Acórdão nº 869/10.0TAVIS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 01 de Junho de 2016

Magistrado ResponsávelMARIA JOS
Data da Resolução01 de Junho de 2016
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam em conferência os juízes na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra I. Relatório 1. No âmbito do processo comum coletivo n.º 869/10.0TAVIS, da Comarca de Viseu, Viseu – Inst. Central – Secção Criminal – J1, mediante acusação pública, foi o arguido A...

, melhor identificado nos autos, submetido a julgamento, sendo-lhe, então, imputada a prática de um crime de furto qualificado p. e p. pelo artigo 204.º, n.º 1, alíneas a) e e), com referência ao artigo 201.º, alíneas b) e d), do C. Penal.

  1. Realizada a audiência de discussão e julgamento, no decurso da qual foi comunicada a alteração da qualificação jurídica dos factos, subsumindo-os ao crime de furto qualificado, p. e p. pelas alíneas a) e e) do n.º 2 do artigo 204.º do C. Penal, por acórdão de 30.04.2014, deliberou o Coletivo: Julgar a acusação do Ministério Público parcialmente procedente por provada e, consequentemente: 1) Convolar o crime de furto qualificado, p.p.p artigos 203.º e 204.º, n.º 1, al a) e e) do CP pelo qual o arguido se encontra acusado para um crime de furto qualificado mas previsto pelos artigos 203.º e 204.º, n.º 2, alíneas a) e e) do mesmo diploma.

    2) Condenar o arguido A... , como autor material da prática de um crime de furto qualificado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 203.º, nº 1 e 204.º, n.º 2 alíneas a) e e), por referência ao artigo 202.º alínea b) e d), todos do Código Penal, na pena de três (3) anos e seis (6) meses de prisão.

  2. Não se conformando com o assim decidido recorre o arguido, extraindo as seguintes conclusões: 1.ª A Prova existente nos autos, em particular a reproduzida ou obtida em Audiência de Julgamento não aconselha a condenação do arguido.

    1. A confissão da prática de um crime perante terceiro, sem qualquer prova que a corrobore, não deve servir como prova que sustente a condenação do arguido.

    2. A expressão “não passem por Fagilde porque houve lá um furto e anda lá a GNR” não pode ser considerada como uma confissão.

    3. O depoimento da testemunha B... é vago, nada sabendo do furto, o que sublinha o facto da má interpretação da expressão. Enquanto a testemunha falou voluntariamente, sem indicação ou orientação de resposta, limitou-se a dizer que o arguido lhe disse apenas para não ir para a zona de Prime. Nem sequer disse que entendeu a advertência do arguido como uma “confissão”.

    4. A consideração de valia probatória à testemunha B... , (que contrariamente ao recorrente era na altura autor condenado em vários processos pela prática do crime de furto de cobre) impunha fundamentação adequada na apreciação critica, mesmo que comparativa, com os restantes depoimentos. Não tendo sido prestada tal fundamentação será nula a decisão que considerou tal meio de prova.

    5. O espaço temporal relativo à utilização do telemóvel do arguido não permite colocá-lo no local do crime.

    6. O crime dos autos ocorreu na noite de 17 para 18 de maio de 2010.

    7. A prova por georreferenciação só poderá ser valorada quando suportada por outra prova consistente (visto que é totalmente falível) o que salvo o devido respeito não ocorre no caso concreto.

    8. Os dados fornecidos pelas telecomunicações não são suficientes para colocar o Recorrente no local do furto, em particular à hora do furto.

    9. Não existe qualquer prova de que tivesse sido o Recorrente a cometer o crime, assim como não existe qualquer prova de que detivesse o material furtado nas suas instalações.

    10. Os pais do Recorrente vivem nas imediações das instalações, pelo que e juntando ao facto de os dados de georreferenciação serem falíveis, não é por si só suficiente para o condenar.

    11. O crime de furto pressupõe uma apropriação de bens, o que no caso não é possível provar.

    Crê-se violado o disposto no art.º 203º do CP, artigo 276º, do CPP, artigo 283º, n.º 1 do CPP, artigo 356º, n.º 7, 345.º, n.º 4, artigo 32º, n.º 2, CRP.

    Em cumprimento do disposto no artigo 412.º, n.º 3 do CPP, especifica:

    1. A autoria do crime; o conteúdo das declarações da testemunha B... ; o valor probatório das informações prestadas pela TMN.

    2. Declarações da Testemunha B... , C... e D... ; análise dos documentos apresentados pela TMN: Doc. de fls. 14.

    3. As declarações prestadas pelas testemunhas referidas em b) não sendo possível avaliar o seu conteúdo, sem a audição integral das mesmas (apesar da transcrição parcial feita).

    Termos em que, Dando provimento ao presente recurso e a consequente absolvição do Recorrente, crê que seja reposta a Justiça ao caso.

  3. Foi proferido despacho de admissão do recurso.

  4. Ao recurso respondeu o Exmo. Procurador da República, concluindo: 1. O tribunal a quo fez criteriosa aplicação do princípio da livre apreciação da prova, vertido no art. 127º do Código do Processo Penal, encontrando-se a justificação justamente na fundamentação da matéria de facto, no exame crítico das provas, atendendo a que se pode ler no acórdão criticado toda a estrutura do pensamento que presidiu à criação da convicção por banda dos julgadores.

  5. O acreditar fundamentalmente na testemunha B... não surgiu para aqueles como uma operação puramente subjetiva e emocional. Pelo contrário. O Tribunal a quo acreditou fundamentalmente naquela testemunha, porque a versão dos factos por ele apresentada, quando confrontada com os demais elementos de prova, designadamente do que resultou das informações das operadoras de telemóvel, se mostrou sustentável, racional e lógica.

  6. Baseando-se o tribunal a quo, fundamentalmente em dois argumentos probatórios para firmar a condenação do arguido, o recorrente tenta descredibilizar cada um daqueles fundamentos em si mesmo considerados, como se nada mais existisse em termos probatórios, esquecendo, por completo, o efeito corroborante que, desde logo, cada um daqueles fundamentos tem em relação ao outro.

  7. A “confissão” que o arguido efetuou à testemunha B... não é uma mera interpretação e conclusão da própria testemunha, a que o mesmo chegasse por ter sido orientada pelas instâncias, pois não se pode esquecer, desde logo a forma como se iniciou tal depoimento, no âmbito do qual, a testemunha em causa indicou espontaneamente, sem qualquer tipo de sugestão, quem tinha sido o autor do furto e a correspondente razão de ciência para essa afirmação.

  8. É evidente o esforço (diríamos inglório!) por parte da defesa em tentar dar um sentido e uma significação às declarações da testemunha, de acordo com a sua própria interpretação ou conveniência de participante processual, não tendo, todavia, outra alternativa senão a de se conformar com as respostas que aquele acabou por dar com toda a segurança e firmeza, corroborando assim o diálogo que manteve com o arguido, no âmbito do qual este lhe confessou ter sido o autor do furto, revelando ampla solidez e convicção nas respostas, utilizando expressões, como por exemplo “se tou a dizer que disse é porque disse!” e “ele disse para mim que tinha sido ele e não vou mentir!”.

  9. É justamente a circunstância da testemunha B... já ter sido julgada e condenada pela prática de crimes que, entre outras razões, dá consistência e verosimilhança ao seu depoimento, na justa medida em que traduz um conhecimento privilegiado das rotinas e hábitos do arguido.

  10. Sejam quais forem as contradições e incongruências que o recorrente procure encontrar nas declarações da testemunha B... , certo é que a mesma prestou em audiência de discussão e julgamento um depoimento seguro e objetivo, realizado com toda a serenidade, e no âmbito do qual relatou a conversa que tinha tido com o arguido, que lhe confessou, sem margem para qualquer tipo de dúvida, ter sido ele o autor dos factos, a merecer, portanto, toda a credibilidade, por estar, aliás, totalmente em conformidade com a demais prova produzida em julgamento (informações das operadoras de telemóvel, devidamente conexionadas com os elementos extraídos do processo n.º 94/10.0GDCBR da comarca da Pampilhosa da Serra), em conjugação com a qual foi possível alcançar em termos harmónicos a reconstituição do facto histórico.

  11. O depoimento da testemunha B... , o qual relatou o que o arguido lhe havia contado não pode deixar de ser valorado como meio de prova, não obstante o arguido se ter abrigado no seu direito ao silêncio, atendendo a que se impõe concluir que o artigo 129º, nº 1 (conjugado com o artigo 128º, nº 1) do Código de Processo Penal, deve ser interpretado no sentido de que o tribunal pode valorar livremente os depoimentos indiretos de testemunhas que relatem conversas tidas com um arguido que, chamado a depor, se recusa a fazê-lo no exercício do seu direito ao silêncio e, ainda, que tal interpretação não atinge, de forma intolerável, desproporcionada ou manifestamente opressiva, o direito de defesa do arguido.

  12. A incriminação resultante do depoimento do que se ouvir dizer do arguido, não foi o único meio de prova que o tribunal a quo se socorreu para dar como provada a autoria do furto por parte do arguido, existindo ainda outros elementos de prova corroborantes, tais como a informação resultante do cruzamento de dados relativos à localização celular e registo de trace-back dos telemóveis do arguido no período temporal em que ocorreu o furto e aqueles provenientes dos levantamentos de georreferenciação no local onde o furto ocorreu que, devidamente conjugada com o depoimento da testemunha E... (então companheira do arguido) e com os elementos extraídos do processo n.º 94/10.0GDCBR da comarca da Pampilhosa da Serra, permite colocar o arguido, sem margem para grandes dúvidas, no local e madrugada em que ocorreu o furto.

  13. É totalmente infrutífera e falaciosa a tentativa do arguido, ora recorrente, em querer antecipar por 24 h. a ocorrência do furto (madrugada do dia 18, em vez da madrugada do dia 19, conforme ficou provado), com apoio numa informação de serviço da Polícia Judiciária (cf. fls. 14), cuja data e hora (18.05.2010, pelas 9h15m) se deve a manifesto lapso, desde logo porque em oposição com os demais elementos dos autos como sejam, não só o relatório...

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