Acórdão nº 768/12.1TAVIS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 18 de Março de 2015

Magistrado ResponsávelMARIA PILAR DE OLIVEIRA
Data da Resolução18 de Março de 2015
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra: I. Relatório No processo de instrução 768/12.1TAVIS.C1 da Comarca de Viseu, Instância Central de Instrução Criminal foi proferida, em 6 de Maio de 2014, a seguinte decisão instrutória: Declaro encerrada a Instrução.

Mantém-se a competência do tribunal, a legitimidade dos sujeitos processuais, inexistindo quaisquer nulidades ou questões prévias que obstem ao conhecimento da causa.

* No âmbito dos presentes autos, no termo do inquérito, e por ter entendido não se colherem indícios suficientes da prática pelos arguidos A... , B... e C... dos crimes da prática do crime de abuso de confiança que lhes vinha imputado pela assistente na queixa apresentada nos autos, foi proferido pelo Ministério Público, no termo do inquérito, despacho de arquivamento dos autos, nos termos e com os fundamento de fls. 132 e ss., que se dão por integralmente reproduzidos.

Inconformada com o arquivamento dos autos, veio a assistente D... , requerer a abertura de instrução, pugnando pela prolação de despacho de pronúncia dos arguido pela prática de um crime de abuso de confiança, previsto e punido nos termos do artigo 205º do Código Penal, nos termos constantes do requerimento de abertura de instrução de fls. 96 e ss..

No âmbito do processo n.º 617/12.0TAVIS (apenso aos presentes autos), foi, no termo do inquérito proferido despacho de arquivamento pelo Ministério Público relativamente à queixa apresentada pela assistente A... contra as arguidas D... e E... , por se considerar não resultarem indícios suficientes da prática, pelas arguidas, do crime imputado.

Inconformada com o despacho de arquivamento dos autos, veio a assistente, a fls. 201 e ss. dos autos, requerer a abertura de instrução, nos termos e com os fundamentos constantes do RAI, pugnando pela prolação de despacho de pronúncia das arguidas D... e E... pela prática, em co-autoria, de um crime de falsificação de documento, previsto e punido pelo artigo 256º do código Penal e de um crime de falsas declarações, previsto e punido nos termos do artigo 360º do código Penal e 97º do Código do Notariado, nos termos e com os fundamentos constantes do RAI, que se dão por integralmente reproduzidos.

Foi declarada aberta a instrução.

Procedeu-se à inquirição da testemunha G....

Procedeu-se à realização de debate instrutório.

* A instrução destina-se, tal como o estabelece o artigo 286º do Código de Processo Penal, à comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento.

O artigo 308º do Código de Processo Penal estabelece, no seu n.º 1 que, se até ao encerramento de instrução tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, o juiz, por despacho, pronuncia o arguido pelos factos respectivos; caso contrário, profere despacho de não pronúncia.

Consideram-se suficientes os indícios, nos termos do disposto no artigo 283º, n.º 2 do Código de Processo Penal, sempre que deles resultar uma probabilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança.

Quanto a este conceito, escreve Figueiredo Dias que, os indícios só serão suficientes e a prova bastante quando, já em face dela, seja de considerar altamente provável a futura condenação do acusado, ou quando esta seja mais provável que a absolvição, acrescentando este autor que, logo se compreende que a falta delas, “provas”, não possa de modo algum desfavorecer a posição do arguido: um “non liquet” na questão da prova tem que ser sempre valorada em função do arguido.

Assim, deve o juiz proferir despacho de pronúncia do arguido quando os elementos de prova, relacionados e conjugados entre si, fizerem pressentir da culpabilidade do agente e produzirem a convicção pessoal de condenação posterior e seja de concluir, com uma probabilidade razoável, que tais elementos se manterão em julgamento, ou quando se pressinta que da ampla discussão em plena audiência de julgamento, para além dos elementos disponíveis, outros advirão no sentido da condenação.

* Pugna a assistente A... pela prolação de despacho de pronúncia dos arguidos pela prática de um crime de abuso de confiança, previsto e punido pelo artigo 205º do Código Penal.

De acordo com o disposto no artigo 205º n.º 1 do Código Penal, quem, ilegitimamente, se apropriar de coisa móvel que lhe foi entregue por título não translativo de propriedade, é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa.

São elementos típicos deste tipo de crime a apropriação ilegítima, de uma coisa móvel, entregue ao agente por título não translativo de propriedade.

Apropriar-se é fazer sua coisa alheia.

Na apropriação ilegítima, esta sucede à posse ou detenção legítimas, pois que, tal posse ou detenção têm origem numa entrega válida ao agente da coisa, passando este a detê-la de forma lícita a título precário ou temporário.

Como referem Leal Henriques e Simas Santos in Código Penal Anotado, II vol., pág. 686, de início, o agente recebe validamente a coisa, passando a possuí-la ou detê-la licitamente, a título precário ou temporário, só que posteriormente vem a alterar, arbitrariamente, o título de posse ou detenção, passando a dispor da coisa ut dominus. Deixa então de possuir em nome alheio e faz entrar a coisa no seu património ou dispõe dela como se fosse sua, ou seja, com o propósito de não a restituir[1], ou de não lhe dar o destino a que estava ligada, ou sabendo que não mais o poderia fazer.

A entrega será aquela que, não implicando transferência da propriedade, não justifique a apropriação, sendo entregue com a constituição de uma obrigação de afectação a um uso ou fim determinado, ou com a constituição de obrigação de restituição.

A entrega terá que ser, assim, válida, ou seja, decorrente de razão justificada, terá que decorrer de acto do seu proprietário, de detentor legítimo ou de terceiro obrigado à entrega, com a obrigação de a restituir.

A consumação do crime dá-se com a apropriação, isto é, com a inversão do título da posse, situação que ocorre quando, estando a coisa em causa na posse ou na detenção do agente por modo legítimo, embora a título não translativo de propriedade, ele se apropria do mesmo actuando como seu dono[2], ou seja, quando o agente passa de possuidor legítimo em nome alheio a possuidor ilegítimo em nome próprio.

A apropriação tem que ser traduzida por actos objectivos reveladores de que o agente já está a dispor da coisa como sua, designadamente pela não entrega injustificada da coisa, quando solicitada tal entrega.

Alega a assistente D... que, no dia 18 de Fevereiro de 2012 faleceu K..., no estado de casado em primeiras e únicas núpcias com a arguida A... , tendo o K... falecido sem deixar testamento e não fez qualquer doação em vida, tendo-lhe sucedido como herdeiros A... , B... , D... , E... , F... e B... , permanecendo a herança deixada por óbito de K... ilíquida e indivisa; que à data da morte de K... existiam na Caixa Geral de Depósitos as contas bancárias com os números 0035 0930073962220, 0742006038820, 0930073962500 e 0742006038000, nas quais se encontrava depositada a quantia total de € 93.326,00; que no dia 22 de Fevereiro de 2012, a arguida A... , acompanhada pelo arguidos B... e C... , dirigiu-se à agência de Viseu da Caixa Geral de Depósitos e transferiu todo o dinheiro existente nas referidas contas para uma conta que abriu em seu nome com o número 930152372300, tendo, nessa mesa data, efectuado nova transferência para uma outra conta no valor de 90.000,00€; que no dia 28 de Março de 2012, foi levantada a quantia de € 2.800,00 da nova conta, ficando esta apenas com € 536,00; no dia 28 de Março de 2012, foi reposta na conta n.º 930152372300 a quantia de € 67.500,00 e no imediato foi levantada a quantia de € 10.000,00, seguindo-se mais levantamentos no montante de € 5.000,00, no dia 2 de Abril, de € 10.000,00 no dia 3 de Abril, de € 5.000,00 no dia 4 de Abril, de € 10,000,00 no dia 5 de Abril e de € 10.000,00 no dia 9 de Abril de 2012, no total de € 50.000,00, alegando que tais levantamentos foram feitos em parcelas inferiores a € 10.000,00 para não serem justificados.

Mais refere a assistente que em 8 de Maio de 2012, a arguida A... apenas tinha nas suas contas as quantias de € 18.039,00 à ordem e € 22.50,00 a prazo, não lhe sendo conhecidas outras contas bancárias, havendo suspeitas de que o dinheiro em falta tivesse ficado na posse de B... e C... , sem que fosse sua intenção entrega-lo à herança.

No termo do inquérito concluiu o ministério Público pela falta de indiciação dos elementos típicos do crime imputado aos arguidos pela assistente D... , considerando que, da conjugação de todos os elementos de prova que constam dos autos não resulta que os arguidos, designadamente A... tenham agido com intenção de se apropriar das quantias monetárias depositadas nas aludidas contas bancárias, até porque, na prática, pertencia à arguida A... , na medida em que esta era co-titular das contas bancárias, pelo que falece um dos elementos do tipo de crime em apreciação.

Da prova colhida nos autos em sede de inquérito, não resulta, ao contrário do alegado pela assistente D... do RAI, a manifesta e inquestionável intenção dos arguidos em se apropriarem do dinheiro pertencente à herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de K... , pois que os depoimentos que referem que não era intenção dos arguidos restituírem tais quantias resultam da queixosa, da sua irmã E... e dos maridos destas, sendo que os arguidos negaram tal intenção.

A falta de intenção, por banda da arguida A... , em se apropriar de tais quantias, resulta indiciada, desde logo em face do requerimento por esta apresentado, que deu origem ao processo de inventário n.º 1569/12.2TBVIS, a correr termos do 3º Juízo Cível deste Tribunal, no qual figura a arguida A... como cabeça de casal, cargo...

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