Acórdão nº 793/13.5PBCBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 15 de Março de 2017

Magistrado ResponsávelORLANDO GON
Data da Resolução15 de Março de 2017
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em Conferência, na 4.ª Secção, Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra.

Relatório Nos presentes autos de instrução que correm na Comarca de Coimbra – Instância Central – Secção de Instrução Criminal – Juiz 1, em que são arguidos A...

, B...

e C...

, a Ex.ma Juíza de Instrução, por despacho de 13 de julho de 2016, decidiu rejeitar o requerimento de abertura de instrução apresentado pelo assistente D...., por inadmissibilidade legal da instrução.

Inconformado com a douta sentença dela interpôs recurso o assistente D...

, concluindo a sua motivação do modo seguinte: 1.ª O presente recurso vem interposto da decisão proferida pelo tribunal recorrido, por o ora recorrente não poder conformar-se com a mesma.

  1. O ora recorrente apresentou queixa, na qualidade de pessoa que há mais de 40 anos cuida e trata de um pinhal e eucaliptal, designadamente amanhando, cortando e limpando as árvores que no mesmo existiam, cortando o mato e outra vegetação e vigiando o mesmo, dele colhendo todos os frutos, desde a utilização ao seu uso, anteriormente pertencente aos seus pais e, à data dos factos, registado na Conservatória do Registo Predial em nome do seu sobrinho, G..., a quem adveio por doação que os seus avós e progenitores daquele lhe fizeram, sem qualquer oposição destes e daquele.

  2. O Ministério Público recebeu a queixa e, deu início às investigações, através do titular a quem foi distribuído o processo de inquérito.

  3. O novo titular deste procedeu ao arquivamento dos autos por entender que o queixoso carecia de legitimidade para se queixar, uma vez que não era o proprietário do prédio rústico e, quem detinha a propriedade do mesmo, era o referido G... , que, ouvido em declarações, confirmou que o ora recorrente era quem cuidava e tratava do pinhal nos precisos termos em que se queixou, mas, declarou não pretender procedimento criminal nem indemnização dos visados na queixa e, assim, o Ministério Público considerou que não tinha legitimidade para prosseguir o procedimento criminal.

  4. Insatisfeito com esta decisão, o ora recorrente, na qualidade de assistente, requereu a abertura de instrução, cujo requerimento foi rejeitado por inadmissibilidade legal da instrução, uma vez que não descrevia os factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança.

  5. A requerida abertura da instrução não visava apurar da suficiência indiciária factual, uma vez que o despacho de arquivamento não tinha por fundamento a insuficiência de indícios para ser proferida acusação, mas apenas a ilegitimidade do queixoso e, foi esta a questão suscitada no requerimento de abertura de instrução, pois não podia ser outra, por não existir.

  6. A finalidade do âmbito da instrução, nos termos do artigo 286.º, n.º 1, do código de processo penal, tem de ser entendida em termos amplos, porquanto o seu escopo não é apenas averiguar e decidir da insuficiência ou suficiência indiciária factual, porque não se confina ao domínio do facto naturalístico e, também, compreende a dimensão normativa do mesmo e, por conseguinte, a sua suscetibilidade de levar ou não a causa a julgamento, pois é esta a sua finalidade última.

  7. O despacho final do inquérito proferido pelo Ministério Público não é uma sentença, mas tem força de caso decidido, pelo que, no caso em apreço, terá de ser suscitada a intervenção do Juiz de Instrução para dirimir a questão da ilegitimidade e, assim, evitar que o arquivamento, com este fundamento, adquira instituto de decisão definitiva e inatacável.

  8. Salvo o devido respeito, a decisão instrutória fez uma errada interpretação e aplicação do direito tendo violado o disposto no artigo 286.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, na medida em que o pedido de análise da questão da ilegitimidade do queixoso e, consequentemente, da ilegitimidade do Ministério Público, não viola a regra sobre a finalidade da instrução, porque a comprovação judicial, a que se reporta esta disposição legal, não se limita ao domínio do facto naturalístico, mas sim sobre a suscetibilidade de levar ou não a causa a julgamento, o que só é possível se o Ministério Público efetuar todas as diligências para o apuramento do cometimento dos factos e da identificação dos seus agentes, prosseguindo a fase investigatória, mas não interpretou nem aplicou aquela disposição legal com este sentido e deveria ter interpretado e aplicado, tendo feito uma interpretação restritiva da mesma.

  9. O Ministério Público fez, salvo o devido respeito, uma errada interpretação e aplicação do artigo 113.º, n.º 1, do Código Penal, quanto aos titulares do direito de queixa, na medida em que a titularidade deste não é exclusiva, no caso dos crimes de dano e dos crimes de furto, do proprietário da coisa danificada furtada, sendo também atribuída, por exemplo, ao arrendatário, usufrutuário, comodatário, ou possuidor, ou seja, a quem está confiada peio dono a guarda e a fruição do bem, pelo que a posse ou um mero poder de facto sobre a coisa constitui condição de legitimidade para apresentação de queixa. Neste sentido, o Acórdão do STJ n.º 7/2011, proferido no processo n.º 456-08.3GAMMV, de 27 de abril de 2011. Mas o Ministério Público assim não entendeu nem interpretou aquela norma legal e fez uma interpretação e aplicação restritiva da mesma.

11.º No caso em apreço da queixa, e das declarações do referido G... , resulta que o recorrente estava legitimado a deter, usar e fruir o prédio rústico, logo tem legitimidade para ter apresentado a queixa e, assim, o Ministério Público fica legitimado a prosseguir a ação penal em matéria de inquérito.

Nestes termos e, nos mais e melhores de direito aplicável, sempre com o muito douto suprimento dos Venerandos Juízes-desembargadores, o presente recurso deve ser recebido, por tempestivamente apresentado e por quem tem legitimidade para tal, sendo-lhe concedido provimento, revogando-se a decisão recorrida, substituindo-a por outra que considere admissível a instrução e, julgue que o ora recorrente tem legitimidade para ter apresentado a queixa e, corolariamente, que o Ministério Público tem legitimação para prosseguir com o procedimento criminal, tendo em vista a realização das finalidades do inquérito, com o que, assim, se fará douta, sã e serena justiça.

O Ministério Público na Comarca de Coimbra, Instância Central respondeu ao recurso interposto pela assistente, pugnando pelo não provimento do mesmo.

A Ex.ma JIC declarou, no despacho de sustentação, manter na integra o despacho recorrido.

O Ex.mo Procurador Geral Adjunto neste Tribunal da Relação emitiu parecer o sentido da improcedência do recurso interposto pelo assistente e manutenção do despacho recorrido.

Foi dado cumprimento ao disposto no art.417.º, n.º 2 do C.P.P., tendo o arguido, na sua resposta, declarado aderir ao parecer apresentado pelo Ministério Público.

Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.

Fundamentação O Despacho recorrido tem o seguinte teor: « O assistente D... veio requerer, a fls. 241 e seguintes, a abertura de instrução.

Nos termos do n° 1 do artigo 286° do Código de Processo Penal, a instrução tem como finalidade a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito, em ordem a submeter ou não a causa a julgamento.

Se o juiz de instrução decidir que a causa deve ser submetida a julgamento, aceitando as razões apresentadas pelo assistente, isso significa que recebe a acusação implícita no requerimento para abertura da instrução, pronunciando o arguido em conformidade com ela.

Assim, o requerimento apresentado pelo assistente para abertura de instrução há-de conter, substancialmente, uma verdadeira acusação, como resulta desde logo do n° 2 do artigo 287° do Código de Processo Penal, que remete para as alíneas b) e c) do n°3 do artigo 283° do mesmo diploma legal.

Nos termos das alíneas b) e c) do n° 3 do artigo 283° do Código de Processo Penal a acusação contém, sob pena de nulidade, a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada e ainda a indicação das disposições legais aplicáveis.

Como comenta Maia Gonçalves, o requerimento do assistente para abertura da instrução “deverá, a par dos requisitos do n° 1, revestir os de uma acusação, que serão necessários para possibilitar a realização da instrução, particularmente no tocante ao funcionamento do princípio do contraditório, e a elaboração da decisão instrutória” - in "Código de Processo Penal Anotado", 1999, 11ª Edição, pág. 552.

Neste sentido o Acórdão da Relação de Coimbra de 24 de Novembro de 1993, in CJ, T. IV, 61, ou seja, se no “requerimento de abertura de instrução em causa não se faz qualquer enumeração dos factos concretos que se pretende estarem indiciados nos autos, não se faz uma descrição da conduta do arguido.

Não compete ao Juiz de instrução perscrutar os autos para fazer a enumeração e descrição dos factos que se poderão indiciar como cometidos pelo arguido, pois, se assim fosse, estar-se-ia a transferir para o Juiz o exercício da ação penal, com violação dos princípios constitucionais e legais vigentes”.

O requerimento para abertura de instrução deverá conter as razões de facto e de direito da discordância relativamente à não acusação.

Deverá, igualmente, conter factos que constituem uma verdadeira acusação. Isto é um pressuposto da instrução, uma vez que, desta forma se fixam os poderes de cognição do juiz. Sem tais elementos não poderá o juiz abrir tal fase processual.

Apreciemos, pois, o requerimento de abertura de instrução apresentado pelo assistente.

O requerimento de abertura de instrução em causa contém os motivos de discordância do despacho de arquivamento, mas o assistente não...

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