Acórdão nº 124/15.0T9SPS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 07 de Fevereiro de 2018
Magistrado Responsável | ORLANDO GON |
Data da Resolução | 07 de Fevereiro de 2018 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam, em Conferência, na 4.ª Secção, Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra.
Relatório Pelo Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, Juízo de Competência Genérica de São Pedro do Sul, sob acusação do Ministério Público, foi submetida a julgamento, em processo comum, com intervenção do Tribunal Singular, a arguida A...
, divorciada, funcionária administrativa, filha de (...) e de (...) , nascida em 22.2.71, natural da freguesia de (...) , concelho de (...) , residente na (...) , nesta cidade de (...) , imputando-se-lhe a prática, em autoria material, de um crime de burla qualificada, na forma continuada, p. e p. pelos artigos 217.º, n.º 1, 218.º, n.º 2, al. c) e 30.º, n.º 2, todos do Código Penal.
A ofendida B... deduziu pedido indemnizatório contra a arguida/demandada, requerendo a condenação desta no pagamento dos montantes de que indevidamente se apropriara, bem como a compensação de danos não patrimoniais alegadamente sobrevindos por virtude da conduta imputada à demandada.
Realizada a audiência de julgamento – no decurso da qual se comunicou uma lateração não substancial dos factos , nos termos do art.358.º, n.ºs 1 e 3 do C.P.P. –, o Tribunal Singular, por sentença proferida a 14 de julho de 2017, decidiu: - Condenar a arguida A... como autora material e em concurso real, de 4 crimes de burla informática, cada um p. e p. pelo art.221º, nº 1 do Código Penal, na pena de 100 dias de multa, pelos factos ocorridos a 12.10.15; na pena de 75 dias de multa, pelos factos ocorridos a 26.10.15; na pena de 70 dias de multa, pelos factos ocorridos a 27.10.15; e na pena de 85 dias de multa, pelos factos ocorridos a 9.11.15; - Operar o cúmulo jurídico destas penas e condenar a arguida A... na pena conjunta de 210 dias de multa, à taxa diária € 8,00, num total de € 1.680, com 140 dias de prisão subsidiária; e - Condenar a arguida/demandada A... a pagar à demandante B... a importância global de € 2.798,59 euros, sendo € 2.298,59 a título de indemnização por danos patrimoniais e € 500,00 a título de compensação por danos não patrimoniais, e absolver a demandada A... do remanescente do pedido contra si deduzido, ou seja, da importância de € 1.510,00.
Inconformada com a douta sentença dela interpôs recurso a arguida A...
, concluindo a sua motivação do modo seguinte: 17.
Normas violadas: a douta sentença proferida pelo Tribunal a quo violou, não a aplicando como deveria, designadamente, a norma contida no art.30.º, n.º 2, do CP.
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Dispõe o art.30.º, n.º 2, do CP, que o âmbito normativo do crime continuado pressupõe que o agente aja “(...) no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente”.
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O tribunal a quo concluiu não se ter verificado qualquer contexto ou dinâmica exterior ao tipo legal capaz de mitigar a culpa da arguida.
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Porém, o crime continuado ocorrerá sempre que no conjunto de crimes repetidos se repita também a circunstância exterior que os facilita, circunstância essa que de alguma forma “convida” à prática do crime; esse “convite” será de tal forma que, cessando, levaria, com alguma probabilidade, à interrupção daquela sucessão de crimes.
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A arguida teve sempre o cartão da ofendida ao seu alcance e dele se poderia apropriar sem que esta disso se apercebesse por não o utilizar por longos períodos de tempo.
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A circunstância exterior, traduzida no facto de a arguida ter tido o cartão ao seu alcance, podendo dele se apropriar sem que a ofendida de tal se pudesse aperceber, constituiu um convite à prática do crime, apelo a que aquela não resistiu, atenta, até, a sua débil situação financeira.
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Não fora esta circunstância, ou seja, se o referido cartão não estivesse ao alcance da arguida nem esta dele se pudesse apoderar sem que a ofendida de tal se apercebesse, com toda a probabilidade a sucessão de crimes teria sido interrompida.
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Destarte, outra conclusão se não pode retirar que não a de que estamos na presença da prática de um crime continuado e não ante a prática de distintos crimes.
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Consequentemente, deverão ser reduzidas substancialmente as medidas quer da pena de multa quer do montante indemnizatório fixados à arguida.
Nestes termos, e nos mais de direito que Vs. Ex.cias doutamente suprirão, deverá dar-se provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida e substituindo-se esta por outra que conclua pela prática, por parte da arguida, de um crime continuado, com as devidas consequências quanto às medidas da pena de multa e indemnização fixadas – com o que se fará Justiça.
A assistente B... apresentou resposta ao recurso pugnando pela manutenção na íntegra da decisão recorrida.
O Ministério Público no Juízo de Competência Genérica de São Pedro do Sul respondeu também ao recurso interposto pela arguida, pugnando pela total improcedência do recurso e manutenção da sentença recorrida.
O Ex.mo Procurador-geral adjunto neste Tribunal da Relação emitiu parecer no sentido de que a sentença padece da nulidade a que alude o art.379.º, n.º1, al. b) do Código de Processo Penal e que, no mais, se revê na solução encontrada quanto à qualificação jurídica dos factos.
Foi dado cumprimento ao disposto no art.417.º, n.º 2 do C.P.P., tendo respondido a assistente renovado o entendimento de que a douta sentença deve manter-se na integra pois as nulidades previstas no art.379.º do C.P.P. têm de ser arguidas e a nulidade em causa não o foi, pelo que se mostra sanada.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
Fundamentação A matéria de facto apurada e respetiva motivação constantes da sentença recorrida é a seguinte: Factos provados 1 – A ofendida B... nasceu em 15.5.1924, e durante o ano de 2015 residia sozinha em casa sita nesta cidade de (...) .
2 – Não obstante tal vivência a só, a ofendida era/é acompanhada pelos seus familiares mais próximos, nomeadamente os netos, que a visitam.
3 – Por causas naturais relacionadas com a sua idade, a ofendida apresenta alguns sinais de senilidade, que se repercutem em falhas de memória e de conhecimento.
4 – A ofendida é titular da conta bancária com o nº (...) , do (...) , estando associada a tal conta um cartão de débito com o nº (...) .
5 – Atenta a idade da ofendida, e consequentes limitações físicas, a arguida foi contratada para efectuar serviços de índole doméstica na residência da primeira.
6 – Iniciou a prestação de tais serviços em Abril ou Maio de 2015.
7 – No dia 12.10.15 a arguida, que por modo não concretamente apurado tinha na sua posse o cartão de débito mencionado em 4, dirigiu-se a um terminal multibanco e, sem que para o efeito tivesse autorização da ofendida, utilizando aquele cartão, efectuou os seguintes pagamentos: a) 96,75 euros referentes a duas facturas de consumos de telecomunicações, no âmbito de contrato celebrado com a (...) e do qual a arguida era titular; b) 80 euros referente a prestação no âmbito de contrato de crédito ao consumo celebrado entre a arguida e a entidade (...) .
8 – Ainda nesse dia, na posse do referido cartão de débito, a arguida dirigiu-se ao centro comercial denominado (...) , sito na cidade de Viseu e, usando o dito cartão, sem autorização da ofendida, efectuou o pagamento das seguintes aquisições:
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Pelas 20.56 horas a compra, no estabelecimento denominado ‘Fnac.) ’, de uma playstation 4, da marca Sony, e um seguro associado, no valor global de 483,99 euros; b) Pelas 21.12 horas a compra, no estabelecimento denominado ‘Upstyle’, de duas calças da marca Denim, no valor global de 114,90 euros; c) Pelas 21.14 horas a compra, no estabelecimento denominado ‘Upstyle’, de um blusão em pele, no valor de 280 euros; d) Pelas 21.52 horas a compra, no estabelecimento denominado ‘Pereirinha Viriato’, de uma pulseira em prata, duas contas ‘Pandora’ em prata e um clip ‘Pandora’ em prata, no valor global de 142 euros.
9 - No dia 26.10.15 a arguida, que por modo não concretamente apurado tinha na sua posse o cartão de débito mencionado em 4, dirigiu-se ao centro comercial denominado (...) , sito na cidade de Viseu e, usando o dito cartão, sem autorização da ofendida, efectuou o pagamento das seguintes aquisições:
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Pelas 21.40 horas a compra, no estabelecimento denominado ‘Bluebird’, de uma conta ‘Pandora’ em prata e um relógio da marca ‘Tommy Hilfinger’, no valor global de 248 euros; b) Pelas 21.46 horas a compra, no estabelecimento denominado ‘Upstyle’, de umas calças da marca Denim, no valor de 99 euros.
10 - No dia 27.10.15 a arguida, que por modo não concretamente apurado tinha na sua posse o cartão de débito mencionado em 4, dirigiu-se a um terminal multibanco e, sem que para o efeito tivesse autorização da ofendida, utilizando aquele cartão, efectuou os seguintes pagamentos: a) 59,05 euros referente a uma factura de...
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