Acórdão nº 205/13.4GACNF.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 07 de Dezembro de 2016
Data | 07 Dezembro 2016 |
Órgão | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam, em conferência, os Juízes da 5ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra: I. Relatório:
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No âmbito do processo comum (tribunal singular) n.º 205/13.4PBCBR que corre termos no Tribunal da Comarca de Viseu – Cinfães – Secção de Competência genérica – J1, foi proferida Sentença em 26/4/2016, cujo Dispositivo é o seguinte: “V. DISPOSITIVO Da parte penal Pelo exposto, decide-se: a) Condenar o arguido A... , pena de 02 (dois) anos e 02 (dois) meses de prisão efetiva, pela prática de um crime de ofensa à integridade física grave, previsto e punível pelos artigos 143.º, n.º 1 e 144.º, alínea b), do Código Penal.
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Condenar o arguido no pagamento das custas processuais a que deu causa, fixando-se a taxa de justiça em 04 (quatro) UC, cfr. artigos 513.º e 514.º do Código de Processo Penal, e artigo 8.º, n.º 9 e Tabela III do Regulamento das Custas Processuais.
* Da parte civil Decide-se julgar totalmente procedente a ação cível, e, em consequência: c) Condenar o arguido/demandado civil no pagamento ao demandante civil das seguintes quantias: - €1.000,00 (mil euros), a título de danos patrimoniais, acrescida de juros de mora à taxa de 4%, contados desde a data da notificação para contestar o pedido de indemnização civil (24.01.2016), e até efetivo e integral pagamento.
- €20.000,00 (vinte mil euros), a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora à taxa de 4%, contados desde a data da prolação desta sentença, e até efetivo e integral pagamento.
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Custas na instância cível a cargo do arguido/demandado civil, cfr. artigo 4.º, n.º 1, alínea n), do Regulamento das Custas Processuais.
(….) **** B) Inconformado com a decisão recorrida, dela recorreu, em 1/6/2016, o arguido, pedindo a sua revogação, extraindo da motivação as seguintes Conclusões: 1 - Pratica o crime de ofensa à integridade física GRAVE, “quem ofender o corpo ou a saúde de outrem de forma a (...) tirar-lhe ou afetar-lhe, de maneira grave, a capacidade de trabalho, as capacidades intelectuais, de procriação ou de fruição sexual, ou a possibilidade de utilizar o corpo, os sentidos ou a linguagem”. – artº 144 al b) do CP.
2 - O crime de ofensa à integridade física grave surge na lei penal como um delito qualificado pelo resultado, que, pelo resultado a que conduz, apresenta uma ilicitude mais grave, do que a correspondente ao tipo fundamental, a ofensa à integridade física simples. O bem jurídico protegido é a integridade física do ofendido, pretendendo-se evitar determinadas formas de agressão particularmente graves descritas de forma exaustiva no corpo do artº 144 do CP.
3 - No preenchimento da alínea b) do indicado normativo, à impossibilidade de utilizar o corpo terá desde logo que se reconhecer autonomia em relação à perda ou privação de órgão ou membro, à incapacidade de trabalho ou à privação da possibilidade de utilizar os sentidos. Trata-se de uma noção de carácter eminentemente funcional, pelo que ao seu preenchimento não basta inclusivamente a perda de um órgão no sentido utilizado pela alínea a) deste tipo legal, se as funções por este desempenhadas no quadro geral do organismo humano continuam a ser asseguradas.
4 - Relativamente à incapacidade de trabalho ou à privação da possibilidade de utilizar os sentidos, a distinção far-se-á, quanto à primeira das capacidades referidas porque não estamos aqui perante um conceito de significado puramente económico, e quanto à segunda porque se trata de uma noção mais abrangente. Há a perda de um sentido (audição, vista, olfato, tato ou paladar) quando se verifica a privação absoluta do mesmo sentido.
5 - O que no caso vertente não se verificou.
6 - As lesões e sequelas que advieram ao ofendido não cabem na previsão do estatuído na alínea b) do artigo 144º do CP, antes da forma simples do tipo legal de crime sob apreciação.
7 - Condenando o arguido nos termos constantes da douta sentença recorrida, fez o Tribunal errada qualificação jurídica dos factos, devendo, por consequência, ser o arguido condenado pelo crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143º do CP.
8 - O art. 71.º do CP estabelece o critério da determinação da medida concreta da pena, dispondo que a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.
9 - As imposições de prevenção geral devem, pois, ser determinantes na fixação da medida das penas, em função da reafirmação da validade das normas e dos valores que protegem, para fortalecer as bases da coesão comunitária e para aquietação dos sentimentos afetados na perturbação difusa dos pressupostos em que assenta a normalidade da vivência do quotidiano.
10 - Porém, tais valores determinantes têm de ser coordenados, em concordância prática, com outras exigências, quer de prevenção especial de reincidência, quer para confrontar alguma responsabilidade comunitária no reencaminhamento para o direito do agente do facto, reintroduzindo o sentimento de pertença na vivência social e no respeito pela essencialidade dos valores afetados.
11 - À data da prática dos factos, o Recorrente vivia sozinho numa casa abandonada; mas presentemente os familiares dispõem-se a tudo fazer para o recuperar para o seio da família e da sociedade; Na audiência de discussão e julgamento, mostrou uma postura de humildade e arrependimento sinceros, consternação pela sua conduta e sofrimento que provocou ao ofendido e a vergonha provocada nos seus familiares que considera pessoas de bem.
12 - Assumiu a gravidade dos factos por si praticados, verbalizando o reconhecimento da necessidade de mudar de vida; Atualmente, o Recorrente, apresenta uma forte censura quanto ao crime que praticou e apresenta-se consciente das consequências que daí advêm, o que mostra a possibilidade de um juízo de prognose favorável à sua reintegração na sociedade; É intenção do Recorrente integrar o agregado familiar do seu irmão e desta forma possibilitar a sua reorganização e estabilidade familiar.
13 - Tendo em conta os factos que se desenrolaram e que se encontram provados nos presentes autos, o percurso de vida do arguido muito ligado ao consumo de álcool, que consome há vários anos, mantendo mesmo assim hábitos de trabalho que o conseguiram manter fora da criminalidade durante vários anos, altura em que a sua dependência atingiu um grau elevado e consequentemente um desvio no seu comportamento, levando-o à prática dos ilícitos em apreço, o que não nos permite falar em personalidade tendencialmente criminosa, mas antes numa fragilidade comportamental que o mesmo não soube superar; relevando o facto do arguido se manter abstinente e ter tido consciência suficiente para perceber que necessita de ajuda para procurar libertar-se de forma consistente da dependência de que sofre, mostrando vontade de inverter o seu percurso de vida e tornar-se um cidadão válido e aceite socialmente, tudo ponderado, entende-se adequado a satisfazer as finalidades da punição, entre elas a da ressocialização do arguido, condená-lo em pena de prisão, suspensa na sua execução.
14 - Valorando o ilícito perpetrado, ponderando em conjunto os factos e personalidade do arguido, tendo em conta a gravidade dos factos, e sua reiteração ocasional, a personalidade do arguido projetada nos factos e perspetivada por eles, que demonstra que os ilícitos resultam de atuação pluriocasional e não de tendência criminosa, as exigências de prevenção geral sentidas, as exigências de prevenção especial de forma a dissuadir a reincidência, os efeitos previsíveis da pena aplicar, no comportamento futuro do arguido, e, sem prejuízo do limite da culpa que é intensa, a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidade da punição, a merecer suspensão da execução da pena, nos termos do artº 50º nº 1 do CP, desde que subordinada às condições de não consumir álcool, não praticar atividades ilícitas e submeter-se à fiscalização dos Serviços de Reinserção Social, nos termos do artº 51º nºs 1 e 4 do CP.
15 - O Tribunal fez incorreta aplicação do preceituado nos artigos 71º e 50º do Código Penal, violando-os.
**** O recurso, em 8/6/2016, foi admitido.
**** C) O Ministério Público respondeu, em 1/9/2016, ao recurso, defendendo a sua improcedência e apresentando as seguintes conclusões: 1. A douta sentença proferida nos autos que condenou o recorrente A... como autor material de um crime de ofensa à integridade física grave encontra-se devidamente fundamentada de facto e de direito, não merecendo qualquer censura.
2. O tribunal a quo procedeu a uma correta qualificação jurídica da factualidade dada como provada.
3. A matéria de facto dada como provada na sentença ora posta em crise mostra-se suficiente e adequada para conduzir necessariamente à condenação do arguido, já que ressalta da matéria fáctica que o arguido preencheu com a sua conduta todos os elementos típicos do crime de ofensa à integridade física grave, p. e p. pelo artigo 144.º, alínea b), do Código Penal.
4. A conduta perpetrada pelo arguido atingiu a ofensa à integridade física do assistente, afetando-lhe de forma grave e permanente a possibilidade de utilizar o sentido da visão, provocando-lhe uma diminuição significativa da acuidade visual em 5/10 (50%) do olho direito.
5. A medida concreta da pena aplicada pelo tribunal a quo nenhuma censura merece, tendo a mesma sido fixada de acordo com as exigências de prevenção geral e especial e tendo como limite máximo a culpa do arguido.
6. Considerando que o recorrente havia sido já condenado por diversas vezes, em data anterior à dos factos, e, nomeadamente...
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