Acórdão nº 14/14.3T8PMS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 18 de Novembro de 2015

Magistrado ResponsávelORLANDO GON
Data da Resolução18 de Novembro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em Conferência, na 4.ª Secção, Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra.

Relatório Por decisão do Ministério da Administração Interna - da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária - proferida no âmbito do processo de contra-ordenação n.º 284797332, o arguido A...

, residente na Rua (...) Castanheira, Coz, foi condenado pela prática de uma contra-ordenação prevista e punida pelos artigos 150.º, n.ºs 1 e 2, 135.º, n.º 3, al. b), 138.º e 145.º, n.º 2, todos do Código da Estrada, na coima de € 750,00 (setecentos e cinquenta euros) e na sanção acessória de proibição de conduzir pelo período de 30 (trinta) dias.

Inconformado com a decisão administrativa veio o arguido A... interpor recurso de impugnação judicial, nos termos do art.59.º e seguintes do DL 433/82, de 27.10.

Admitido o recurso de impugnação e realizada a audiência de julgamento, a Ex.ma Juíza da Comarca de Leiria, Instância Local de Porto de Mós, Secção Criminal, J1, por sentença proferida a decidiu julgar improcedente o recurso apresentado pelo arguido A... e, consequentemente manter a decisão da autoridade administrativa que lhe aplicou, pela prática de uma contra-ordenação p. e p. pelos artigos 150.º, n.ºs 1 e 2, 135.º, n.º 3, al. b), 138.º e 145.º, n.º 2, todos do Código da Estrada, a coima de € 750,00 (setecentos e cinquenta euros) e a sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 30 (trinta) dias.

Não se conformando também com a douta decisão judicial de 9 de Dezembro de 2014, dela interpôs recurso o A... , concluindo a sua motivação do modo seguinte: 1.º - O Arguido A... , foi condenado pela prática de contra-ordenação p. p. pelos artigos 150.º, n.º 1 e 2, 135.º, n. 3, al. b), 138.º e 145.º, n.º 2, todos do Código da Estrada, na coima de € 750,00 (Setecentos e Cinquenta Euros), e ainda na sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 30 (trinta dias) dias.

  1. - Questão a apreciar: É a de saber, in casu, se existe ou não nulidade por violação do prazo previsto no artigo 62.º. n.º 1, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27/10 (RGCC).

  2. - O Arguido remeteu à Autoridade Administrativa o respectivo recurso de impugnação da Decisão por esta proferida, tempestivamente, em 05.02.2014, 4.º - A autoridade Administrativa pronunciou-se, em 08.08.2014. cerca de 6 (seis) meses depois, pela inexistência dos motivos para revogar a decisão, mantendo-a (cfr. fls. 29), tendo os autos sido remetidos ao Ministério Público em 03.09.2014. cerca de 1 (um) mês depois do despacho de manutenção da decisão, neles dando entrada em 05.09.2014 (cfr. fls. 2).

  3. - Em sede de audiência de julgamento, alegou o Arguido que Autoridade Administrativa ao não ter cumprido o prazo de 5 dias previsto no artigo 62.º, n.º 1, do RGCC, entre o recebimento do recurso e a remessa do mesmo ao Ministério Público, incorreu em violação do preceito em referência, constituindo esta uma nulidade insanável.

  4. - Determina o art. 62.º do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas: “Recebido o recurso e no prazo de cinco dias, deve a autoridade administrativa enviar os autos ao Ministério Público, que os tornará presentes ao juiz, valendo este acto como acusação”. - negrito e sublinhado nosso.

  5. - O RGCC não refere, todavia, qual a sanção ou consequência da inobservância desse prazo de cinco dias para o envio do processo ao Ministério Público, não devendo por isso considerar-se tal inobservância isenta de consequências, pois aquando da interpretação da Lei deverá sempre atender-se à intenção do legislador, que quando legisla não estabeleceria prazos se a sua observância ou inobservância fosse indiferente e inconsequente.

  6. - Assim, excedido tal prazo, sempre se deverá entender verificada a existência de uma nulidade insanável, a qual deve ser oficiosamente declarada, por aplicação do disposto nos artigos 119.º, al. b), 122.º, n.º 1, e 48.º, todos do Código Processo Penal, aplicável ex vi do artigo 41.º do RGCC. (neste sentido, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 14.01.2004, in www.dgsi.pt) 9.º - Dispõe o artigo 62.º do RGCO: “De que recebido o recurso, e no prazo de cinco dias, deve a autoridade administrativa enviar os autos ao Ministério Público que os tornará presentes ao juiz, valendo este acto como acusação. Até ao envio dos autos, pode a autoridade administrativa revogar a decisão de aplicação da coima”. - negrito e sublinhado nosso.

  7. - O processo contra-ordenacional assume a natureza de procedimento administrativo até à sua fase judicial, sendo de admitir, em todos os casos não expressamente previstos e em que a lei a tal não se oponha, o recurso às normas e princípios do Código de Procedimento Administrativo.

  8. - O Tribunal Constitucional, por Acórdãos de 29/02/2003 e 4/02/2003, publicados no DR, II Série, de 16 de Abril e 23 de Maio de 2003, veio afirmar que o processo contra-ordenacional assume estruturalmente uma especial natureza mista, com uma clara feição de procedimento administrativo até à fase judicial, sendo que, em todas as circunstâncias não expressamente previstas (e não havendo disposição normativa que a tal se oponha), se terá de admitir o recurso à disciplina e princípios que genericamente regem esse tipo de procedimento.

  9. - Um dos princípios que deverá reger o procedimento administrativo é o princípio da legalidade.

  10. - Determina a Constituição que a Administração prossegue um interesse público “no respeito pelos direitos e interesse legalmente protegidos dos cidadãos” - art.266.º CRP, como corolário do disposto no art.3.º, que determina que o Estado se subordina à lei fundamental e se funda na legalidade democrática. Daí a subordinação da Administração não só à Constituição como à Lei.

  11. - Esse princípio foi vertido no art.43.º do RGCO, “O processo das contra-ordenações obedecerá ao princípio da legalidade”, constituindo a trave mestra onde deve assentar a actuação das autoridades administrativas ao longo de todo o processo.

  12. - Por tudo isso, não podemos considerar, de que, na Administração, vigora o princípio de que o que não é proibido é permitido. Como salienta Diogo Freitas do Amaral, in Direito Administrativo, vol. II, ed. 1998, pág. 46, “a lei não é apenas um limite à actuação da Administração, é também o fundamento da acção administrativa”.

  13. - Quer isto dizer que hoje em dia não há um poder livre de a Administração fazer o que bem entender, salvo quando a lei lhe proibir: pelo contrário, vigora a regra de que a Administração só pode fazer aquilo que a lei lhe permitir que faça.

  14. - Por outras palavras, a regra geral, em matéria de actividade administrativa, não é o princípio da liberdade, é o princípio da competência.

  15. - Segundo o princípio da liberdade, pode-se fazer tudo aquilo que a lei não proíbe; 19.º - Segundo o princípio da competência, pode-se fazer apenas aquilo que a lei permite.

  16. - Tudo quanto se disse permite atingir aquilo que nos parece a mais correcta interpretação do art.62.º do RGCO, e ela é a de que, recebido a impugnação judicial, a autoridade administrativa só pode tomar uma de duas atitudes: ou envia os autos ao Ministério Público, para os efeitos previsto no n.º 1; ou revoga a decisão de aplicação da coima.

  17. - Se o legislador, nesse art.62.º quisesse conceder à autoridade administrativa o poder de proferir nova decisão, ou enviar os autos para o Ministério Público quando assim entendesse, certamente os termos utilizados seriam outros e não teria sido estabelecido qualquer prazo.

  18. - Aliás, aceitar a solução contrária seria abrir caminho a que, sempre que a autoridade administrativa, analisando a impugnação apresentada, entendesse que algo haveria que alterar ou completar, poderia proferir nova decisão, sem qualquer limite quanto ao seu número, para além de que, poderia também entender que lhe era vantajoso, por qualquer razão, apenas remeter os autos para o Ministério Público quando assim entendesse, mas sempre antes da verificação do prazo prescricional, o que convenhamos, é repudiado pelo mais elementar bom senso.

  19. - A consequência da não remessa dos autos no prazo de 5 dias (previsto no n.º 1 do citado art.62.º) após o recebimento do primitivo recurso é a nulidade insanável, qual deve ser oficiosamente declarada.

  20. - Dispõe o art.122.º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal, aplicável ex vi do art. 41.º do RGCO, que “as nulidades tornam inválido o acto em que se verificarem bem como os que dele dependerem e aquelas que puderem afectar”.

  21. - Ora, no caso concreto, nulo é todo o processado posterior à verificação da nulidade insanável, data em que os autos deveriam ter sido remetidos ao Ministério Público e em que se verificou a omissão que originou a nulidade.

  22. - Com isto, fica bem claro que posição adoptada na sentença em crise, não poderá ser acolhida, pois o que está em causa não é se a nulidade se verifica após a recepção da acusação pelo Ministério Público, mas sim antes, considerando que a violação do referido prazo faz precludir o direito de a Entidade Administrativa enviar os autos para o Ministério Público, o que equivale a acusação.

  23. - Não podendo também considerar-se o referido prazo, por analogia, semelhante ao prazo de duração do inquérito, considerando-o um prazo meramente ordenador.

  24. - A interpretar-se analogicamente este prazo, sempre se teria que considerar este semelhante ao estabelecido para a participação de crime ao Ministério Público - o que , como bem sabemos, a sua inobservância, faz precludir o direito de participação criminal.

Termos em que, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença recorrida...

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