Acórdão nº 214/14.6TAPBL.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 07 de Junho de 2017

Magistrado ResponsávelMARIA JOS
Data da Resolução07 de Junho de 2017
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam em conferência os juízes na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra I. Relatório 1. No âmbito do processo comum singular n.º 214/14.6TAPBL da Comarca de Leiria, Pombal – Inst. Local – Secção Criminal – J2, mediante acusação pública, foram os arguidos A...

e B...

, ambos melhor identificados nos autos, submetidos a julgamento, sendo-lhes, então, imputada: ao primeiro a prática, em coautoria material, sob a forma consumada, de um crime de favorecimento de credores agravado, p. e p. pelos artigos 229º, nº 1 e 229º - A em concurso real com um crime de abuso de confiança, p. e p. pelo artigo 205º, nº 5, ex. vi do n.º 1 do mesmo artigo, todos do C. Penal; à segunda a prática, em coautoria material, sob a forma consumada, de um crime de favorecimento de credores agravado, p. e p. pelos artigos 229º, nº 1 e 229º - A em concurso real com um crime de abuso de confiança, p. e p. pelos artigos 205º, nº 5, ex. vi do n.º 1 do mesmo artigo e 28º, todos do C. Penal.

  1. Realizada a audiência de discussão e julgamento por sentença de 20.05.2016 o tribunal decidiu [transcrição do dispositivo]: Nestes termos o Tribunal decide: 1.

    Absolver os arguidos B... e A...

    , da prática do crime de abuso de confiança, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 205º, nº 1 e 5, do Código Penal, de que se encontravam acusados, e por falta de legitimidade do Ministério Público em promover a ação penal, relativamente ao n.º 1 do artigo 205º do Código Penal.

  2. Condenar a arguida B...

    , pela prática de um crime de favorecimento de credores, previsto e punido pelo artigo 229º, nº 1 e 229º-A ambos do Código Penal, na pena de 200 (duzentos) dias de multa, à taxa diária de € 6 (seis euros), o que perfaz o montante total de € 1200 (mil e duzentos euros); 3.

    Condenar o arguido A...

    , pela prática de um crime de favorecimento de credores, previsto e punido pelo artigo 229º, nº 1 e 229º - A ambos do Código Penal, na pena de 200 (duzentos) dias de multa, à taxa diária de € 6 (seis euros), o que perfaz o montante total de € 1200 (mil e duzentos euros); 4. Julgar os pedidos de indemnização civis deduzidos nos autos por C...

    , D...

    e E...

    , parcialmente procedentes, e em consequência, absolver os demandados civis/arguidos dos danos patrimoniais peticionados, por não provados e, condenar os arguidos/demandados civis B... e A...

    a pagar solidariamente aos demandantes civis, a título de danos não patrimoniais, a quantia de € 500,00 (quinhentos euros), a cada um, C... , D... e E... , acrescido de juros de mora, à taxa legal de 4%, contados desde o trânsito em julgado da presente decisão até efetivo e integral pagamento.

  3. Condenar os arguidos nas custas do processo, com taxa de justiça que se fixa em 3 UC`s, e demais encargos do processo.

  4. Condenar nas custas cíveis demandantes e demandados civis, na proporção do decaimento – artigo 446º do Código de Processo Civil.

  5. Inconformados com a decisão recorreram os arguidos, extraindo as seguintes conclusões: 1. Inconformados com a sentença proferida em 20.05.2016, vêm os Arguidos, ora Recorrentes, insurgir-se contra a mesma, no tocante à condenação de cada um dos Arguidos, pela prática do crime de favorecimento de credores, e à procedência (parcial) dos pedidos de indemnização civis, pugnando pela sua revogação e consequente substituição por decisão deste Colendo Tribunal em sentido inverso.

  6. Com efeito, tal decisão assenta numa factualidade diferente da realidade e daquela que resultou demonstrada pela prova produzida nos autos.

    1. RECURSO DA MATÉRIA DE FACTO A. MATÉRIA DE FACTO DADA COMO PROVADA 3. Face à prova documental e testemunhal produzida, nenhum dos factos supra transcritos (11, 12, 13, 14, 15 (parcialmente), 20, 21 (parcialmente), 23 (parcialmente), 24 (parcialmente), 25, 28 (parcialmente), 29 (parcialmente), 31, 32, 33, 34, 35, 36, 37 e 57) poderia ter sido dado como provado pela Mma. Juiz a quo.

  7. Fundamenta a Mma. Juiz a quo a sua convicção essencialmente no depoimento prestado pela Sra. Perita O....

  8. Ora, salvo o devido respeito, que é muito, a sentença recorrida destaca apenas uma parte ínfima do depoimento da Sra. Perita que, ouvido por completo, jamais poderia conduzir aos factos provados acima transcritos.

  9. Em primeiro lugar, a intervenção da Sra. Perita consistiu na realização de um relatório no âmbito do qual analisou a contabilidade da P..., Lda., até à declaração de insolvência.

  10. Em segundo lugar, ficou bem patente do depoimento da Sra. Perita, que Q..., mãe da Arguida, ficou registada na contabilidade da P... como credora, ainda num valor de €4.874,03; que a Arguida, B... , fez efetivamente suprimentos à empresa, estando registado na contabilidade, ainda após o dito «encontro de contas» um valor de €7.037,39; e que, relativamente ao Arguido, A... , também constava da contabilidade que era credor da empresa.

  11. Mais referiu a Sra. Perita que os valores objeto de dito acerto de contas «foram lançados em contrapartida dos créditos que o sócio teria a receber».

  12. Forçoso é concluir que as referidas vendas geraram, sim, fluxo financeiro a favor da sociedade, que teve uma diminuição drástica do seu passivo, no que toca aos créditos dos credores B... , Q... e A... .

  13. Isto porque, como consta das faturas juntas aos autos, todas as vendas foram feitas pelo valor real ou de mercado dos bens em causa, e nunca por um valor inferior ou meramente simbólico, valor esse que foi abatido nos créditos registados na contabilidade da empresa, a favor daqueles.

  14. Por fim, a Perita esclareceu cabalmente em Audiência que o ativo da P... , anterior à venda dos bens aqui em causa, já não seria suficiente para honrar os compromissos assumidos pela empresa e que, citando: «o imobilizado valia ZERO».

  15. Quanto às declarações do Arguido A... , ficou demonstrado à saciedade que os Arguidos não delinearam nenhum plano que visava obter o pagamento privilegiado dos mesmos, tal como não previram nem quiseram fazer seus os montantes em causa.

  16. A Arguida B... nunca foi gerente da referida sociedade, nunca atuou em nome da mesma, nem nunca a vinculou perante terceiros.

  17. Consequentemente, também não se encontra suporte probatório bastante para sustentar que a Arguida cedeu o veículo Saab ao seu filho G... e os veículos Nissan e Opel a seu filho H... .

  18. Em suma, não existem indícios suficientes de que a Arguida tenha planeado, participado e executado qualquer uma das vendas em causa.

  19. As ditas vendas foram realizadas pelo gerente da empresa, em nome da empresa, conforme o próprio reconheceu.

  20. O depoimento prestado pelo antigo trabalhador da P... , C... não foi devidamente atendido pelo Tribunal a quo.

  21. Com efeito, C... clarificou que o Arguido sempre foi um excelente «patrão» e que tinha acordado com aquele e com o antigo trabalhador E... , em julho de 2013 que, para desafogar a empresa sem precludir os direitos dos seus trabalhadores, iriam resolver seus contratos de trabalho com justa causa e que, logo que o Arguido encontrasse novamente trabalho, voltariam a trabalhar juntos.

  22. Ficou à vista de todos que estes dois trabalhadores apenas pretenderam usar o instituto da insolvência para não perder o acesso ao Fundo de Garantia Salarial.

  23. Atendendo, essencialmente, aos depoimentos de C... e E... , jamais se poderia ter dado como facto provado que os Arguidos quiseram pagar privilegiadamente os próprios e Q... , quando, em boa verdade, o primeiro e único acordo que existiu e foi comprovado pela prova testemunhal referida, foi entre o Arguido e dois dos seus trabalhadores, C... e E... .

  24. Ademais, foi expressamente referido pelo Arguido, em Audiência de Julgamento, que a venda da máquina Orladora, em 04.11.2013, foi feita com o objetivo de poder pagar os dois salários em atraso dos dois trabalhadores C... e E... .

  25. Contudo, o Arguido foi surpreendido, dias depois, em 20.11.2013, com uma carta de citação no processo de insolvência requerido por quem se dizia «amigo», e por quem tinha vendido a máquina referida.

  26. Quanto ao depósito do montante resultante da venda da Orladora (€3.690,00) em conta bancária de Q... , foi igualmente esclarecido pelo Arguido que tal se deveu ao facto de a P... ter contraído um empréstimo, a favor da Caixa de Crédito Agrícola de Pombal, que estava em incumprimento, 24. De modo que, caso o valor, destinado ao pagamento dos dois trabalhadores, fosse depositado em conta da P... , o mesmo teria sido imediatamente «sugado» pelo Banco, 25. O que é, aliás, confirmado pela relação de créditos reclamados e reconhecidos, realizada no âmbito da insolvência da empresa, e constante dos autos, na qual se encontra como credor da insolvência a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Pombal, com o crédito reconhecido no valor de €108.519,60, correspondente a 31% dos créditos da insolvência reconhecidos pelo Sr. Administrador da Insolvência.

  27. Na verdade, resultou patente das declarações do Arguido e da inquirição de C... e E... , que aquele tudo fez para que os ditos DOIS SALÁRIOS em atraso fossem cumpridos, privilegiando estes dois trabalhadores face à terceira trabalhadora, B... , que nada auferiu desde Junho de 2011 até Outubro de 2013.

  28. A sentença em crise incorreu num erro de princípio quando desconsidera duas notas essenciais para a descoberta da verdade material, que são as seguintes: i «O património que fora vendido pelos arguidos em data anterior à sua declaração de insolvência voltou por inteiro à massa da insolvência, pois o Administrado da Insolvência resolveu, em benefício da massa insolvente, todos os negócios imputados aos arguidos na acusação» ii «O pouco ativo existente foi objeto de liquidação e é insuficiente para pagar os referidos créditos laborais e outros reconhecidos».

  29. Nas palavras da Perita O... : «em termos patrimoniais, sendo as vendas revertidas, não teve qualquer impacto».

  30. O depoimento do Sr. Administrador da Insolvência – F... – foi notoriamente honesto, sincero e esclarecido e corroborado pela Perita O... , neste ponto essencial.

  31. ...

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