Acórdão nº 27/13.2GCLMG.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 29 de Abril de 2015

Data29 Abril 2015
ÓrgãoCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, os Juízes da 5ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra: I. Relatório:

  1. No âmbito do processo comum (tribunal singular) n.º 27/13.2GCLMG que corre termos na Comarca de Viseu, Lamego – Instância Local – Secção Criminal – J1, foi proferida Sentença, em 3/12/2014, cujo Dispositivo é o seguinte: “VIII – DECISÃO Nestes termos o Tribunal decide julgar procedente por provada a acusação do Ministério Público e consequentemente: 1. - Condenar o arguido A...

    , como autor material, pela prática de um crime de violência doméstica previsto e punido no art. 152.º n.º 1, al. b) e c) e n.º 2 do Código Penal, na pena de 3 anos de prisão, cuja execução da pena se suspende por igual período (nº 5 do artigo 50º, do CP).

    Suspensão da execução da pena de prisão, esta acompanhada de regime de prova, assente num plano individual de readaptação social, executado com vigilância e apoio durante o tempo de duração da suspensão da execução, dos serviços de reinserção social.

    1. Condenar o arguido a pagar à assistente B...

      a quantia de €1250,00.

    2. No que concerne às custas criminais, uma vez que o arguido foi condenado, suportará o mesmo as custas processuais, que comportam taxa de justiça e encargos (cfr. artigos 513.º, n.º 1 e 514.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Penal), fixando-se aquela em 2 (duas) UC´s, tendo em conta a atividade processual desencadeada (artigo 8.º, n.º 9 e tabela III, do Regulamento das Custas e artigo 8.º, da Lei n.º 7/2012, de 13 de Fevereiro).

      * Após trânsito: - remeta boletim à Direção dos Serviços de Identificação Civil; - cumpra as Divulgações n.ºs 80/2012 e 133/2012, ambas do Conselho Superior da Magistratura (cfr. ainda artigo 37.º, da Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro); - Comunique ainda à D.G.R.S.

      * Remetam-se boletins ao registo criminal.

      ” **** B) Inconformado com a decisão recorrida, dela recorreu, em 15/1/2015, o arguido, pedindo a sua revogação e substituição por outra que o absolva, extraindo da motivação as seguintes conclusões: 1. Os pontos 4, 5, 6, 7 (parte final), 8, 9, 10, 11, 13, 14, 15, 16, 17, (primeira parte), 18, 19, 20, 21 e 22, dos factos considerados provados na Mui Douta Sentença posta em causa, foram apenas afirmados em audiência de julgamento pela pretensa vítima, a ofendida, sem, no entanto, terem sido referidos, muito menos confirmados, por qualquer outra testemunha apresentada pela Acusação.

      A própria fundamentação da matéria de facto considerada como provada apresentada na Sentença recorrida não apresenta quaisquer referências a estes factos.

      Assim, considera-se que existe uma manifesta insuficiência de prova para dar como provados estes factos contidos nos pontos 4, 5, 6, 7 (parte final), 8, 9, 10, 11, 13, 14, 15, 16, 17, (primeira parte), 18, 19, 20, 21 e 22, da matéria de facto considerada provada, pelo que deve o arguido não ser condenado pelos mesmos.

    3. A única prova “directa” que nos é apresentada na motivação para estes factos são as declarações da ofendida e do arguido, sendo que são contraditórias, a do arguido não convenceu o tribunal e a da ofendida convenceu, ora se ambas têm o peso do interesse próprio na causa qual o porquê da diferenciação, e ainda que exista não está devidamente fundamentado.

    4. A única imagem que nos surge ao ouvir declarações de pessoas com interesse directo na causa é a de falta de isenção natural no que se diz, mas é tanto a do arguido como a da ofendida.

    5. E, quando muito, poderíamos ficar com dúvidas e o princípio, neste caso, não é o da condenação.

    6. Na motivação/fundamentação da prova produzida está expresso que “…a assistente tenha sido a única a confirmar os factos que se deram como provados…”.

    7. Sendo que o simples facto de ser assistente já se nos afigura uma pessoa com interesse directo na causa o que nos leva, no mínimo, a duvidar das suas palavras.

    8. Assim, de toda a prova resulta que não ficou claro que o arguido tenha efectuado os factos dados como provados na sentença.

    9. Mesmo, e por mero caso académico, se se considerar o crime provado, afigura-se-nos que a pena é demasiado elevada, se tivermos em consideração o facto de o registo criminal do arguido nada conter e não haver agravantes que se nos afigurem de relevo.

    10. Por último, a condenação do arguido ao pagamento de 1250 euros à pretensa vítima parece-nos, antes de mais, que não está devidamente fundamentada.

    11. Pois em sítio nenhum a assistente fez prova dos danos que teve.

    12. Nunca foi ao médico após as pretensas agressões o que por si só pressupõe a inexistência de dores.

    13. Não são referidas na douta sentença quais as particulares exigências de protecção da vítima que dão base a esta reparação.

    14. Mesmo que se admitisse a condenação, seria sempre um valor exagerado considerando as condições sócio-económicas do arguido.

  2. O recurso foi, a 20/1/2015, admitido.

    **** C) O Ministério Público junto da 1ª instância respondeu, a 16/2/2015, ao recurso, defendendo a sua improcedência, apresentando as seguintes conclusões: 1. A prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento é suficientemente elucidativa da prática dos factos pelos quais o arguido vinha acusado e pelos quais foi condenado.

    1. Com efeito, essa prova produzida, apreciada, ponderada e valorada pelo Tribunal a quo segundo os cânones legais, suporta objectivamente os factos dados como assentes na sentença recorrida e empresta, a todo o processo decisório da formação da convicção do julgador, foros de justeza, correcção e comportabilidade juridicamente atendíveis.

    2. A sentença recorrida encontra-se devidamente fundamentada, quer de facto quer de direito, e não é possuidora de qualquer vício que inquine a sua validade quer formal quer substancial.

  3. A assistente respondeu, a 18/2/2015, ao recurso, defendendo a sua improcedência, apresentando as seguintes conclusões: 1. São de improceder todas as conclusões do recorrente.

    1. A Douta Sentença recorrida encontra-se devidamente fundamentada e constitui um bom exemplo de total acerto jurídico.

    2. Mantendo a decisão recorrida, farão Vossas Excelências JUSTIÇA.

      **** E) Nesta Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, a 6/3/2015, emitiu douto parecer em que defendeu a improcedência total do recurso.

      Foi cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do CPP, não tendo sido exercido o direito de resposta.

      Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos, teve lugar a legal conferência, cumprindo apreciar e decidir.

      **** II – Decisão Recorrida: “I – RELATÓRIO Nos presentes autos de processo comum, com intervenção do tribunal singular, o Ministério Público acusa: A... , solteiro, desempregado, nascido a 15-08-1986, filho de (...) e (...) , natural de (...) , Gouveia, com o CC n.º (...) , residente na (...) , Gouveia; Pela indiciada prática, em autoria material, na forma consumada, de um crime de violência doméstica agravado, previsto e punido pelo Art. 152.º n.º 1, al. b) e c) e n.º 2 do Código Penal.

    3. O arguido não apresentou contestação, nem apresentou prova.

    4. Após o despacho que designou data para julgamento não ocorreu qualquer nulidade.

    5. Procedeu-se a julgamento, em estrito cumprimento do formalismo legal.

      * Mantendo-se válidos os pressupostos, nada obsta à decisão do mérito da causa.

      * II – DA AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO RESULTARAM PROVADOS OS SEGUINTES FACTOS: 1. O arguido entre Setembro de 2009 e 23 de Fevereiro de 2013 viveu com B... como se de um verdadeiro casal com celebração de um contrato de casamento se tratasse, vivendo na mesma casa, fazendo as refeições juntos, mantendo uma economia de vida em comum e mantendo entre si, relações sexuais.

    6. Na sequência destas, nasceu no dia 24 de Outubro de 2010, o filho de ambos, C...

      .

    7. Durante 8 meses do início da vida em comum, viveram na casa de uma irmã do arguido e do então marido desta, D..., sita em (...), nesta comarca, tendo só mais tarde passado a residir no (...), Lamego, o que aconteceu até à ruptura da vida em comum.

    8. Tendo o período inicial da coabitação decorrido com tranquilidade, após o nascimento do filho C... , começou a haver constantes discussões entre ambos, essencialmente relacionadas com o veículo automóvel dele, com a família dele, as suas saídas nocturnas para casas de diversão, e as despesas aí efectuadas com dinheiro que fez muita falta à vida corrente do agregado familiar do arguido.

    9. Muitas vezes, na frente de terceiros, o arguido dirigiu-se à ofendida de forma grosseira, arrogante e agressiva, revelando completa falta de respeito por ela e humilhando-a.

    10. Quer no decurso das discussões, quer por vezes sem razão aparente, o arguido insultou a sua companheira, chamando-a de “puta”, “cabra”, dizendo-lhe, frequentemente que “não sabia fazer nada”.

    11. Como o arguido não era titular de carta ou licença de condução de veículos automóveis, era a ofendida que conduzia o veículo do mesmo, implicando ele, a todo o tempo, com a condução que ela efectuava, não se coibindo, principalmente quando se aproximavam de semáforos ou estavam prestes a chegar a casa, de lhe puxar os cabelos, bater com a cabeça dela no vidro, e mesmo empurrar-lhe a cabeça na direcção da manete de velocidades, onde a mesma chegou a bater com a cara, designadamente um dos olhos, colocando-os a ambos em risco de sofrer um acidente.

    12. Também, praticamente todas as semanas, na residência de ambos, a agrediu com pontapés, bofetadas, puxões de cabelos, murros na cabeça, apertou-lhe e torceu-lhe os braços, forçando-a a cair no chão e, por vezes ainda lhe fincou com força os dedos nos pulsos, deixando-a cheia de dores.

    13. Em data não determinada, durante a vivência em comum, o arguido, depois de falar ao telefone com a sua mãe, pretendeu que também a companheira falasse com ela e, perante a recusa desta em falar com a dita senhora, desferiu-lhe logo uma bofetada.

    14. Igualmente, em data indeterminada desse período, na sequência de pontapés que lhe desferiu nas pernas, deixou-a a mancar, o que foi observado no dia seguinte no local de trabalho dela pelos seus colegas.

    15. Também em data que não...

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