Acórdão nº 190/12.0GAVZL.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 28 de Setembro de 2016

Magistrado ResponsávelALCINA DA COSTA RIBEIRO
Data da Resolução28 de Setembro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)
  1. RELATÓRIO 1.

Em 9 de Dezembro de 2013, foi proferido despacho que rejeitou a acusação particular deduzida pelo assistente, A...

, contra a arguida, B...

, a quem imputa a prática de um crime previsto e punido pelo artigo 181º e 182º, ambos do Código Penal, nos seguintes termos: «(…) Dispõe o artigo 311.º, n.º 2, al. a) do CPP, o seguinte: "Se o processo tiver sido remetido para julgamento sem ter havido instrução, o Presidente despacha no sentido de rejeitar a acusação se a considerar manifestamente infundada"; sendo que, a acusação considera-se manifestamente infundada quando não contenha a narração dos factos – al. b) do n.º 3 do referido preceito processual.

Por seu turno, a respeito da acusação, determina o artigo 283.º do CPP, aqui aplicável ex vi artigo 285.º/3 do CPP, que a acusação contém, sob pena de nulidade, a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena (...) incluindo, se possível, entre outros aspetos, o lugar da sua prática. (sublinhado nosso).

Volvido o texto da acusação particular e assim aos factos aqui imputados à arguida B... , resulta que na mesma não se encontra referenciado o local da sua prática fazendo-se referência, tão-só, a "numa propriedade sua denominada Fontanheira" (sic), desconhecendo-se a localização da referida propriedade, a qual, ademais, é passível de ser concretizada.

Somos, assim, a entender estar a acusação particular ferida de nulidade, e não tendo a instrução decorrida, versado sobre tais factos, nos termos das normas referidas, não admito a mesma.

Notifique».

  1. Notificado desta decisão, arguiu o assistente a nulidade, nulidade essa que foi indeferida por despacho de fls. 285.

  2. Discordante do decidido em 1 e 2, recorre o assistente, formulando as Conclusões que se sintetizam: 3.1. Contrariamente ao referido na sentença, a acusação particular contém o local da ocorrência dos factos, ainda que de forma imperfeita.

    3.2. Porém, o local é claramente identificável, desde logo, porque no despacho de pronúncia pelo crime de dano, consta que propriedade se situa no Lugar da Fontanheira, em Quinta de Queirã, Vouzela.

    3.3. Com o requerimento de abertura de instrução foi junta a certidão do teor matricial da dita propriedade, onde consta expressamente a sua localização.

    3.4. A localização dos factos na acusação não constitui um elemento essencial da acusação, cuja falta seja cominada com nulidade.

    3.5. Não se pode confundir narração de factos do tipo de crime com a indicação imperfeita de apenas um facto atinente às coordenadas geográficas; 3.6. A nulidade invocada pelo tribunal depende de arguição, estando vedado ao tribunal o seu conhecimento oficioso; 3.7. Não tendo tal nulidade sido arguido, encontrava-se sanada, nos termos do artigo 283º, n º 3, do Código de Processo Penal.

    3.8. Não poderia, pois, o tribunal recorrido rejeitar a acusação particular, sob pena de violação do disposto nos artigos 119º a 121º, 283º, nº3, al. B) e 311º, todos do Código Processo Penal.

    3.9. A falta de concretização de uma forma mais especificada da localização da prática dos factos em nada afectou as garantias de defesa da arguida, uma vez que a indicação feita nesta acusação conjugada com os demais elementos constantes dos autos, permitiu-lhe ter plena consciência da localização geográfica especifica.

    3.10. E, tando assim é, que a arguida nada invocou a este respeito, nem tampouco pôs em causa a validade da acusação particular.

    3.11. O despacho em crise, ao não ter reconhecido e declarado a nulidade do despacho que rejeitou a acusação particular violou o disposto nos artigos 119º a 121º; 283º, nº 3, al. B) e 311º, todos do Código Processo Penal.

  3. Respondendo, defende o Ministério Público em primeira instância, a procedência do recurso.

  4. Por sentença proferida em 11 de Junho de 2014, foram os arguidos, D... e B... , absolvidos da prática de um crime de dano previsto e punido pelo artigo 212, nº 1, do Código Penal.

    6 – Inconformado com esta absolvição, dela recorre a assistente, formulando as seguintes Conclusões: 1) « O presente recurso vem interposto de decisão que julgou: “… improcedente, por não provada, a pronúncia deduzida contra os arguidos C... e B... , em consequência do que” absolveu-os “da prática do crime de dano, previsto e punido pelo artigo 212.º, n.º 1 do Código Penal, pelo qual vinham pronunciados… improcedente o pedido de indemnização civil deduzido pelo assistente C... contra os arguidos, em consequência do que” absolveu-os do mesmo.

    2) O ora recorrente considera incorrectamente julgado os factos não provados do ponto II, descritos nas als. a) a e), por ter havido erro na apreciação da prova, pelo tribunal “a quo”, dos mesmos.

    3) Isto porque, a prova têm de ser vista como um todo, e não como uma soma de partes.

    4) Salvo o devido respeito, o recorrente entende que, face ao Certificado do registo criminal actualizado de ambos os arguidos; às declarações do arguido – D... – depoimento gravado no CD, com o ficheiro 20140506114549_18084_65357, iniciando-se pelas 11.45.50 horas e terminando pelas 11.56.09 horas (da audiência de discussão e julgamento do dia 06-05-2014); às declarações da arguida - B... – depoimento gravado no CD, com o ficheiro 20140508104226_18084_65357, iniciando-se pelas 10.41.47 horas e terminando pelas 10.52.54 horas (da audiência de discussão e julgamento do dia 08-05-2014) e gravado no cd 20140604152018_18084_65357 da audiência de discussão e julgamento do dia 04-06-2014); às declarações do assistente – C... – depoimento gravado no CD, com o ficheiro 20140506120912_18084_65357, iniciando-se pelas 12.09.13 horas e terminando pelas 12.40.15 horas (da audiência de discussão e julgamento do dia 06-05-2014); ao depoimento da testemunha I... – depoimento gravado no CD, com o ficheiro 20140508105254_18084_65357, iniciando-se pelas 10.52.55 horas e terminando pelas 11.21.57 horas (da audiência de discussão e julgamento do dia 08-05-2014); ao depoimento da testemunha H... – depoimento gravado no CD, com o ficheiro 20140508112324_18084_65357, iniciando-se pelas 11.21.58 horas e terminando pelas 12.01.14 horas (da audiência de discussão e julgamento do dia 08-05-2014); ao depoimento da testemunha F... – depoimento gravado no CD, com os ficheiros 20140508120749_18084_65357 e 20140508123553_18084_65357, iniciando-se pelas 12.01.57 horas e terminando pelas 12.06.51 horas (da audiência de discussão e julgamento do dia 08.05.2014); ao depoimento da testemunha G... – depoimento gravado no CD, com o ficheiro 20140508123954_18084_65357, iniciando-se pelas 12.39.55 horas e terminando pelas 12.51.52horas (da audiência de discussão e julgamento do dia 08.05.2014); e às fotografias juntas a fls. 122 a 149, tais factos deveriam ter sido dados como provados.

    (…) 5) A livre convicção tem de ser uma valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, da experiência e dos conhecimentos científicos, que permita objectivar a apreciação.

    6) Ora, a apreciação livre da prova não se confunde com a apreciação arbitrária da prova, nem com a mera dúvida gerada no espírito do julgador pelos diversos meios de prova, trata-se sim de uma liberdade de decidir segundo o bom senso e a experiência da vida, temperados pela capacidade crítica de distanciamento e ponderação, que o Prof. Castanheira Neves apela de “liberdade para a objectividade.

    7) Assim, no caso sub judice, a douta fundamentação é, salvo o devido respeito, irrazoável, já que ficou demonstrado que, à luz das regras da experiência, a prova deveria ter sido valorada no sentido de condenação dos arguidos – no crime e no inerente pedido de indemnização civil - em virtude da culpabilidade que foi provada, não havendo espaço para que a livre convicção fosse no sentido de aplicar o principio in dubio pro reo.

    8) Assim, o tribunal não fundamentou devidamente, salvo o devido respeito por douta opinião contrária, a sua decisão, violando o princípio da livre apreciação da prova, previsto no art. 127º do CPP, sendo consequentemente nula, nulidade esta que expressamente se invoca para os devidos efeitos legais» 7.

    A Ex.ma Senhora Magistrada do Ministério Público, em primeira instância e o arguido, em resposta ao recurso, defendem a manutenção da decisão recorrida.

  5. Nesta Relação, o Digno Procurador – Geral Adjunto pronuncia-se pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso.

  6. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2 do CPP, realizado o exame preliminar e colhidos os vistos, cumpre, agora, decidir.

    II – THEMA DECIDENDUM Sabido que, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, o objecto do recurso é delimitado pelas Conclusões do Recorrente, são as seguintes as questões a decidir: 1. Recurso Intercalar: · Nulidade da acusação; · Nulidade do despacho que rejeitou a acusação.

  7. Recurso Decisão Final · Nulidade de sentença · Erro notório na apreciação da prova · Impugnação da decisão sobre a matéria de facto; III – A DECISÃO RECORRIDA A primeira instância decidiu a matéria de facto, como segue: «Da discussão da causa, resultaram provados os seguintes factos: 1. No dia 26/08/2012, cerca das 08h00/ 08h30m, o assistente C... deslocou-se a um terreno da sua propriedade sito no lugar de Fontanheira, em Quintela, Queirã.

  8. O arguido D... é oriundo do meio rural, tendo, precocemente, começado a trabalhar, auxiliando os pais nas tarefas agrícolas. Emigrou durante 20 (vinte) anos para a Alemanha, apoiando financeiramente a mulher e o filho que ficaram a residir em Portugal. O filho prosseguiu os estudos e concluiu o curso superior de engenharia. Há 6 (seis) anos regressou definitivamente a Portugal, está reformado e dedica-se à agricultura para subsistência. É uma pessoa bem integrada na comunidade onde vive.

  9. O arguido D... não tem antecedentes criminais.

  10. A arguida B... , é doméstica, oriunda de um agregado familiar sócio-económico e cultural carenciado, sendo a mais nova de quatro irmãos. A sua situação económica melhorou quando o seu marido...

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