Acórdão nº 217/15.3PBCLD.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 25 de Outubro de 2017

Magistrado ResponsávelALICE SANTOS
Data da Resolução25 de Outubro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação do Porto, Secção Criminal.

*** No processo supra identificado, após a realização de audiência de discussão e julgamento foi proferida sentença que decidiu: - Conhecer oficiosamente da nulidade da acusação contra o arguido A... e, consequentemente, declarando a mesma, declarou extinto o procedimento criminal relativamente ao mesmo, assim determinando o arquivamento dos autos, nesta parte.

- Sem custas criminais quanto ao arguido A... .

No mais, julgou integralmente procedente por provada a acusação e, em consequência: - Condenou a arguida B... pela prática, em autoria material e na forma consumada, do crime de ofensa grave à integridade física negligente, p. e p. pelos art.ºs 148.º, n.ºs 1 e 3, com referência ao art.º 144.º, al. a) do Código Penal, na pena de 100 (cem) dias de multa, à taxa diária de 5,00€ (cinco euros), no total de 500,00€ (quinhentos euros).

- Julgou parcialmente procedente, por provado, o pedido de indemnização civil deduzido pelo CHO e, em consequência, condenou a arguida B... a pagar a este demandante a quantia de 89,50€ (oitenta e nove euros e cinquenta cêntimos), acrescida dos juros moratórios vencidos desde a data da prestação dos cuidados médicos ao menor G... (31.10.2014) e até efectivo e integral cumprimento, calculados à taxa supletiva legal fixada em Portaria própria. e) Julgo parcialmente procedente, por provado, o pedido de indemnização civil deduzido pelo CHLN e, em consequência, condenou a arguida B... a pagar a este demandante a quantia de 2.636,76€ (dois mil seiscentos e trinta e seis euros e setenta e seis cêntimos), acrescida dos juros moratórios vencidos desde a data da prestação de cada um dos cuidados médicos ao menor G... até efectivo e integral cumprimento, calculados à taxa supletiva legal fixada em Portaria própria.

- Julgou parcialmente procedente, por provado, o pedido de indemnização civil deduzido pelo ofendido G... e, em consequência, condenou a arguida B... a pagar a este demandante a quantia de 20.000,00€ (vinte mil euros,) a título de danos morais, acrescida da quantia que vier a apurar-se necessária para a aquisição de próteses e de reconstituição cirúrgica do pavilhão auricular esquerdo, a calcular em execução de sentença.

- Absolveu o demandado A... dos pedidos de indemnização civil contra si formulados.

- Custas criminais e cíveis a cargo da arguida B... .

Desta sentença interpôs recurso a arguida B... .

São do seguinte teor as conclusões, formuladas na motivação do recurso, interposto pela arguida: 31º Em momento algum, a arguida violou o dever de cuidado a que estava obrigada.

  1. Não houve qualquer atitude da arguida diferente ou descuidada em relação a outros dias ou a outros menores.

  2. Para os detentores de animais de companhia, o contacto direto destes com crianças é algo normal, onde não se perspectiva qualquer acidente, 34º Ou, ainda que se perspectiva essa possibilidade, a situação é equivalente a cozinhar com crianças na cozinha, ou lavar o chão com crianças a circular, ou um sem número de situações do dia-a-dia que previsivelmente não irão originar qualquer acidente (ainda que efectivamente possa acontecer).

  3. Ora, todas essas situações não deverão ser entendidas como factos ilícitos mas sim como situações comuns do dia-a-dia.

  4. Ora, na nossa sociedade é aceite o contacto direto entre as crianças e os animais de estimação – exceptuados os casos de animais considerados perigosos ou animais de grande porte.

  5. Não podendo, por isso, a defesa aceitar que no caso dos autos exista qualquer responsabilidade criminal da arguida, ainda que por negligência inconsciente.

  6. Sucede, ainda, que a condenação do nº 1 alíneas d) e e) da douta sentença, condena a arguida em montante superior ao peticionado.

  7. Ora, na alínea d) do nº 1 da douta decisão foi a arguida condenada ao pagamento ao demandante cível Centro Hospitalar do Oeste, em juros moratórios vencidos até integral pagamento.

  8. Não tendo este demandante civil peticionado qualquer quantia a título de juros.

  9. Termos em que a douta sentença recorrida viola o disposto no artigo 609º nº 1 do Código de Processo Civil.

  10. Também a alínea e) do nº1 da decisão da douta sentença condena a arguida no pagamento de juros vencidos desde a data da prestação de cada um dos cuidados médicos.

  11. Tendo, apenas, sido pedido pelo demandante Centro Hospitalar Lisboa Norte o pagamento de juros desde a notificação.

  12. Termos em que a douta sentença recorrida, também nesta parte, viola o disposto no artigo 609º nº 1 do Código de Processo Civil Pelo exposto requer-se a absolvição da arguida por pois só Assim será feita justiça! O recurso foi admitido para subir imediatamente, nos próprios autos, com efeito suspensivo.

Respondeu o Digno Procurador Adjunto, manifestando-se pela improcedência do recurso, defendendo a manutenção da decisão recorrida.

Nesta instância o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no qual se manifesta no sentido da improcedência do recurso.

Colhidos os vistos legais e efectuada a conferência, cumpre agora decidir.

O recurso abrange matéria de direito e de facto já que a prova se encontra documentada.

Da discussão da causa resultaram provados os factos seguintes constantes da decisão recorrida: - Na parte criminal 1. O menor ofendido G... nasceu a 13 de Julho de 2012 e é filho de H... e de F... .

  1. Desde o mês de Maio ou de Junho de 2013 que o menor se achava aos cuidados da arguida no período do dia compreendido entre as 9 horas e as 18 horas.

  2. Naquele período, a arguida cuidava do menor, proporcionando-lhe a alimentação, a higiene e o descanso.

  3. Por aquele serviço, os progenitores do menor pagavam à arguida a quantia mensal de € 150,00.

  4. A arguida tomava conta do menor e de outras crianças na residência sita na Rua (...) , em Caldas da Rainha.

  5. Em 31 de Outubro de 2014, a irmã da arguida, C... , era detentora de um cão, a quem chamava N (...) , o qual não se achava registado, nem vacinado.

  6. Normalmente o referido animal achava-se recolhido num canil que confronta com o quintal da residência referida no parágrafo anterior.

  7. Naquele dia, pelas 10 horas, A... , companheiro da irmã da arguida, foi lavar o canil e, para o efeito soltou o referido canídeo no quintal da citada residência, colocando, previamente, uma cerca de vedação impedindo a passagem dos canídeos para a zona do quintal.

  8. Nessa ocasião, a arguida deixou que o referido animal contactasse com as crianças, nada fazendo de forma a evitar tal situação.

  9. Nesse momento, e porque a arguida não tomou as devidas cautelas de forma a impedir que o animal acima referido se aproximasse das crianças, o mesmo lançou-se ao menor G... e mordeu-lhe o pavilhão auricular esquerdo, pelo que este teve necessidade de receber assistência médica.

  10. Em consequência da mordedura do animal, o menor ofendido sofreu amputação traumática do pavilhão auricular esquerdo, após ter sido submetido, naquele dia, a anestesia geral, a desbridamento cirúrgico, revestimento com retalhos locais e enxerto de pele parcial colhido do couro cabeludo.

  11. À data do exame médico, em 02/04/2015, o menor G... apresentava status pós-amputação do pavilhão auricular esquerdo, cicatrizado, estruturas restantes do canal auditivo externo sem particularidades observáveis, o que integra o conceito de desfiguração grave 13. Tais lesões determinaram-lhe um período de 20 dias para a consolidação médico-legal, todos com afectação da capacidade para o trabalho geral.

  12. A arguida tinha o dever de cuidar do menor G... e impedir que o mesmo fosse atacado pelo animal acima referido.

  13. A arguida, não procedendo com o cuidado a que estava obrigada e de que era capaz, violou o dever de vigilância que sobre si impendia, enquanto ama do menor G... , permitindo que o animal acima referido se aproximasse do mesmo e lhe mordesse o pavilhão auricular esquerdo como aconteceu, apesar de se achar ciente do dever que tinha de cuidar e de vigiar o menor de forma a evitar, como podia e era capaz, que o mesmo visse a sua saúde afectada, como veio ocorrer, considerando as lesões acima descritas, muito embora não tivesse previsto a possibilidade de concretização destas.

  14. A arguida sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei criminal.

  15. Nada consta do Certificado de Registo Criminal da arguida.

  16. B... é a mais velha de três filhos de um casal de modesta condição socio-económica.

  17. Associa o seu processo de desenvolvimento ao investimento afectivo e educativo, recordando os pais como figuras protectoras e modeladores de conduta prosocial.

    20. No plano escolar apresenta um percurso pouco investido, abandonado o sistema de ensino com 12 anos de idade, após a conclusão do 1º ciclo, por desmotivação e dificuldades económicas dos pais.

  18. Após o abandono escolar aprendeu costura, sendo que aos 23 anos de idade inicia actividade como empregada fabril, que desenvolveu de forma quase ininterrupta durante mais de 20 anos A partir dos 47 anos de idade começou a tomar conta de crianças, na sua habitação.

  19. Esta actividade é referida como muito gratificante, atendendo ao alegado envolvimento afectivo que manteve com várias dezenas de crianças que, ao longo dos anos, estiveram sob os seus cuidados.

  20. No plano afectivo, iniciou uma relação marital aos 31 anos de idade, que terminou volvidos 8 anos.

  21. Em 2011 contraiu matrimónio com a pessoa com quem vive na actualidade.

  22. data dos factos pelos quais se encontra indiciada B... integrava o agregado familiar constituído pelo cônjuge, actualmente aposentado, com que mantinha e mantém, na actualidade, um relacionamento descrito como gratificante.

  23. No plano profissional a arguida tomava conta de duas crianças, actividade que refere como muito gratificante do ponto de vista afectivo, auto-avaliando-se como uma pessoa atenta às necessidades das crianças e preocupada com o sem bem-estar.

  24. A arguida, face ao agravamento do estado de saúde da mãe – dependência de terceiros –acabaria por se ver na necessidade de permanecer na...

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