Acórdão nº 269/16.9PCCBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 13 de Dezembro de 2017

Magistrado ResponsávelVASQUES OS
Data da Resolução13 de Dezembro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, na 4ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra I. RELATÓRIO No Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra – Juízo Local Criminal de Coimbra – Juiz 1, o Ministério Público requereu o julgamento, em processo comum com intervenção do tribunal singular, dos arguidos A...

e B...

, ambos com os demais sinais nos autos, imputando-lhes a prática, em autoria material e concurso real, de um crime de extorsão na forma tentada, p. e p. pelos arts. 21º e 223º, nºs 1 e 2, de dois crimes de devassa da vida privada, p. e p. pelos arts. 192º, nº 1, b) e d) e 197º, a), e de um crime de gravações e fotografias ilícitas, p. e p. pelo art. 199º, nºs 1 e 2 b), todos do C. Penal. Por sentença de 30 de Março de 2017, foram os arguidos condenados, pela prática do imputado crime de extorsão, na forma tentada e de um crime de devassa da vida privada agravada – e de um só, por se ter entendido ser esta a qualificação da apurada conduta – em concurso aparente com o imputado crime de um crime de gravações e fotografias ilícitas, o arguido, nas penas parcelares de 16 meses de prisão e 6 meses de prisão, respectivamente e, em cúmulo, na pena única de 1 ano e 7 meses de prisão, e a arguida, nas penas parcelares de 12 meses de prisão e 120 dias de multa à taxa diária de € 5 e, em cúmulo, na pena única de 12 meses de prisão suspensa na respectiva execução por igual período, e 120 dias de multa à taxa diária de € 5, perfazendo a multa global de € 600.

* Inconformado com a decisão, recorreu o arguido A... , formulando no termo da motivação as seguintes conclusões: A. Através da decisão recorrida, foi o Recorrente condenado, pela prática em coautoria material e em concurso efetivo de (i) um crime de extorsão simples, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 223.º, n.º 1, 22.º, 23.º, n.ºs 1 e 2, e 73.º, n.º 1, a) e b), todos do C.P. e de (ii) um crime de devassa da vida privada agravado, p. e p. pelos artigos 192.º, n.º 1, b), e 197.º, a), todos do C.P. Com efeito, o Recorrente não se conforma com esta decisão e recorre quer quanto ao julgamento que aí se faz da matéria de facto, requerendo a reapreciação da prova gravada, quer por lhe parecer, salvo o devido respeito, que muito é, ter o Meritíssimo Juiz a quo feito uma menos correta interpretação e aplicação do direito aos factos.

  1. Desde logo, o Mm. Juiz proferiu despacho no qual solicitou «à autoridade policial competente o habitual relatório sobre elementos pessoais dos arguidos, designadamente, a situação profissional, rendimento líquido mensal auferido com quem vivem, despesas com habitação e habilitações literárias, que deverá ser enviado aos presentes autos até ao dia 29/03/2017». Todavia, tal não sucedeu. E, em conformidade com Alberto Pinto Nogueira e José A. Barreto Nunes, em Código de Processo Penal – Comentários e Notas (2009), pag. 940, “A falta de relatório social configura uma mera irregularidade. No entanto, nos casos em que se verifique insuficiência de matéria de facto para a decisão em que essa matéria deva constar do relatório social ou da informação dos serviços de reinserção social, já poderá verificar-se nulidade – 379.º, al. a), e 374.º, n.º 2”.

  2. No caso em apreço, o Tribunal solicitou o relatório social. Com efeito, fê-lo por considerar que o mesmo era necessário à correta determinação da sanção que eventualmente viesse a ser aplicada. Tendo, assim, como objetivo auxiliar o Tribunal ou o juiz no conhecimento da personalidade do arguido, objetivo que não foi cumprido. Porém, não tendo o relatório, que foi solicitado, não deveria o tribunal assim, sem mais, e tendo por base elementos indiciários, decidir, sob pena de violar o princípio “in dubio pro reo”. Pelo que, diante o exposto se percebe que in casu o mesmo era imprescindível.

  3. Além disso, mais se impunha porque se não fosse o oficioso não teria chegado ao processo o Relatório Geral de informação clínica do Recorrente – que configura um parecer técnico – em que se observa que o mesmo tem Alteração de Personalidade Boirder-Line, associada a Síndrome de Dependência Alcoólica e de Medicação. (cfr. doc. 1).

  4. Assim, este parecer comprova a necessidade acrescida do relatório social, supra mencionado, visto que apresenta questões novas, com relevância para a prova produzida. Posto isto deve agora este parecer ser junto aos autos.

  5. De facto, tal junção é atempada pois «os pareceres de advogados, de jurisconsultos e de técnicos, poderão ser juntos até ao encerramento da audiência, o que na hipótese de recurso, faz com que tais pareceres se possam juntar até à audiência no tribunal superior (n°3-165)». Sendo que, o próprio «art. 165.º, n.º 3 do CPP refere que podem ser juntos até à audiência, não limitando à audiência de 1ª Instância. Por isso, dúvida não existe que poderá ser até à audiência recurso já que têm índole teórica e intelectual não revestindo natureza de meio de prova.

    ». Destarte, atendendo aos poderes de investigação autónoma o tribunal deveria admitir a junção porque o documento é relevante pois, tal como Germano Marques da Silva refere, se o tribunal «considerar que o documento é essencial para a descoberta da verdade deve ordenar sempre a sua junção.

    » SEM PRESCINDIR, G. Na douta sentença recorrida foram dados como provados os factos 2, 3, 4, 6, 9 e 10, com o que, salvo o devido respeito, o Recorrente não pode conformar-se. PORQUANTO: H. Em primeiro lugar, em erro de julgamento da matéria de facto incorreu a sentença recorrida ao dar por provado o facto 3 quando devia ter sido dado, como deve agora ser – em remédio da sentença recorrida –, como não provado, na medida em que, o Recorrente não convenceu a Recorrida C... a “subir consigo a sua casa”, pois esta chegou a casa do Recorrente sozinha. Com efeito, para tal basta atentar ao depoimento da testemunha C... a minutos 12:12 a 13:04, gravados na sessão de julgamento de 20/03/2017, que aqui se transcreve: «Magistrada do M.P.: Olhe, e diga-me uma coisa, e esse filme que a senhora visionou no telemóvel da tal dona B... , ele… a situação começava logo imediatamente ou há algum lapso de tempo em que aquilo está a ser gravado sem que haja imagens de relevo dessa natureza? Testemunha: A filmagem, eu vejo na filmagem… eu vejo que ele faz uma chamada, que ele faz uma chamada, esta a falar ao telefone, estaria a falar comigo certamente, na altura eu nesse momento ainda não estaria lá e depois quando eu cheguei lá a casa então… Magistrada do M.P.: Portanto, a senhora viu isso tudo, viu ele a falar consigo e depois vê a senhora a chegar lá… Testemunha: Sim Magistrada do M.P.: A senhora vê-se a chegar lá nessa mensage… nessa filmagem e depois o desenrolar da situação… Testemunha: Todo o desenrolar da situação…» I. Em segundo lugar, em erro de julgamento da matéria de facto incorreu ainda a sentença recorrida ao dar como provado que o Recorrente (em coautoria com a arguida B... ) tinha um plano e que instalou em sua casa um gravador de imagens, estrategicamente virado para a cama, tendo acionado o mecanismo de gravação de imagem, constante do facto 4 dos provados.

  6. Efetivamente, o depoimento da testemunha C... – gravado na sessão de julgamento de 20/03/2017, não faz prova bastante de tal e não permite assim concluir, na medida em que a minutos 12:12 a 13:04, se consegue esclarecer que o mecanismo de gravação de imagem já estava acionado quando o R. convida C... a ir lá a casa, pelo que o mesmo nem saberia com certeza se a mesma iria ou não a sua casa e, como tal, não faria sentido acioná-lo muito tempo antes da sua chegada.

  7. Além disso, na convicção do tribunal, pode-se ler: «(…) (fotos retiradas da gravação de vídeo, onde se vislumbra o arguido a olhar directamente para a câmara que filma, antes do acto, prática do acto, e o local estratégico de colocação do gravador de imagem), que não nos deixam qualquer dúvida sobre a participação do arguido (em conluio com a arguida) em toda a artimanha – que começou com o convite “inocente” do mesmo para a visada ir lá tomar café, para daí passar ao acto sexual (se o arguido não fizesse parte do estratagema porque razão estava o aparelho a gravar imagens precisamente direcionado para o local onde convidou a visada para o acto sexual?) (…)». Todavia, “olhar” para a câmara, principalmente nas circunstâncias em que tudo aconteceu, não significa absolutamente nada.

    L. Depois, o Recorrente pode não ter reparado na câmara, tal como a Recorrida afirma não a ter visto, sendo que para tal basta atentar no depoimento da mesma, nos minutos 13:10 a 14:13, gravado na sessão de julgamento de 20/03/2017, que aqui se transcreve: «Magistrada do M.P.: Olhe e diga me uma coisa, em frente à cama onde os senhores estiveram havia algum móvel, havia alguma…? Testemunha: Tinha a televisão.

    Magistrada do M.P.: Tinha a televisão… Testemunha: Tinha o móvel com a televisão.

    Magistrada do M.P.: E o móvel é alto ou é como? Testemunha: Está assim… como é que eu hei-de dizer, no mesmo plano que a cama, pronto como se estivesse assim… Magistrada do M.P.: Sim, a mesma altura? Testemunha: Sim, sim.

    Magistrada do M.P.: Mas a senhora conseguia ver tudo o que estava em cima desse móvel? Testemunha: Nem reparei, nem estive a observar… se eu tivesse olhado, se fosse uma pessoa que fosse de reparar no que está ou deixa de estar, talvez me tivesse dado conta que estaria ali um telemóvel ou assim.

    Magistrada do M.P.: Tinha de estar numa certa posição o telemóvel, não é? Deitado só não serviria, não sei, a senhora é que sabe o tipo de móvel que tinha à sua frente.

    Testemunha: Sim, eu pronto… não reparei, não olhei para o móvel onde estava a televisão…» M. Relativamente ao local estrategicamente virado para a cama, qualquer pessoa que desconfiasse que o Recorrente e a Recorrida se poderiam envolver (por estes continuarem a relacionar-se) e quisesse tirar proveito disso, não teria outro lugar mais óbvio para colocar o aparelho de gravação de imagem, que não direcionado para a cama.

  8. Relevante, outrossim, é o facto de que quando...

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