Acórdão nº 436/14.0GBFND.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 09 de Março de 2016

Data09 Março 2016
ÓrgãoCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na 4ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra I – RELATÓRIO 1.

Nos autos de instrução n.º 436/14.0GBFND que correm termos no Tribunal Judicial da Comarca de Castelo Branco – Fundão – Instância Local – Secção Criminal – J1 foi proferido despacho de não pronúncia do arguido A..., no termo da instrução requerida pelo assistente B... – visando a pronúncia do arguido pela prática, como autor material e na forma tentada, de um crime de homicídio – face ao despacho de arquivamento proferido pelo Ministério Público, nos termos do n.º 2 do artigo 277.º do Código de Processo Penal.

  1. Inconformado com a decisão instrutória, dela interpôs recurso o assistente, concluindo a motivação nos seguintes termos (transcrição): «1ª- O assistente participou os factos constantes de fls. 3, 4 e 8 dos autos, que ocorreram no exercício da sua profissão de Advogado.

    1. - Tais factos, resumidamente, consistem no seguinte: no dia 24.10.2014, pelas 11:35, o assistente deslocou-se á propriedade de um cliente seu, sita na Estrada da Pola, Peroviseu, concelho do Fundão, com o intuito de resolver de forma extra judicial uma questão de canalização de águas, tendo entrado no prédio do arguido com a autorização da companheira deste, com o qual pretendeu falar.

    2. - A determinada altura da conversa que mantinha com o arguido e sem que nada o fizesse prever, este sentou-se no tractor, que tinha atrelado um arado e iniciou de forma brusca e repentina a marcha atrás em direcção ao assistente, com a intenção de o atropelar, o que só não conseguiu em virtude deste ter dado um salto para o lado esquerdo, desviando-se assim do tractor.

    3. - Os factos participados ocorreram no local, data e hora supra referidos e na presença de duas testemunhas, C... e D... , os quais, tendo sido inquiridos a fls 16 e 17, 18 e 19, respectivamente, confirmaram a essencialidade da versão do assistente.

    4. - A versão dos factos apresentada pelo assistente foi corroborada por duas testemunhas, cuja presença no local e veracidade dos depoimentos não foi posta em crise.

    5. - O Tribunal recorrido, porém, decidiu não pronunciar o arguido, entendendo que existem duas versões contraditórias: a do assistente e a da companheira do arguido.

    6. - Entendeu ainda o Tribunal a quo que, “a discrepância de versões (…) leva-nos à mesma concreta posição defendida pelo M.P. no final do inquérito, não havendo razões para que, de modo objectivo, se possa dar maior credibilidade aos depoimentos em primeiro lugar referidos em detrimento do último mencionado”.

    7. - Não sendo feita no despacho de não pronúncia qualquer alusão, por mais pequena que seja, à falta de credibilidade ou à existência de dúvidas ou contradições insanáveis nas declarações do ofendido e nos depoimentos das duas testemunhas que o acompanhavam e que presenciaram e narraram os factos, não basta para afastar a existência de “indícios suficientes de prova” dos quais resulte um juízo de prognose do qual se extraia ser mais provável a futura condenação do arguido do que a sua absolvição, que os autos contenham a “versão” de uma outra testemunha (companheira do arguido) que, confirmando embora a presença no local do assistente e das testemunhas, se limita a negar a tentativa do atropelamento.

    8. - Consideram-se “indícios suficientes” nos termos e para os efeitos previstos no artigo 308º, nº 1, do CPP as declarações do assistente, corroboradas por duas testemunhas que presenciaram os factos, mesmo quando os mesmos não são totalmente confirmados por uma testemunha indicada pelo arguido.

    9. - In casu, o depoimento de uma só testemunha, que é a companheira do arguido, não pode ter uma valoração tal, ao ponto de servir de fundamento à total desconsideração que, sem mais, o Mº Pº e o Tribunal a quo conferiram às declarações do ofendido/assistente e aos depoimentos de duas testemunhas que se encontravam no local no momento da prática dos factos e que os presenciaram.

    10. - Os autos contêm, pois, indícios suficientes de que os factos ocorreram nos moldes descritos pelo assistente na participação e no requerimento de abertura de instrução.

    Nestes termos e com base no que acima se deixa alegado e propugnado deve ser dado provimento ao recurso, revogando-se o douto despacho recorrido e, consequentemente, pronunciar-se o arguido A... pela prática de um crime de homicídio na forma tentada, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 22º, 23º, 131º e 132º n.º 2, alínea l) do Código Penal, tudo com as legais consequências, assim sendo feita, uma vez mais, Justiça!» 3. O Ministério Público junto do tribunal recorrido respondeu ao recurso, formulando no termo da contramotivação as seguintes conclusões (transcrição): «1. Não existe nenhum motivo de facto e de direito para dar valor às declarações do assistente e das testemunhas C... e D... ; 2. A existirem aqueles motivos, será, precisamente, em sentido contrário, dado que também eles são marido e mulher e têm litígio com o arguido; 3. Existe contradição insanável, porque insuperável, entre o depoimento da mulher do arguido e das testemunhas C... e D... , e da demais prova produzida, não existem outros indícios que apontem a versão do assistente como a mais provável, bem pelo contrário; 4. Existindo dúvida séria e inultrapassável, como é o caso dos autos, é necessário lançar mão do princípio do in dubio pro reo; 5. Os indícios recolhidos não permitem fazer um pré juízo favorável a uma forte possibilidade de o arguido ser condenado; 6. Por outro lado, não existe um único indício que aponte para a vontade de matar do arguido, nem esse era o sentimento do assistente até ao arquivamento dos autos; 7. Não é crível a versão do assistente face à realidade normal dos eventos, e mesmo a considerar-se tal hipótese, não concretizada nos autos, não existem atos de execução de acordo com o disposto no artigo 22.º, n.º 1 e n.º 2, alíneas b) e c), do Código Penal; 8. Não foi violado nenhum preceito legal; 9. O arguido não deverá ser pronunciado, fazendo-se JUSTIÇA.» 4. Nesta Relação, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta, na intervenção a que se refere o artigo 416.º do Código de...

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