Acórdão nº 802/14.0GCVIS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 25 de Janeiro de 2017

Magistrado ResponsávelORLANDO GON
Data da Resolução25 de Janeiro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em Conferência, na 4.ª Secção, Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra.

Relatório Pela Comarca de Viseu – Instância Local de Viseu, Secção Criminal – J 1, sob acusação do Ministério Público, foi submetido a julgamento, em processo comum, com intervenção do Tribunal Singular, o arguido A...

, divorciado, trolha, filho de (...) e de (...) , nascido a 15.03.1964, natural de (...) , residente na Rua (...) , Viseu, imputando-se-lhe a prática de factos suscetíveis de integrarem a prática, em autoria material, de um crime de coação agravado, na forma tentada, p. e p. pelo artigo 154.º, n.ºs 1 e 2, com referência ao artigo 155.º, n.º 1, alínea a) e artigos 22.º e 23.º, todos do Código Penal.

Realizada a audiência de julgamento – no decurso da qual foi comunicada ao arguido uma alteração não substancial dos factos –, o Tribunal Singular, por sentença proferida a 26 de abril de 2016, decidiu julgar totalmente procedente, por provada, a acusação pública e, em consequência, condenar o arguido A... pela prática de um crime de coação agravada, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 154.º, n.ºs 1 e 2, 155.º, n.º 1, alínea a), 22.º e 23.º, todos do Código Penal, na pena de 10 (dez) meses de prisão, substituída por 300 (trezentas) horas de trabalho a favor da comunidade, a prestar segundo o plano de trabalho que vier a ser elaborado pela DGRS e homologado pelo tribunal.

Inconformado com a douta sentença dela interpôs recurso o arguido A...

, concluindo a sua motivação do modo seguinte: I. O arguido não concorda com a decisão de condenação proferida, entendendo que o Tribunal a quo não fez uma análise global e crítica de toda a prova produzida e não avaliou correctamente as declarações prestadas em audiência, designadamente da ofendida B... e do próprio arguido.

  1. Na formação da sua convicção o Tribunal apenas se socorreu das declarações da Ofendida, cujo depoimento foi contraditório, falacioso, desprovido de lógica e coerência, demonstrando todo o rancor e temor que irracionalmente tem do arguido.

  2. A Ofendida apresentou várias versões dos factos, que o Tribunal a quo entendeu serem fruto das falhas de memória e de pouca monta, mas que se o senso comum e as regras da lógica impunham entendimento diverso.

  3. A Ofendida começa por contar que os factos ocorreram antes da entrega do chá em casa dos seus avós, desenvolvendo um depoimento em que relata com pormenores os factos ocorridos: que no caminho foi confrontada pelo arguido que lhe dirigiu aquelas palavras, tendo contudo seguido para casa dos avós, tendo aí deixado o chá e ficado na conversa com aqueles acerca desse episódio e só depois voltou para sua casa.

  4. Já após a leitura das suas declarações junto da GNR, a sua versão muda: afinal não foi antes de entregar o chá, foi depois ... não conseguindo contudo explicar a conversa pormenorizada que relatou ter tido com os avós.

  5. A Ofendida entrou ainda em contradição com o teor das palavras proferidas, dizendo na GNR uma coisa e outra em Tribunal, bem como no facto de o seu pai ter ou não confrontado o arguido, também as versões mudam.

  6. Não foi feita a ponderação devida do facto de a ofendida ter à data dos factos 13 anos e estar visivelmente influenciada por terceiros na imagem que tem do arguido e que desde pequena lhe incutem.

  7. Não se ponderou a falta de lógica e coerência da versão contada, desde logo do facto de o arguido nunca se ter metido com a ofendida, nem antes, nem depois deste episódio e não se apurou qualquer motivo para que o fizesse! IX. Além do depoimento da Ofendida, o Tribunal socorreu-se ainda no facto de o arguido ter admitido que se encontrava no local nas circunstâncias de tempo descritas. Tal admissão não pode só por si levar o Tribunal a concluir que a troca de palavras foi aquela.

  8. Atento o temor que a Ofendida injustificadamente tinha pelo arguido, qualquer palavra que este tenha dito, mesmo não lhe sendo dirigida, poderia provocar aquela sua reacção.

  9. A falsidade dos factos denunciados é ainda visível na contradição da Testemunha C... , pai da Ofendida - que denuncia afinal factos que não ocorreram - desde logo a troca de palavras que disse ter com o arguido. Ficando por esclarecer em que momento disseram a verdade - se na denúncia apresentada se em julgamento, o que fere a sua credibilidade e a da Ofendida.

  10. Andou mal o Tribunal ao não valorar as declarações da testemunha D... , apenas e só porque “não esteve no local durante todo o tempo, podendo por isso os factos terem ocorrido enquanto se encontrava no interior da residência”, quando a mesma revelou um discurso coerente, esclarecedor e credível.

  11. Entende o arguido que o Tribunal não poderia ter dado como provados os factos 3 a 6 atenta a ausência de prova clara e inequívoca da prática dos factos.

    DO DIREITO: XIV. A prova produzida em julgamento foi insuficiente, ténue, baseada unicamente no depoimento da Ofendida, que não merece qualquer credibilidade por parte do Tribunal atentas as divergências de grande monta tidas.

  12. Em causa está apenas a versão do arguido contra a versão frágil da Ofendida, que há falta de outros elementos de prova impunham a absolvição do arguido.

  13. Violou ainda o Tribunal a quo o princípio in dubio pro reo, que constitui uma imposição dirigida ao julgador no sentido de se pronunciar de forma favorável ao arguido, quando não tiver certeza sobre os factos decisivos para a decisão da causa.

    Nestes termos e nos melhores de direito, deve o presente recurso ser procedente, revogando-se a decisão proferida e absolvendo-se o arguido da prática dos factos que lhe são imputados.

    O Ministério Público na Comarca de Viseu, Instância Local de Viseu, respondeu ao recurso interposto pelo arguido, pugnando pelo não provimento do recurso e confirmação integral da sentença recorrida.

    O Ex.mo Procurador-geral adjunto neste Tribunal da Relação emitiu parecer no sentido de que o recurso deverá improceder, mantendo-se integralmente a douta sentença condenatória.

    Notificado deste parecer, nos termos e para efeitos do n.º 2 do art.417.º do Código de Processo Penal, o recorrente nada disse.

    Colhidos os vistos, cumpre decidir.

    Fundamentação A matéria de facto apurada e respetiva motivação constantes da sentença recorrida é a seguinte: 1. Factos Provados 1. O arguido e seus familiares, irmãos e pais, encontram-se desavindos por razões concretamente não apuradas, o que motivou os factos em causa nos presentes autos.

    1. Neste contexto, no dia 23 de outubro de 2014, cerca das 20h30, na Quinta do C (...), Rua da C (...), Viseu, B... , à data com 13 anos de idade, sobrinha do arguido, foi levar um chá a casa da sua avó paterna, K..(...) .

    2. Naquelas circunstâncias, quando B... regressava a casa, ao passar no caminho junto da residência do arguido, este estava no terraço e de viva voz, em tom intimidatório dirigiu-se àquela e disse-lhe que não voltasse a passar a ali, senão levava um tiro.

    3. O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, ao proferir a citada expressão, sabendo que a mesma era objetivamente adequada a causar medo e a intimidar a ofendida B... como sucedeu, o que fez com o propósito de a afastar do local e constranger a não voltar a passar por ali a fim de se dirigir a casa de sua avó, visando impedir os contactos e proximidade entre ambas, o que apenas não conseguiu por motivos alheios à sua vontade, já que aquela B... continuou a frequentar a casa da sua avó, embora com especial cautela.

    4. A ofendida ficou com medo de vir a ser molestada ou até atingida mortalmente pelo arguido, pelo que se sentiu mal e teve de ser assistida no Hospital.

    5. O arguido sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei e que incorria em responsabilidade criminal.

      Mais se provou que 7. O arguido foi condenado por decisão de 16.09.2009, transitada em julgado em 16.10.2009, proferida no âmbito do processo 1263/06.3PBVIS, do extinto 1.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Viseu, pela prática, em 2006, de um crime de maus tratos e de um crime de detenção de arma proibida, nas penas, respetivamente, de 18 meses de prisão suspensa na sua execução por igual período e 200 dias de multa à taxa diária de € 6,00.

    6. O arguido exerce, por conta de outrem, a profissão de trolha, auferindo mensalmente entre €...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT