Acórdão nº 60/16.2GCSCD.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 08 de Novembro de 2017
Magistrado Responsável | VASQUES OS |
Data da Resolução | 08 de Novembro de 2017 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam, em conferência, na 4ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra I. RELATÓRIO No Tribunal Judicial da Comarca de Viseu – Juízo de Competência Genérica de santa Comba Dão – Juiz 1, o Ministério Público requereu o julgamento, em processo comum, com intervenção do tribunal singular, do arguido A...
, com os demais sinais nos autos, imputando-lhe a prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelos arts. 3º, nº 2, g) e 86º, nº 1, d) da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro.
Por sentença de 27 de Março de 2017 foi o arguido condenado, pela prática do imputado crime, na pena de cento e sessenta dias de multa à taxa diária de € 7, perfazendo a multa global de € 1.120. * Inconformado com a decisão, recorreu o arguido, formulando no termo da motivação as seguintes conclusões: 1º Pela Douta Sentença ora recorrida o arguido foi condenado pela prática de um crime de detenção de arma proibida previsto e punido pelo artº 86 nº 1 al. d) da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, por referencia ao artº 3° n.º 2 alínea g), na pena de 160 dias de multa, à taxa diária de 7 €, o que perfaz a multa global de 1.120,00 €.
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O arguido confessou todos os factos constantes da Douta Acusação Pública, à excepção do Ponto 4 da mesma, onde se refere que o arguido conhecia as caraterísticas de tal instrumento e sabia que lhe estava vedada por lei penal a sua detenção, tendo agido de forma livre, voluntária e consciente.
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Isto é, o arguido confessou que detinha no interior do seu veículo automóvel um "pau de madeira", de construção artesanal, por si fabricado, com as dimensões e características descritas na acusação.
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Destinado, não a agressão mas à sua defesa.
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Uma vez que o arguido foi alvo de um assalto à sua residência no passado mês de Setembro de 2015.
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E desde essa data, que vem sendo ameaçando pelo assaltante, afirmando este perante todos " … que o mata …" e " … que sabe onde os seus filhos andam na escola …" 7º Ora tais ameaças constantes e reiteradas levou a que o arguido construísse tal objeto artesanal para sua defesa e da sua família.
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Longe de imaginar que tal objecto artesanal pudesse configurar a prática de crime.
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Erro sobre a ilicitude que o arguido vincou por diversas vezes quer perante as perguntas do Sr. Procurador quer da Sr.ª Juiz.
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Da análise da vertente subjetiva do tipo, traduzida no dolo ou negligência do agente resulta o preenchimento dos elementos do tipo objectivo? 11º Isto é, terá o arguido, conhecido ou representado correctamente os factos da acusação e consciência plena das circunstâncias de facto e do seu preenchimento ou adequação ao tipo ilícito objetivo? 12º A resposta terá de ser negativa.
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A conduta do agente enquadra-se no n.º 1 do art.º 17 do Código Penal, excluindo assim o dolo, em virtude da ausência de culpa do agente.
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Pois esta representação factual por parte do arguido, como este referiu desde a primeira hora, carece de consciência da ilicitude da sua conduta.
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Devendo, pois, ser totalmente absolvido do crime de que vem acusado.
TERMOS EM QUE com o douto suprimento de Vossas Ex.as deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente, devendo ser proferida decisão que revogue a Douta Sentença recorrida e decidir-se pela absolvição do arguido da prática do crime de detenção de arma proibida em que foi condenado, com o que será feita JUSTIÇA! * Respondeu ao recurso o Digno Magistrado do Ministério Público, alegando que no decurso da audiência o arguido evitou qualificar o objecto que construiu como «bastão», referindo-se ao mesmo como «pau» o que revela que reconhece desvalor ético-jurídico na construção e detenção de um instrumento de defesa/agressão, pelo que esteve sempre ciente do dever de dele se desfazer, o que afasta a existência de erro sobre a ilicitude, e concluiu pela improcedência do recurso.
* Na vista a que se refere o art. 416º, nº 1 do C. Processo Penal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, afirmando a inexistência de nulidades da sentença, a inexistência de vícios decisórios, a correcta valoração probatória feita na sentença, a plena observância do pro reo, acompanhando a resposta do Ministério Público quanto às demais questões suscitadas e concluiu pela improcedência do recurso.
Foi cumprido o art. 417º, nº 2 do C. Processo Penal.
* Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.
* II. FUNDAMENTAÇÃO Dispõe o art. 412º, nº 1 do C. Processo Penal que, a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido. As conclusões constituem pois, o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso.
Assim, atentas as conclusões formuladas pelo recorrente, a questão a decidir, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, é a de saber se o arguido e ora recorrente actuou, em erro sobre a ilicitude e, em caso afirmativo, suas consequências.
* Para a resolução destas questões, importa ter presente o que de relevante consta da sentença recorrida. Assim: A) Nela foram considerados provados os seguintes factos: “ (…).
1. No dia 24 de Março de 2016, pelas 22 horas, na EN 234, em Carregal do Sal, junto da sociedade comercial C..., o arguido detinha, na porta do condutor do veículo automóvel com a matrícula (...) , um bastão em madeira, de construção artesanal e por si fabricado, com o comprimento de 43 centímetros e o diâmetro de 3 centímetros e ostentando, numa das extremidades, uma cobertura em borracha, com 17 centímetros e um cordão em forma de argola destinada a envolver o pulso.
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Tal veículo é habitualmente utilizado pelo arguido, sendo que, nas circunstâncias aludidas em 1., o veículo era utilizado por B... , filho do arguido.
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O arguido construiu e detinha tal bastão para o utilizar como instrumento de defesa/agressão.
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O arguido conhecia as características de tal instrumento e sabia que a sua detenção lhe estava vedada por lei penal.
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Agiu, em tudo, livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era punida e proibida por lei.
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O arguido é electromecânico, trabalha por conta própria e aufere mensalmente, em média, 800 € a 1000 €.
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O arguido é casado, tem dois filhos, com 15 e 19 anos de idade, ambos a estudar.
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Reside, em casa arrendada, pagando 225 € de renda, com os seus filhos e a sua esposa, que explora um restaurante, no (...) , há cerca de três meses.
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Tem o 9.º ano de escolaridade.
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