do seu depoimento, o ilustre mandatário da assistente, que fazia a instância, afirmou: “eu vou, porque disse efectivamente não se lembrava ao certo mas a senhora quando prestou declarações no âmbito do inquérito … ainda foi dizendo alguma coisa, porque o tempo também era mais recente, mais próximo da ocorrência. 42ª – Mas foi interrompido pela testemunha em causa que milagrosamente começou a desfiar, durante dois minutos um extenso rol de afirmações que o arguido teria proferido.
43ª – Não deixa de ser espantosa a forma (em catadupa) como a testemunha recuperou subitamente a memória de que antes tinha anunciado estar desprovida e ter afirmado que seria ridículo lembrar-se de tudo.
44ª – Estranha-se e é ilegal dar relevância, como se faz na sentença, á afirmação da testemunha J..., para credibilizar o seu depoimento, que a mesma identificou, em plena sessão de julgamento, o arguido ali sentado a ser julgado, como sendo a pessoa que foi a sua casa. Seria de admirar se o não dissesses.
Sem conceder; 45ª – A pena concreta aplicada ao arguido é exagerada; 46ª – A indemnização estipulada peca por excesso; 47ª – Foram violadas e incorrectamente aplicadas, entre outras, as normas dos art. 180º, 40º e 71º do Código Penal, 127º do Código de Processo Penal e 483º, nº1, do Código Civil. 3 - O Digno Magistrado do Ministério Público, junto do Tribunal Judicial de Viseu, na Resposta de fls. 245 a 271, defende a manutenção da sentença.
4 - O Digno Procurador-Geral Adjunto, no parecer de fls. 300, acolhendo os argumentos aduzidos em 3, conclui, também, pelo não provimento do Recurso.
5 - Admitido o recurso na forma e com o efeito devidos, subiram os autos a esta Relação onde, depois de colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
II – MATÉRIA A DECIDIR Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões do Recorrente, as questões a decidir consistem em saber se: 1. Foi apresentada queixa-crime por determinados factos constantes dos pontos 2. e 3.
Na negativa, quais os efeitos jurídicos.
-
Deve proceder-se à alteração da matéria de facto 3. A Medida concreta da pena se mostra exagerada.
-
A decisão sobre o pedido cível admite recurso e, na afirmativa, se o montante indemnizatório se mostra excessivo.
III – A SENTENÇA SINDICADA O tribunal a quo decidiu a matéria de facto com a Fundamentação que, de seguida se transcreve: «Factos Provados Da audiência de discussão e julgamento resultaram provados os seguintes factos: 1.
No período temporal compreendido entre a Páscoa e o Verão de 2012 o arguido, por despeito e vingança, encetou uma campanha de rebaixamento da dignidade pessoal e profissional...
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