Acórdão nº 426/16.8PBCTB-A.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 21 de Junho de 2017

Magistrado ResponsávelVASQUES OS
Data da Resolução21 de Junho de 2017
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, na 4ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra I. RELATÓRIO No inquérito nº 426/16.8PBCTB, que corre termos na Comarca de Castelo Branco – Sertã – Procuradoria da Instância Local, em que é arguido, A..., com os demais sinais nos autos, e assistente, B..., a Digna Magistrada do Ministério Público proferiu em 19 de Dezembro de 2016, o seguinte despacho: “ (…).

I – Dos Elementos Probatórios Recolhidos Resulta Suficientemente Indiciado Que: 1. O arguido A... viveu como se de marido e mulher se tratasse com B... desde o ano de 1999.

  1. Habitaram, em conjunto, uma casa sita em Vale da Carreira, área desta Instância Local, propriedade da ofendida e dos seus familiares.

  2. Desde data não concretamente apurada que B... foi vítima de diversos maus tratos físicos e psicológicos levados a cabo pelo arguido.

  3. Por diversas vezes durante a vivência em comum o arguido bateu em B... e apelidava-a de "puta, vaca, porca, andas com os cavaleiros".

  4. O arguido sofreu, há cerca de três anos, um acidente de viação, tendo, em consequência do mesmo, ficado paraplégico, o que agravou as desconfianças para com a companheira, começando a intensificar as agressões quer físicas quer verbais.

  5. No dia 14 de Agosto de 2016, pelas 01h30, chegados a casa vindos de uma festa, em sequência de uma discussão entre o casal, o arguido dirigiu-se a B... e agrediu-a no seu corpo, com bofetadas e murros em todo o corpo, com o que lhe causou hematomas e naturais subjectivos dolorosos.

  6. Ao mesmo tempo que lhe dizia, de forma agressiva: "és uma puta, és uma merda, não vales nada, vão para o caralho, tu em mim não mandas, eu sou o dono disto", "és uma puta, uma vaca, tem os cavaleiros que queres": 8. Como consequência direta e necessária da conduta do arguido B... sofreu equimose de cor amarelada sobre a face externa do braço, seu terço médio, medindo 6x7 cm, com o que lhe determinou 8 dias para a cura sem afectação da capacidade de trabalho geral e sem afectação da capacidade de trabalho profissional.

  7. Em consequência do descrito B... recebeu tratamento hospitalar no Hospital Amato Lusitano e nos Hospitais da Universidade de Coimbra.

  8. Estes episódios de maus-tratos fragilizaram de sobremaneira a ofendida.

  9. A ofendida permaneceu em acolhimento de emergência no HAL até 26 de Agosto de 2016, tendo, posteriormente, sido acolhida por um amigo.

  10. B... apresenta sinais de dificuldades cognitivas e de instabilidade psicológica.

  11. Em tudo o arguido agiu livre, voluntaria e conscientemente com o intuito logrado de lesar a ofendida, sua companheira, na sua integridade física e na dignidade enquanto pessoa humana, atingindo-a física, emocional e psicologicamente através da mencionada conduta, bem sabendo que tais comportamentos são punidos por lei, e não se coibindo ainda assim de os praticar no interior da casa de morada de família.

  12. Sabia e quis lesar, com o que conseguiu, a dignidade pessoal e a saúde física da ofendida, explorando a sua debilidade física, não obstante ter perfeito conhecimento que a deveria tratar com respeito e consideração.

  13. Agiu o arguido de forma livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.

    Ao actuar do modo descrito cometeu o arguido em autoria material, em concurso real e efectivo e na forma consumada: um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152.º n.º 1 alínea a) e n.º 2 do Código Penal.

    - A convicção do Ministério Público foi formada com base no conjunto dos elementos probatórios constantes dos autos e valorados à luz das regras da experiência comum e da normalidade social, nomeadamente: - auto de notícia – fls. 3; - relatório pericial de avaliação do dano corporal em direi to penal – fls. 14 a 16; - elementos médicos e hospitalares – fls. 24 a 39; - informação social – fls. 43 a 45; - auto de inquirição de B... – fls. 107 e 121; - auto de inquirição de C.... – fls. 87; - auto de inquirição de D.... – fls. 101; - interrogatório do arguido – fls. 155; - CRC – fls. 166; - print da base de dados da suspensão provisória do processo.

    Os factos apurados em sede de inquérito indiciam a prática, pelo arguido, de um crime de violência doméstica p. e p. pelo art. 152.º, n.º 1 al. a) e n.º 2 do Código Penal punível com pena de prisão de dois a cinco anos.

    A ofendida manifestou desejo pela aplicação do instituto da suspensão provisória do processo.

    O arguido já manifestou concordância com o instituto da suspensão provisória do processo.

    O instituto da suspensão provisória do processo encontra-se previsto no art. 281.º do Código de Processo Penal e, no que ao caso em referência diz respeito, refere o n.º 6 do art. 281.º do Código de Processo Penal que "em processo por crime de violência doméstica não agravado pelo resultado, o Ministério Público, mediante requerimento livre e esclarecido da vítima, determina a suspensão provisória do processo, com a concordância do juiz de instrução e do arguido, desde que se verifiquem os pressupostos das alíneas b) e c)".

    Assim, no crime de violência doméstica, não agravado pelo resultado, são três os pressupostos para que ocorra a suspensão provisória do processo: - o requerimento livre e esclarecido da vítima; - a ausência de condenação anterior, por crime da mesma natureza; - a ausência de aplicação anterior da suspensão provisória do processo, por crime da mesma natureza.

    No caso sub judice, estamos perante um crime de violência doméstica, a que corresponde, em abstracto, uma punição com pena de prisão de dois a cinco anos, conforme se alcança do art, 152.º nº 1 al. a) com referência ao n.º 2 do Código Penal.

    O arguido A... não tem antecedentes criminais nem foi determinada anteriormente qualquer suspensão provisória do processo.

    A ofendida requereu de forma livre e esclarecida a suspensão provisória do processo. O arguido aceitou a suspensão provisória do processo com imposição de injunções.

    Há ainda que ponderar factores relativos à natureza do concreto ilícito praticado e à culpa do arguido, para que se possa fazer um juízo de que, previsivelmente, a suspensão provisória do processo será adequada e suficiente a garantir as finalidades de prevenção geral e especial subjacentes à intervenção do Direito Penal.

    Considerando as necessidades de prevenção especial e atendendo às circunstâncias em que o evento ocorreu, estando já o casal separado a que acresce o facto de o arguido ter assumido os factos, o que revela consciencialização do ilícito praticado, entendemos que a aplicação das injunções permitem restabelecer o sentimento de segurança e confiança da comunidade face ao que a norma violada é reafirmada.

    A imposição do cumprimento de injunções, bem como a possibilidade de prosseguimento do inquérito caso não as cumpra, mostra-se suficiente para afirmar junto do arguido a censurabilidade da sua conduta, conduzindo a que este se abstenha da prática de novos comportamentos ilícitos.

    Pelo exposto, ao abrigo do art.º 281.º, n.º 1 e 282.º, ambos do C.P.P., e realizado o correspondente juízo de oportunidade, o Ministério Público determina a suspensão provisória do presente processo, em que é arguido A... pelo prazo de oito meses (ao abrigo do art.º 282º, n.º 1, do mesmo diploma legal, ficando o arguido sujeito a: a) Não voltar a maltratar B... ; b) Frequentar um programa especialmente vocacionado para o arguido a delinear pela DGRS com vista à problemática da violência doméstica; c) Entregar a quantia de 300,00 € à vítima a efectuar no prazo de seis meses (ou seja, cinquenta euros por mês) o que efectuará por transferência bancária para o NIB a indicar pela ofendida; d) Encontrar uma casa para habitar, distinta daquela onde se encontra, no prazo de três meses.

    *** Para tanto, remeta os autos à distribuição a fim de serem conclusos à Mma. Juiz de instrução nos termos e para os efeitos do disposto no art. 281.º nº 1 do Código de Processo Penal e, sendo caso disso, dar a sua concordância ao presente despacho.

    (…)”.

    * Em 20 de Dezembro de 2016 a Mma. Juíza de instrução proferiu o seguinte despacho: Concordo com a suspensão provisória do processo nos termos determinados pelo Ministério Público (art. 281.º, n.ºs 1 e 7 do Código de Processo Penal.

    * Com carimbo de entrada em juízo de 1 de Janeiro de 2017, a assistente apresentou o seguinte requerimento: “ (…).

    B... , assistente nos autos à margem referenciada, notificada do despacho que antecede vem expor requerendo o seguinte: 1º Foi a assistente B... notificada de despacho que ordena a suspensão provisória do processo.

    1. A aplicação de tal instituto jurídico tem subjacente que haja requerimento livre e esclarecido da vítima.

    2. Entendemos que não houve requerimento e que mesmo que tivesse existido não foi o mesmo esclarecido.

    3. O que existiu foram declarações da assistente em sede de inquérito nas quais confirmou a existência dos factos objecto da denúncia inicial e que a final refere que "concorda com a possibilidade da aplicação do instituto da suspensão provisória do processo mediante a injunção do arguido nunca mais a mal tratar nem fisicamente nem verbalmente e mediante o pagamento de uma indemnização que seja adequada." 5º Em primeiro lugar a Assistente não requer, mas somente concorda com a possibilidade … 6º Em segundo lugar, a ora assistente condiciona a sua concordância com a possibilidade mediante também o pagamento de uma "indemnização que seja adequada".

    4. A assistente não tendo proposto qualquer montante e/ou não lhe sendo comunicado o montante, deita completamente por terra o pressuposto do "esclarecimento".

      Mas mais grave, 8º Entretanto vem a assistente requerer a sua constituição como assistente bem, como informar os autos do seu propósito de pedir indemnização civil.

    5. Ora tal actividade processual é completamente incompatível com a concordância à possibilidade de suspensão do processo mediante designadamente o pagamento de quantia adequada.

    6. Era por isso legalmente exigível que a ora assistente fosse notificada das injunções que...

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