Acórdão nº 203/13.8TAMBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 08 de Fevereiro de 2017
Magistrado Responsável | LU |
Data da Resolução | 08 de Fevereiro de 2017 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam em conferência, na 4ª Secção (competência criminal) do Tribunal da Relação de Coimbra I 1.
Nos autos de processo supra identificados, o ora recorrente e assistente A...
, residente no lugar da (...) , Sernancelhe, com o CC nº (...) , deduziu acusação particular contra B... , residente na (...) , Mangualde, imputando-lhe factos susceptíveis de preencherem os crimes de difamação e injúrias agravadas, pp e pp nos termos conjugados dos artigos 180º, nº1, 181º, nº1, 183º, nºs 1, alíneas a) e b) e 2 e 184º, todos do Código Penal.
Mais deduziu o assistente contra esta arguida, pedido de indemnização civil de 3000,00€ (três mil).
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Por despacho judicial de 10.5.2016, foi rejeitada a acusação particular do assistente A... por falta de legitimidade para deduzir a acusação e foi declarada extinta a instância quanto ao pedido civil então também deduzido por impossibilidade superveniente da lide.
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Deste despacho recorre o assistente que formula as seguintes conclusões: 3.1. Nos presentes autos, decorrido o inquérito, o Ministério Público (MP) promoveu a notificação do assistente para, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 285.º do CPP, no prazo de 10 (dez) dias, querendo, deduzir acusação particular, tendo ainda informado que não acompanharia tal eventual acusação; 3.2. O MP não proferiu despacho de arquivamento nesta parte, assim impossibilitando, desde logo, ao assistente a normal reacção impugnatória dessa eventual decisão.
3.3. Agindo em conformidade, dentro do prazo legal, o assistente deduziu acusação particular e formulou pedido de indemnização cível quanto aos crimes de difamação e injúria.
3.4. A douta Sentença a quo rejeitou a acusação particular e declarou extinta a instância cível, por falta de legitimidade do assistente.
3.5. Porém, esta decisão é, salvo o devido respeito, injusta, ilegal e inconstitucional, por constituir uma restrição inaceitável ao direito à tutela jurisdicional efectiva do assistente, nos termos em que o mesmo é consagrado no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa (CRP).
3.6. Nos processos em que estão em causa crimes de natureza pública ou semi-pública (com a respectiva apresentação de queixa), realizadas as respectivas e necessárias diligências de prova, o Ministério Público: a) deduz despacho de arquivamento se se verificarem os pressupostos do artigo 277º, do CPP; b) ou deduz acusação se se verificarem os pressupostos do artigo 283º, do CPP; 3.7. Se o MP proferir despacho de arquivamento, o assistente pode requer a abertura da instrução – artigo 287º, nº 1, alínea b), do CPP; 3.8. Se o MP deduzir acusação, o assistente pode igualmente deduzir acusação, no prazo e nos termos do artigo 284º, do CPP; 3.9. No caso vertente, o MP não adoptou qualquer das condutas referidas, quanto aos crimes de difamação e injúria, tendo promovido a notificação do assistente para, querendo, deduzir acusação particular; 3.10. Desta atitude do MP resulta que o mesmo considerou não estarem preenchidos os pressupostos da agravação dos tipos legais em causa, pelo que, na sua óptica, os autos reconduziam-se à eventual prática dos crimes em causa na modalidade de crimes particulares; 3.11. Era essa a única conclusão que o assistente poderia retirar, pois como diz a melhor Doutrina (Paulo Pinto de Albuquerque in Comentário do Código de Processo Penal, fls. 747, nota 1 (anotação ao artigo 285º do CPP) “No final do inquérito, o MP toma posição relativamente aos crimes públicos e semi-públicos indiciados nos autos. Em relação aos crimes particulares, o MP deve notificar o assistente para, querendo, deduzir acusação particular. Portanto, havendo concurso de crimes públicos ou semi-públicos e particulares, o MP deve deduzir acusação ou arquivar os autos em relação aos crimes públicos ou semi-públicos e, em simultâneo, notificar o assistente para os efeitos do artigo 285º O arguido é notificado conjuntamente do despacho do MP e da acusação do assistente”.
3.12. Só por isto, e apesar de na queixa e na acusação particular ser referida a agravação dos tipos legais aplicáveis (referência que nunca poderia vincular o Tribunal), deveria ter sido reconhecida a legitimidade do assistente para deduzir a acusação particular e formular o pedido de indemnização cível; 3.13. Entender de modo diferente consiste em cercear em termos inadmissíveis a tutela dos bens jurídicos em causa por parte do assistente, pois em face da atitude do MP, o assistente ficou impedido de requerer a abertura de instrução (em caso de arquivamento) e, simultaneamente, impedido de deduzir acusação particular (porque, na óptica do Tribunal, carece de legitimidade para o efeito); 3.14. Ou seja, o sistema penal, ao ter actuado, no caso vertente, como actuou, bloqueou ao assistente todas as possibilidades de continuar o processo penal e, assim, pugnar pela efectivação dos seus direitos constitucionalmente consagrados, concretamente, a sua honra e consideração; 3.15.
No caso em apreço, o MP entendeu uma coisa, e o assistente teve de agir processualmente, em conformidade. Já o Tribunal entendeu outra, e o assistente vê-se sem forma possível de reacção, pois os autos não retrocedem...
3.16. A situação é ainda mais gravosa na medida em que a decisão de ilegitimidade que aqui é impugnada diz materialmente respeito a uma agravação dos crimes de difamação e injúria pelo facto de os mesmos terem sido praticados contra uma das pessoas referidas na alínea l) do n.º 2 do artigo 132.º do Código Penal; 3.17.
Porque era autarca, o assistente tem que conformar-se com uma decisão de ilegitimidade, quando o MP, ao ter actuado como actuou, o impediu de prosseguir a tutela penal dos seus direitos; 3.18. Dito de outra forma: a solução de ilegitimidade em que se escora a douta Sentença aqui colocada em crise tem, para cumprimento do artigo 20.º da CRP, que ser mitigada nos casos, como o presente, em que: a) por um lado, há uma divergência entre o MP e o Tribunal quanto ao preenchimento dos factos de que resulta a agravação dos tipos legais e, portanto, a qualificação dos crimes em causa como semi-públicos ou particulares, divergência essa que retira a possibilidade de recurso aos meios de reacção próprios por parte do assistente, ou seja, a utilização da fase da instrução para procurar demonstrar uma perspectiva jurídica diferente da do MP; b) por outro lado, a qualificação de um crime como semipúblico ou particular resulta de uma agravação fundada na alínea l) do n.º 2 do artigo 132.º do Código Penal, pois nesse caso, o sistema penal fecha-se prejudicialmente para o assistente em resultado de uma sua particular condição que é, afinal, motivo legal para lhe conceder maior protecção.
Dito de outra forma: o Direito Penal material procura proteger mais o assistente, e o Direito Penal adjectivo fecha-lhe a porta com estrondo, dizendo-lhe que os seus interesses ficam à mercê exclusiva de mãos alheias (no caso o MP, cuja leitura subjectiva pode, como aconteceu no caso, cercear-lhe inadmissivelmente as pretensões de tutela); 3.19. A douta Sentença a quo viola, assim, o direito do assistente à tutela jurisdicional efectiva, previsto no artigo 20.º da CRP; 3.20. Consagra-se nesta norma o direito fundamental à tutela jurisdicional efectiva, que a doutrina considera uma “garantia imprescindível da protecção de direitos fundamentais, sendo, por isso, inerente à ideia de Estado de direito”, de tal forma que “ninguém pode ser privado de levar a sua causa (relacionada com a defesa de um direito ou interesse legítimo e não apenas de direitos fundamentais) à apreciação de um tribunal, pelo menos como último recurso” (CANOTILHO, Gomes / MOREIRA, Vital, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, 4.ª Edição Revista, 2007, pp.
408 e 409); 3.21. A tese defendida na douta Sentença, sem qualquer mitigação que permita considerar a especificidade de casos como o presente, traduz-se na interpretação e aplicação das normas dos artigos 48.º a 53.º e 285.º CPP em termos que negam aos cidadãos o direito a lograr a reparação do seu direito à honra e consideração; 3.22. A interpretação das referidas normas do CPP no sentido de que o assistente não tem legitimidade, nos casos como o vertente, para deduzir acusação particular e formular o pedido de indemnização cível é inconstitucional por violação dos números 2 e 3 do artigo 18.º da CRP, porquanto: a) não visa salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos; b) e se traduz numa restrição desproporcional ao direito fundamental à tutela jurisdicional efectiva, consagrado no artigo 20.º do mesmo Diploma Básico.
Normas violadas: artigos 20.º da Constituição da República Portuguesa e 48.º a 53.º e 285.º do Código de Processo Penal.
Assim, sem menosprezo pela Douta Decisão de que se recorre e sempre com o mui douto suprimento de VV. Exa.s, espera-se que a mesma seja revogada, por ser, salvo o devido respeito, injusta, ilegal e inconstitucional, procedendo-se à sua substituição por outra que receba a acusação particular e o pedido cível.
JUSTIÇA.
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Respondeu o Ministério Público dizendo: “Salvo melhor opinião, não assiste razão ao recorrente.
Senão vejamos.
No despacho datado de 19 de Maio de 2015, de fls. 65 e 66, refere-se que “os factos participados respeitam ao período de campanha eleitoral para as eleições autárquicas em que o queixoso integrou a lista do PSD candidata à Câmara Municipal de (...) , para a qual veio a ser eleito como presidente e onde já assumiu anteriormente as funções de vereador Ora, os factos que alegadamente visaram atingir o queixoso na sua honra e consideração não lhe foram imputados na qualidade de vereador, no exercício das suas funções ou por...
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