Acórdão nº 11/16.4T8FIG.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 17 de Novembro de 2016
Magistrado Responsável | FELIZARDO PAIVA |
Data da Resolução | 17 de Novembro de 2016 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I.
Nos presentes autos de recurso de contra-ordenação foi a arguida/recorrente condenada pelo CENTRO LOCAL DO LIS DA AUTORIDADE PARA AS CONDIÇÕES DO TRABALHO, na coima única de € 6.000,00 pela prática da infracção ao disposto no nº 4 do artº 175º do CT[1], punível como contra ordenação muito grave nos termos das disposições conjugadas dos artigos 175º nº 6, 554º nº 4/c e 561º do CT.
* Inconformada com tal condenação, a arguida dela interpôs recurso para o Tribunal da comarca da Leiria – Inst. Central – Sec. Trabalho – J3, o qual o julgou totalmente procedente.
* Inconformado com esta decisão, o MºPº dela interpôs recurso para esta Relação, formulando na respectiva motivação as seguintes conclusões: 1. A decisão da ACT condenava a arguida na coima de € 6.000,00, por violação do n.º 4 do art.º 175.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro conjugado com o regime previsto no Decreto-Lei n.º 84/97, de 16 de Abril, por permitir a utilização de trabalhador temporário em posto de trabalho particularmente perigoso para a sua segurança e saúde, concretamente a utilização do trabalhador A... , contratado a 17 de Março de 2014, contra-ordenação muito grave, nos termos do n.º 6 do art.º 175.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro.
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Efetuado o julgamento veio a ser proferida sentença que julgou totalmente procedente a impugnação judicial apresentada pela arguida “B... ”, absolvendo-a da prática do ilícito contraordenacional pelo qual a Autoridade Administrativa a havia condenado na apontada coima.
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Em tal sentença conclui a Mmª Juiz que, a interpretação dos normativos legais feita na decisão administrativa, para enquadrar a actividade exercida pelo trabalhador na recolha de RSU, numa “perigosidade elevada”, com integração nas actividades que impliquem exposição a agentes biológicos dos grupo 3 e 4 – susceptíveis de, nos termos do citado art.º 41.º da Lei n.º 3/2004, de 28-01 implicar riscos para o património genético – “nos parece desajustada, para efeitos da sua tipificação como “posto de trabalho particularmente perigoso para a sua segurança e saúde” prevista no art.º 175.º, n.º 4, do C.T.” 4. É com tal entendimento que não concordamos.
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A única questão que suscitamos no presente recurso consiste em saber se a actividade desenvolvida pelo trabalhador temporário em causa no dia 19 de Março de 2014 era particularmente perigosa para a saúde e segurança do mesmo.
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Os comandos normativos invocados terão sempre de ser analisados à luz da ratio que presidiu à incriminação, a qual mais não é do que a constatação estatística de que os trabalhadores com vínculos laborais mais precários apresentam maiores índices de sinistralidade laboral, justamente porque a instabilidade do vínculo não permite a formação específica para determinados tipos de funções que apresentem maior perigosidade.
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Daí o sentido da norma proibitiva em análise.
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Importa, pois, é definir e concretizar o conceito aberto de posto de trabalho particularmente perigoso para a segurança ou saúde do trabalhador.
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Grande parte da defesa da arguida – que a sentença recorrida veio a acolher - baseava-se na contestação de que os resíduos em causa, com os quais o trabalhador contactava, pudessem ser classificados como agentes biológicos do grupo 3 e 4.
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Mas nem o alegado pela arguida, nem a sentença justificam tal entendimento.
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Como se escreveu na referenciada proposta de decisão: “ os resíduos foram devidamente identificados como resíduos sólidos urbanos, cujo produto é composto por uma mistura complexa de sólidos de origem doméstica, comercial e industrial, cuja composição está sujeita a variações constantes e, por vezes, repetidas. E embora a legislação proíba a deposição de materiais perigosos é difícil o seu cumprimento e, quer por descuido, quer intencionalmente, são depositados alguns materiais perigosos (ex: pilhas e lâmpadas fluorescentes), criando problemas especiais e riscos adicionais aos trabalhadores de recolha, transportes e tratamento de resíduos. Por força disto estes encontram-se assim expostos a factores infecciosos, como Bactérias (Enterobactérias; Coccos), Vírus (Enterovírus, Polívirus, Vírus da Hepatite A e B), Fungos, Parasitas e Roedores, podendo desenvolver na sequência da exposição a estes riscos diversas patologias infecciosas como a Leptospirose, Tétano, Brucelose, Raiva, Salmonelose, Dermatoses infecciosas e fúngicas, Tuberculose, Infecções brônquicas, entre outras “.
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É por isso que o Decreto-Lei n.º 84/97, de 16 de Abril, classifica esta actividade como uma das actividades em que os trabalhadores podem estar expostos a agentes biológicos com riscos para a sua saúde.
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E este argumento tem de ser ponderoso para a análise da questão que nos ocupa.
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É bem certo que a Lei não define o que seja posto de trabalho particularmente perigoso para a segurança e saúde do trabalhador - sendo esse um conceito aberto e indeterminado que terá de ser preenchido e concretizado casuisticamente. Mas também não deixa de ser verdade que a concretização deste conceito deve efectuar-se analisando a complexidade e os riscos potenciais da actividade desenvolvida, resultantes quer do modo de execução ou processos técnicos utilizados, quer da perigosidade inerente aos produtos ou substâncias manuseados. - Neste sentido refira-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido no Processo 8135/2003-4, de 10.12.2003.
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E é com base na análise da complexidade e dos riscos potenciais da actividade desenvolvida que entendemos poder ser a actividade em causa classificada como de posto de trabalho particularmente perigoso para a segurança e saúde do trabalhador.
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A lei apesar de não dar uma definição rigorosa daquele conceito, dá-nos caminhos para concretizar o conceito.
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Assim, o aponta o Decreto-Lei n.º 84/97, de 16 de Abril (que transpõe para o direito interno as Directivas n.º 90/679/CEE, do Conselho, de 26 de Novembro, n.º 93/88/CEE, do Conselho, de 12 de Outubro e n.º 95/30/CE, da Comissão, de 30 de Junho), e nomeadamente o seu art.º 2.º e Anexo I, que contem uma lista indicativa de actividades em que os trabalhadores estão ou podem estar expostos a agentes biológicos durante o trabalho, e nelas podemos encontrar o trabalho em unidades de recolha, transporte e eliminação de detritos.
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Nestes termos, o trabalho de recolha de RSU, expõe potencialmente os trabalhadores a vários agentes biológicos, onde podem estar também contidos agentes biológicos perigosos (grupo 3 e 4 listados nas Portarias 405/98 de 11 de Julho e 1036/98 de 15/12, causadores de diversas patologias graves.
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Daí que deva considerar-se o trabalho em causa particularmente perigoso para a segurança e saúde do trabalhador, o que torna ilegal a sua utilização como trabalhador temporário, a não ser que fosse essa a sua qualificação profissional, o que não era o caso pois que não possuía esta qualificação profissional específica.
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Por isso estamos em crer ser defensável e ter apoio legal a tese propugnada pela ACT de que os trabalhadores afectos à recolha de RSU estão potencialmente expostos a riscos biológicos, também do grupo 3 e 4 e que se podem ainda enquadrar na al. f) do art.º 41.º da Lei n.º 3/2014, de 28 de Janeiro que dispõe que: “São susceptíveis de implicar riscos para o património genético os agentes químicos, físicos e biológicos ou outros factores que possam causar efeitos genéticos hereditários, efeitos prejudiciais não hereditários na progenitura ou atentar contra as funções e capacidades reprodutoras masculinas ou femininas, designadamente os seguintes: f) As bactérias da brucela, da sífilis, o bacilo da tuberculose e o vírus da rubéola (rubívirus), do herpes simplex tipos 1 e 2, da papeira, da síndrome de imunodeficiência humana (sida) e o toxoplasma.” 21. O diploma acima mencionado baseia a protecção dos trabalhadores na identificação dos agentes causadores de risco, na possibilidade da sua propagação na colectividade e o tempo de exposição efectiva ou potencial dos trabalhadores, sendo essa a questão fundamental que deve ser ponderada pelo exercício da actividade da arguida.
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E por isso o nº 2 do artº 6º do apontado diploma legal dispõe que: “Nas actividades que impliquem a exposição a várias categorias de agentes biológicos, a avaliação dos riscos deve ser feita com base no perigo resultante da presença de todos esses agentes”.
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Não faz sentido, pois, e nem tem apoio...
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