Acórdão nº 260/14.0GDCBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 10 de Janeiro de 2018
Magistrado Responsável | HELENA BOLIEIRO |
Data da Resolução | 10 de Janeiro de 2018 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam, em conferência, na 4.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra: I – Relatório 1.
Nos autos de instrução n.º 260/14.0GDCBR, do Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra – Juízo de Instrução Criminal de Coimbra – Juiz 1 –, a Mma. Juíza de Instrução, entendendo que estavam verificados todos os pressupostos da dispensa de pena, decidiu arquivar o processo relativamente ao crime de injúria, previsto e punido pelos artigos 181.º, n.º 1 e 183.º, n.º 1, alínea b), ambos do Código Penal, imputado ao arguido A...
na acusação particular que contra ele havia sido deduzida pelo assistente B...
, proferindo, consequentemente, despacho de não pronúncia quanto ao mesmo.
-
Inconformado com a decisão, dela recorreu o assistente B...
, finalizando a motivação com as seguintes conclusões (transcrição): “1 – O arguido A... foi acusado pelo crime de injúrias, p. e p. pelo art. 181º, nº1 e 183º, n.º 1, al. b) do CP.
2 – Foi pelo mesmo requerida a abertura de instrução pugnando pela dispensa de pena.
3 – Veio a Mma Juiz de Instrução arquivar os presentes Autos, considerando cumpridos os pressupostos legais da dispensa de pena, designadamente, 4 – que a sua actuação foi uma consequência da conduta reprovável de seu pai, B... .
5 – O Arguido A... reconheceu ter injuriado o pai.
6 – Ora, estando perante prova indiciária, não pode a JIC dar como provado o requisito de que conduta do Arguido foi provocada por actuação ilícita do ofendido, constante do n.º 2 do art. 186º do CP.” 7 – admite como possível o Ofendido a dispensa de pena do seu filho em sede de julgamento caso este faça prova da ilicitude da sua conduta.
8 – Efectuou a JIC um julgamento antecipado e despropositado do Ofendido/Arguido B... , resultando violado o art. 186º, n.º 2 do CP..
Face ao exposto devem V.
as Ex.
as proferir decisão em recurso que revogue a produzida pelo JIC do Tribunal a quo, proferindo outra que pr4ofira despacho de pronúncia, fazendo-se assim, JUSTIÇA”.
-
Admitido o recurso, o Digno Magistrado do Ministério Público apresentou resposta em que pugna pelo seu não provimento e consequente manutenção do despacho recorrido, para o que invoca, no essencial, que estão reunidos todos os pressupostos para a aplicação da dispensa da pena, nos termos do artigo 280.º do Código de Processo Penal (doravante CPP), sendo certo que no caso do crime imputado o referido instituto se encontra expressamente previsto no artigo 186.º, n.º 2 do Código Penal e que em sede de inquérito e de instrução o grau probatório que é exigível corresponde ao da existência de indícios suficientes, pelo que tal bastará para determinar o arquivamento com base em dispensa da pena.
-
Respondeu também ao recurso o arguido A...
, apresentando as seguintes conclusões (transcrição): “A. De acordo com o disposto no art. 280.º, n.º 3 do CPP, “a decisão de arquivamento, em conformidade com o disposto nos números anteriores, não é susceptível de impugnação”. Ou seja, a lei veda a possibilidade de reagir a esta decisão quer através de recurso, quer por via hierárquica.
-
Versando a decisão recorrida sobre o arquivamento por verificação dos pressupostos da dispensa de pena, ao abrigo do disposto no art. 280.º, n.º 2 do CPP, o recurso interposto pelo assistente é inadmissível, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 280.º, n.º 3 e 399.º, ambos do CPP.
-
Acresce que, dos autos resulta suficientemente indiciada a existência de agressões físicas, verbais e psicológicas por parte do assistente/recorrente dirigidas ao ora arguido, seu filho.
-
A existência de uma acusação pública contra o assistente, pela prática do crime de violência doméstica contra o arguido pelos factos ocorridos na noite de 28/09/2014 (e por outros), resulta da recolha, durante o inquérito, de indícios suficientes de se ter verificado o crime e de o assistente ser o seu agente.
-
Existe de prova indiciária quanto à verificação dos factos que constituem crime e de que assistente é responsável por esses factos.
-
Esses indícios suficientes são quanto basta para aferir da existência de uma conduta repreensível por parte do assistente contra o arguido A... , que provocou a ofensa aqui em colação.
-
A Merítissima JIC limitou-se a concluir que “a actuação do arguido A... teve lugar na sequência de condutas altamente reprováveis por parte do seu pai B... ”. A Merítissima JIC nunca conclui, ao contrário do referido pelo recorrente na sua conclusão n.º 6 que “a conduta do arguido foi provocada por actuação ilícita do ofendido”.
-
Sendo que a conduta repreensível do ofendido é quanto basta para o preenchimento do requisito do n.º 2 do art. 186.º do CP.
-
Verificando-se os restantes pressupostos para a dispensa de pena, estabelecidos pelo art. 74.º do CP, que, aliás, não foram postos em crise pelo recorrente no seu recurso, não merece qualquer censura a decisão recorrida, devendo manter-se o despacho de não pronúncia proferido pelo Tribunal a quo, com as legais consequências.
NESTES TERMOS E COM DOUTO SUPRIMENTO DEVE O RECURSO INTERPOSTO PELO RECORRENTE/ASSISTENTE SER JULGADO IMPROCEDENTE E SER CONFIRMADO O DESPACHO DE NÃO PRONÚNCIA, COM AS LEGAIS CONSEQUÊNCIAS”.
-
-
Subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, na intervenção a que alude o artigo 416.º do CPP, emitiu parecer em que acompanha a resposta apresentada pelo Digno Magistrado do Ministério Público na 1.ª instância e manifesta concordância com os fundamentos invocados na resposta do arguido A... , pugnando, assim, pela improcedência do recurso e manutenção do despacho recorrido.
-
Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2 do CPP, não foi apresentada qualquer resposta.
-
Efectuado exame preliminar e colhidos os vistos, foram os autos à conferência.
Cumpre agora decidir.
* II – Fundamentação 1.
Dispõe o artigo 412.º, n.º 1 do CPP que a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido.
Constitui entendimento constante e pacífico que o âmbito dos recursos é definido pelas conclusões formuladas na motivação, as quais delimitam as questões que o tribunal ad quem tem de apreciar[1], sem prejuízo das que sejam de conhecimento oficioso[2].
Atentas as conclusões apresentadas, que traduzem de forma condensada as razões de divergência do recorrente com a decisão impugnada, a questão a decidir prende-se com o preenchimento do pressuposto material da dispensa da pena previsto no artigo 186.º, n.º 2 do Código Penal.
* 2.
O despacho recorrido.
2.1.
A decisão instrutória objecto do presente recurso tem o seguinte teor (transcrição da parte relevante): “Vem o arguido A...
requerer a abertura de instrução em virtude de não concordar com a acusação particular contra si deduzida, pugnando pela sua não pronúncia ou, subsidiariamente, pelo arquivamento do processo, nos termos do artigo 280º do Código Penal.
Em síntese, alega não é verdade que tenha dito que o assistente sempre tratou a sua mãe como uma rameira; a expressão cabrão foi proferida pelo arguido no contexto descrito na acusação pública; o arguido encontrava-se a ser agredido e estava a tentar defender-se; o seu pai pergunta-lhe se estava armado em carapau de corrida e apelidou-o de filho da puta; o arguido disse que o pai não respeitava a memória da mãe; o arguido proferiu a expressão cabrão quando estava a ser sufocado, esbofeteado e insultado; não a proferiu com a intenção de atingir a honra ou consideração do assistente; foi uma expressão de raiva, de impotência, atirada para o ar; o arguido agiu, pois, em legítima defesa e, como tal, não deve ser considerada ilícita a sua conduta; aliás, o arguido não agiu com intenção de lesar a honra e consideração do assistente; caso assim não se entenda, requer a aplicação do artigo 280º do Código de Processo Penal, isto é, o arquivamento em caso de dispensa...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO