Acórdão nº 188/16.9T9LRA-A.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 10 de Janeiro de 2018

Magistrado ResponsávelLU
Data da Resolução10 de Janeiro de 2018
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam em conferência na 4ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra No âmbito do processo acima identificado, foi proferido o despacho que passamos a transcrever na parte relevante: “(…) O assistente [A...] veio requerer a abertura de instrução reagindo assim ao despacho de arquivamento proferido pelo Ministério Público.

(…) Impõe-se, pois, apreciar e decidir se o requerimento apresentado para a abertura de instrução cumpre os requisitos exigidos para ser admitido nos autos.

(…) Ora, no caso concreto pretende a assistente que seja proferido despacho de pronúncia por entender que existem indícios da prática de crime de burla qualificada p. e p. pelos artigos 217º, nº. 1; 218º e artigo 202º, al. b) todos do Código Penal. Ora, sendo a instrução requerida pelo assistente impunha-se ao mesmo que no requerimento de abertura de instrução fizesse constar uma narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, a indicação do lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação do arguido e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada.

(…) Da leitura do requerimento apresentado pelo assistente verifica-se que no mesmo se faz constar uma análise do despacho de arquivamento, manifestando a sua discordância. No entanto e no que concerne à descrição dos factos que estiveram subjacentes ao surgimento de um documento intitulado de “declaração de divida, no montante total de €150.000, 00 com data de 23 de Outubro de 2006” os mesmos foram já objecto do julgamento que foi realizado no processo comum colectivo nº. 522/06.0 JALRA, onde era arguido C... , cuja certidão do Acórdão se encontra unto aos autos a fls. 56 e ss. Assim e nesta parte impunha-se o arquivamento dos autos nos termos determinados pelo MP e por força do princípio ne bis in idem. No que concerne aos factos alegados pelo assistente e que justificam o aparecimento de uma segunda declaração de dívida, datada de 20 de Outubro de 2006 e na qual consta que “ A... e B... … declaram ter uma divida para com o Sr. C... … no montante de € 501.714, 00 “tal factualidade encontra-se descrita na acusação deduzida pelo Ministério Publico tendo sido proferida acusação contra o arguido e pela prática de crime de falsificação de documento. Entende o assistente que deverá o ser pronunciado pela prática de crime de burla qualificada. No que concerne ao crime de burla importa considerar que dispõe o artigo 217º do Código Penal que: “1- Quem, com intenção de obter para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo, por meio de erro ou engano sobre factos que astuciosamente provocou, determinar outrem à prática de actos que lhe causem, ou causem a outra pessoa, prejuízo patrimonial é punido com a pena de prisão até três anos ou com pena de multa.”. Ora, para se determinar se se verificam, ou não indícios suficientes da prática de crime de burla, necessário se torna verificar se o arguido utilizou algum “meio enganoso tendente a induzir a assistente num erro que, por seu turno, a levou a praticar actos de que resultaram prejuízos patrimoniais próprios ou alheios”. Mais necessário se torna verificar se esse meio enganoso consubstancia a causa efectiva da situação de erro em que se encontrou a assistente. Ora não consta do requerimento de abertura de instrução a descrição de factos (natureza objectiva e subjectiva) que permitam imputar ao arguido a prática de crime de burla. Analisando a factualidade descrita pela assistente verifica-se que a actuação do denunciado não constitui uma actuação que revele astúcia. Não consta do requerimento de abertura de instrução a descrição de factos integradores de um comportamento astucioso ou ardiloso praticado pelo arguido e que tenha sido em consequência dessa astúcia ou ardil que o assistente tenha praticado actos que lhe causaram um prejuízo de natureza patrimonial. Sendo de referir que essa astúcia ou ardil tem de ser determinante para a prática dos actos por parte da vítima e determinante de um prejuízo para a mesma. Do requerimento apresentado pelo assistente consta a descrição de factos que na sua opinião traduzem um clima de medo e de temor em que o assistente vivia, sendo ainda referido que essa vulnerabilidade era conhecida do arguido e que o mesmo aproveitando-se dessa situação e usando ainda de “logros” e de ameaças (perda de bens, processos judiciais) determinou que o assistente assinasse documentos em branco, para posteriormente transformar um deles na declaração referida, nela forjando e apondo na mesma os dizeres que dela constam, para a usar como um titulo executivo e conseguir desta forma penhorar os bens do assistente.” Ora tal factualidade não integra a prática de crime de burla, uma vez que o assistente não descreve factos integradores de um comportamento astucioso ou ardiloso praticado pelo arguido e que tenha sido em consequência dessa astúcia ou ardil que o assistente tenha praticado actos que lhe causaram um prejuízo de natureza patrimonial. Face ao exposto, verifica-se que o requerimento de instrução é omisso no que concerne à narração de factos indispensáveis à responsabilização criminal do arguido. Ou seja, a assistente não delimitou no requerimento apresentado para a abertura de instrução os factos que seriam objecto de apreciação em sede de instrução com o rigor que se impunha. Sendo que como já se deixou exposto tal exigência se impõe em nome de princípios fundamentais do processo penal, nomeadamente o direito de defesa e a estrutura acusatória do processo penal. Importa ainda sublinhar que no caso não há lugar a qualquer convite para aperfeiçoamento do RAI e na sequência da Jurisprudência fixada pelo Ac nº. 7/2005, de 12 de Maio de 2005, publicado no Diário da República, I Série – A, nº. 212, de 4 de Novembro de 2005, nos termos da qual o convite ao aperfeiçoamento contende com o princípio das garantias de defesa do arguido, consagrado no art. 32º, nº. 1 da CRP. Com efeito a apresentação do requerimento da assistente para a abertura da instrução para além do prazo previsto no art. 287º do CPP violaria as garantias de defesa do arguido, pois estabeleceria um novo prazo para a abertura de instrução, sendo que tal se aplica aos casos em que há total omissão da narração dos factos, como quando a omissão é apenas parcial. Pelo exposto, não se pode considerar como válido o requerimento apresentado para a abertura de instrução, já que o mesmo não respeita o disposto no art.º 283º, n.º 3, alínea b) do Código de Processo Penal, aqui aplicável por remissão do n.º 2 do art.º 287º do mesmo diploma legal. Pelo exposto, rejeita-se por inadmissibilidade legal o requerimento apresentado para a abertura de instrução pelo assistente (art. 287º, nº. 3 do CPP).” Inconformado, o assistente recorreu. Apresentou as seguintes conclusões: “A. O presente recurso é interposto do douto despacho proferido pela Meritíssima Senhora Juiz de Instrução do Juízo de Instrução Criminal de Leiria – Juiz 3 da Comarca de Leiria, queentendeu não constar do seu requerimento de abertura de instrução a descrição de factos que permitam imputar ao arguido a prática de crime de burla, em virtude de, da análise da factualidade descrita pelo assistente, se verificar que a actuação do denunciado não revela astúcia.

  1. Decidiu a Mma. Juiz a quo, fazendo um juízo de prognose póstuma, que não constavam do requerimento em questão factos susceptíveis de permitir a imputação ao arguido da prática do crime de burla qualificada, p. e p. pelos art.ºs 218, 217/1 e 202/al. b) do C.P.

  2. Não se conformando com tal entendimento, defende o assistente que, atenta a factualidade explanada no seu requerimento de abertura de instrução, se impunha à Mma. Juiz a quo abrir a instrução e ordenar a execução das diligências instrutórias requeridas e outras que se revelassem necessárias ao apuramento da verdade material, ao invés de tentar fundamentar o seu Douto despacho de rejeição em meras conjecturas e juízos prévios.

  3. Com efeito, os autos terminaram, na fase de inquérito, com um despacho de arquivamento parcial, segundo o qual os factos apurados em sede de inquérito consubstanciavam apenas a comissão de um crime de falsificação de documento, sem proceder a uma análise mais aprofundada dos factos carreados para os autos no que concerne à eventual comissão do crime de burla qualificada com base na invocação do princípio “non bis in idem”, ignorando, assim, o conjunto de novos factos que o assistente descreveu na sua participação criminal.

  4. Não se conformando com tal decisão, o assistente requereu abertura de instrução, no estrito cumprimento do disposto nos art.ºs 287/2 e 283/3, ambos do C.P.P.

  5. A Mma Juiz a quo rejeitou o requerimento de instrução invocando a sua inadmissibilidade legal do (art.º 287, n.º 3 do C.P.P) apesar de não ter logrado demonstrar que o mesmo não continha, em súmula, as razões de facto e de direito de discordância relativamente arquivamento parcial dos autos, ou por ausência de indicação dos actos de instrução pretendidos, dos meios de prova que não tenham sido considerados no inquérito e dos factos que, através de uns e de outros, se esperava provar, ou o mesmo não respeitou o disposto nas alíneas b) e c) do n.º 3 do artigo 283.º do C.P.P.

  6. Ao invés, limitou-se a presumir que a factualidade descrita pelo assistente não integra a prática de crime de burla em virtude de não existirem factos integradores de um comportamento astucioso ou ardiloso praticado pelo arguido e que tenha sido em consequência dessa astúcia ou ardil que o assistente tenha praticado actos que lhe causaram prejuízos de natureza patrimonial, H. O que fez sem fundamentos concretos, decidindo com base em meras conjecturas e presunções, sem aquilatar, como lhe cabia, se os factos carreados para os autos indiciam ou não a prática de crime de burla qualificada, atendendo particularmente à circunstância de o arguido ter...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT