Acórdão nº 651/15.9T9CVL.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 08 de Março de 2017

Data08 Março 2017
ÓrgãoCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam em conferência, na 4ª Secção (competência criminal) do Tribunal da Relação de Coimbra.

I 1.

Nos autos supra identificados, em que é arguido A...

, filho de (...) e de (...) , natural de (...), nascido em 28.10.1964, casado, residente no Bairro (...) Caria Imputando-lhe o Ministério Público a autoria material de um crime de desobediência p. e p. pelo art.º 348 n.º 1 al. b) do C. Penal Procedeu-se a julgamento e a final foi decidido absolver o arguido do crime de que vinha acusado.

  1. Não se conformando com esta decisão, dela recorre o Ministério Público formulando as seguintes conclusões: 1.

    O Ministério Público entende que a prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, conjugada com as regras da razão, da lógica e da experiência, impunham que se desse como provado, além dos demais factos provados, que: a.

    O arguido sabia ter decorrido o prazo fixado para entrega da carta e, mesmo assim, faltou ao seu cumprimento, o que fez de modo livre e consciente, sabendo vedada a sua conduta e que, mais uma vez, incorria em responsabilidade criminal.

  2. O Tribunal a quo deu como provada a versão trazida a julgamento pelo arguido que confessou os factos relativamente à condenação no processo sumário n.º 20/14.8GTGRD e negou o conhecimento do acórdão proferido nesse processo em sede de recurso.

  3. Deste modo, cometeu um erro notório na apreciação da prova ao valorar as declarações do arguido as quais, conjugadas com as regras da lógica e da experiência comum, deveriam ter conduzido a outra conclusão no que ao elemento subjectivo típico respeita considerando como provado o facto integrador do elemento subjectivo que consta como facto não provado.

  4. A instâncias do Mm.º Juiz, inicialmente, o arguido declarou A gente recorreu e depois não fui notificado de mais nada (Gravação áudio 00:09 a 00:12).

  5. Saliente-se que as declarações do arguido foram sempre nesse sentido: falta de notificação do Acórdão da Relação nunca se referindo ao conhecimento, ou falta dele, do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra e por isso conclui que não tinha de entregar a carta dizendo ainda: Fiquei a aguardar que me dissessem alguma coisa, que me notificassem para alguma coisa, nunca fui notificado para mais nada (Gravação áudio 02:53 a 02:58).

  6. Do teor destas declarações ressalta a estratégia da defesa do arguido: invocar a falta de notificação do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra para não entregar a carta de condução.

  7. Entendemos que esta argumentação do arguido não procede sob pena de estar encontrada a forma de os arguidos não respeitarem as decisões superiores quando o próprio Código de Processo Penal estatui que os acórdãos superiores não são notificados aos arguidos mas apenas as sentenças proferidas em 1.ª instância.

  8. Não tendo o arguido logrado provar objectivamente qualquer circunstância que o impossibilitasse de entregar a carta de condução no prazo legal pessoalmente comunicado aquando da leitura da sentença em 1.ª instância, estranha-se que o Tribunal a quo considere que o arguido, por não ter sido notificado do acórdão, não teve conhecimento por qualquer forma dessa decisão.

  9. Salientamos ainda que à pergunta se o arguido sabia que o advogado tinha sido notificado do acórdão do Tribunal Relação de Coimbra o mesmo escusou-se a responder tendo sido o Mm.º Juiz a responder repetidas vezes: não sabe (Gravação áudio 03:35 a 03:52).

  10. Conforme se extrai da própria gravação, o Mm.º Juiz a quo tinha já formado a sua convicção anteriormente à produção integral da prova o que se manifestou nas diversas interrupções nas respostas do arguido quando o Ministério Público o questionou se sabia que o advogado tinha sido notificado.

  11. No final das suas declarações, o arguido diz, a instâncias do seu Il. Defensor oficioso: Fui duas vezes ao escritório do advogado o qual estava fechado (Gravação áudio 04:19 a 04:21).

  12. Destas declarações prestadas pelo arguido decorre que admite a deslocação ao escritório do advogado no processo da condenação porque sabia do recurso cujo resultado aguardava mas, apesar de terem decorridos muitos meses (quatro meses e meio desde o trânsito em julgado), não se deslocou ao Tribunal enquanto aguardava tranquilamente para saber quando teria de entregar a carta de condução.

  13. A alegada falta de contacto entre o arguido e o seu advogado não poderá, de modo algum, constituir justificação do arguido a atender pelo Tribunal mas uma eventual violação deontológica do advogado do arguido nesse processo da condenação.

  14. O Tribunal a quo não atentou devidamente para o facto de que a condenação proferida no processo 20/14.8GTGRD transitou em julgado em 02.03.2015 e a carta de condução do arguido foi efectivamente apreendida pelas autoridades policiais competentes em 20.07.2015, ou seja, decorridos mais de 4 (quatro) meses e meio após o trânsito e mais de 11 (onze) meses após a condenação inicial nesse processo que seguia a forma sumária.

  15. Portanto, estamos convencidos que o arguido não tinha qualquer interesse em respeitar a condenação nesse processo e simplesmente ignorou a condenação por vários meses para poder continuar a conduzir, considerando ainda a sua profissão de mecânico, quando sabia perfeitamente que tinha 10 dias para entregar a carta de condução após o trânsito em julgado da sentença proferida nesses autos.

  16. Assim sendo, a versão dos factos apresentada pelo arguido não procede considerando que não produziu qualquer prova objectiva da falta de conhecimento do acórdão para além das suas próprias declarações que não se revestem de imparcialidade necessária para, só por si, considerar-se como não provado esse conhecimento sendo naturalmente interessado na sua absolvição.

  17. Além do mais, a fundamentação do acórdão recorrido é contra legem considerando que da lei e jurisprudência decorre que os acórdãos dos Tribunais superiores não são notificados aos arguidos.

  18. E não se diga que esta jurisprudência se aplica às consequências sobre a tramitação do processo e não sobre as consequências penais que decorram do conhecimento do acórdão como o início da contagem do prazo para entrega da careta de condução pois são indivisíveis estas duas consequências.

  19. Se assim não fosse, então como contar o prazo de prescrição de uma pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados: a partir da notificação da decisão final ou do conhecimento dessa decisão por parte do arguido? 20.

    A lei penal é muito simples: a partir do trânsito em julgado (artigo 122.º, n.º 2 e 123.º CP) que ocorre após a notificação do acórdão ao advogado do arguido quando há recurso (artigo 113.º, 10 CPP), logo o prazo para a entrega da carta de condução não se conta a partir do conhecimento do acórdão pelo arguido.

  20. Atentas as apontadas insuficiências nas declarações do arguido e motivação da sentença recorrida propugnamos que a defesa não poderá proceder e dar-se como não provado que o arguido sabia ter decorrido o prazo fixado para entrega da carta de condução e ainda assim faltou ao seu cumprimento o que fez de modo livre e consciente sabendo que incorria em responsabilidade penal.

  21. Pelo supra exposto, o Tribunal a quo, ao não condenar o arguido pela prática do crime de desobediência p. e p. pelo art. 348.º, n.º 1 al. b) do Código Penal 324.º incorreu em erro notório na apreciação da prova ao valorizar as declarações do...

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