Acórdão nº 166/17.0GBLSA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 07 de Fevereiro de 2018

Magistrado ResponsávelJORGE FRAN
Data da Resolução07 de Fevereiro de 2018
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

ACORDAM NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA No Juízo de Competência Genérica da Lousã, J-1, da Comarca de Coimbra, correram termos os autos de Processo Sumário nº 166/17.0GBLSA, nos quais o arguido A...

foi submetido a julgamento, acusado pela prática, em autoria material e em concurso efectivo, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p.p. pelos art.ºs 292.º, n.º 1, e 69.º, n.º 1, al. a), ambos do Código Penal, e de um crime de violação de proibições, p.p pelo art.º 353.º, do Código Penal.

Efectuado o julgamento, viria a ser proferida sentença, decidindo nos seguintes termos (transcrição): Em face do exposto, o tribunal decide:

  1. Condenar o arguido A... pela prática, como autor material, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p.p. pelos art.ºs 292.º, n.º 1, e 69.º, n.º 1, al. a), ambos do Código Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão e na pena acessória de proibição de conduzir quaisquer veículos com motor por um período de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses.

  2. Condenar o arguido A... pela prática, como autor material, de um crime de violação de proibições, p.p pelo art.º 353.º, do Código Penal, na pena de 8 (oito) meses de prisão.

  3. Operando o cúmulo jurídico das referidas penas de prisão condenar o arguido A... na pena única de 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão efectiva, ao que acresce a pena acessória de proibição de conduzir quaisquer veículos com motor por um período de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses.

  4. Advertir o arguido de que, decorrido o período de 30 dias necessário para se aferir do trânsito em julgado da sentença, dispõe do prazo de 10 dias para entregar na secretaria deste Tribunal ou em qualquer posto policial, que os remeterá àquela, todos os títulos que possua e que o habilitam a conduzir quaisquer veículos com motor (cfr. art.ºs 69.º, n.º 3, do Código Penal, e 500.º, n.º 2, do Código de Processo Penal), sob pena de, não o fazendo, incorrer na prática de um crime de desobediência, previsto e punível pelo art.º 348.º, n.º 1, al. b), do Código Penal, de que durante o período de execução da pena acessória de proibição de conduzir que lhe foi imposta não pode conduzir qualquer tipo de veículos com motor, sob pena de cometer um crime de violação de proibições, previsto e punível pelo art.º 353.º, do Código Penal, não contando para o prazo da proibição o tempo em que estiver privado da liberdade, nos termos do disposto no art.º 69.º, n.º 6, do Código Penal, e de que os seus títulos de condução que já se encontram apreendidos no processo n.º 165/16.0GBLSA, findo o cumprimento da pena acessória que nesse processo lhe foi aplicada, permanecerão apreendidos para cumprimento da pena acessória em que foi condenado no processo n.º 155/17.5GBLSA e após para cumprimento da pena acessória em que foi condenado no presente processo, caso os referidos títulos de condução continuem apreendidos aquando do trânsito em julgado das sentenças.

  5. Condenar, ainda, o arguido nas custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 1 UC (uma unidade de conta).

Proceda ao depósito.

Comunique, desde já, a presente sentença ao processo sumário n.º 155/17.5GBLSA, cuja sentença foi também proferida no dia de hoje, e ao processo sumário n.º 165/16.0GBLSA.

Remeta boletim ao registo criminal.

Comunique à ANSR e ao IMT (art.º 500.º, n.º 1, do Código de Processo Penal).

Inconformado, o arguido interpôs o presente recurso, que motivou, formulando as seguintes conclusões: 1. Tendo em conta os factos dados provados transcritos na motivação do presente recurso, entende o Recorrente que a Sentença recorrida enferma de vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.

  1. Atendeu a Sentença recorrida, na decisão da matéria de facto, às “certidões juntas aos autos extraídas dos processos sumários n.ºs 165/16.0GBLSA e 155/17.5GBLSA, de onde resultam os factos referentes aos mesmos, e os relatórios sociais de fls. 67 a 86, “de onde se extrai o tratamento da dependência alcoólica do arguido, mais ali constando que o arguido foi encaminhado para consultas de psicologia pelo facto de haver notícia de que teria reiniciado o consumo de bebidas alcoólicas nos últimos meses”.

  2. Quanto ao testemunho da companheira do Arguido, também constante das certidões juntas aos autos extraídas dos processos sumários n.ºs 165/16.0GBLSA e 155/17.5GBLSA, considerou-se “que o facto da companheira do arguido achar que o mesmo manifesta um comportamento depressivo não permite concluir que o arguido tem problemas psiquiátricos, ou sequer uma depressão, pela evidente falta de razão de ciência da companheira, a qual não é médica” e que “ainda que assim fosse, tal apenas adviria da aludida notícia de reinício do consumo de bebidas alcoólicas e da referida convecção da companheira, a qual, como já se disse, não tem competências para tanto”.

  3. Por outro lado, e tendo em conta os já mencionados relatórios sociais de fls. 78 a 86, bem como com os próprios factos a ser julgados, entende-se que uma “pessoa centrada, válida e responsável” não conduz um veículo automóvel, depois de se colocar em estado de embriaguez.

  4. Muito menos, o faz diversas vezes e, ainda mais, depois de ser julgado e punido por tal prática.

  5. Não resulta também das regras da experiência comum que “pessoa centrada válida e responsável” houvesse praticado um crime de incêndios, explosões e outras condutas especialmente perigosas.

  6. Ora, não decorre das regras da experiência comum que pessoas que se encontrem em estado de embriaguez possuam discernimento suficiente para atuar de forma consciente e valorar adequadamente as suas ações.

  7. Segundo os factos dados como provados, o arguido tem tido algum acompanhamento no tratamento desta dependência, parte dele, imposto por decisão judicial.

  8. Não se pode, pois, ignorar que tal dependência existe, sendo certo que, por um lado, resulta dos factos provados que terá existido essa mesma dependência em momentos anteriores e, por outro lado, não resulta dos mesmos que tal dependência já não se verifica.

  9. Ou seja, não se provou que tal dependência estaria já ultrapassada.

  10. Por outro lado, a Sentença de que ora se recorre, ao afirmar que “o cometimento dos factos em causa nestes autos por parte do arguido tão só um dia após ter estado presente em audiência de julgamento, na sequência de mais uma vez ter sido acusado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez”, acaba por reconhecer a existência de dependência alcoólica contemporânea à prática dos factos.

  11. Todavia, a questão que ficou por colocar passa por saber se dessa dependência resulta alguma “anomalia psíquica” ou “anomalia psíquica grave” e, se, em caso afirmativo, a anomalia psíquica de que padece o arguido, em relação aos efeitos que produz sobre o seu intelecto e a sua vontade, foi causal do comportamento que lhe é imputado e produziu, no momento da prática dos factos, um efeito psicológico suscetível de o incapacitar para avaliar a ilicitude do mesmo e de se determinar de acordo com essa avaliação.

  12. Ora, uma vez que o conceito de “anomalia psíquica” e de “anomalia psíquica grave”, para efeitos de aplicação do disposto no Art. 20.º do Código Penal, não está legalmente prevista, apesar de caber, sem sombra de dúvida, ao Douto Tribunal a quo responder a esta última questão, a verdade é que só através de perícia se poderia averiguar se se verifica alguma anomalia psíquica, proveniente, ou correlacionada, da dependência do álcool.

  13. Neste sentido, adianta o Ac. do TRE, de 20.05.2010, proc. n.º 401/07.3GDSTB-A.E1, que teve como relator o Venerando Desembargador António João Latas, que “Para efeitos da decisão sobre a inimputabilidade em razão de anomalia psíquica, nos termos do art. 20.º, nº1 do C. Penal, a prova da anomalia psíquica e sua caracterização constitui facto probando necessariamente objecto de prova pericial, pois trata-se da percepção, avaliação e caracterização de factos que apenas pode ser feita por peritos de psiquiatria forense, sendo-lhe aplicável o disposto no art. 163.º do CPP”.

  14. Assim, estando em causa a prova da anomalia psíquica para efeitos da aplicação – ou não – do disposto no Art. 20.º do Código Penal, exige-se um juízo técnico ou científico, que se subtrai, nos termos do disposto no Art. 163.º do Código de Processo penal, à livre apreciação do julgador.

  15. Com a ressalva de, em caso de divergência entre aquele juízo e esta livre apreciação, valer a última, desde que fundamentada a divergência.

  16. No caso sub judice, não se pode ignorar que os factos provados, ainda que de forma indiciária, contrariam o entendimento de que não se suscita a questão da inimputabilidade.

  17. O que resulta da factualidade apurada é que se está perante um indivíduo que, claramente, se encontra num estado de dependência do álcool e, em virtude dessa dependência, já foi o mesmo condenado pela prática de vários crimes.

  18. O arguido foi anteriormente condenado pela prática de três crimes de condução de veículo em estado de embriaguez e de um crime de incêndios, explosões e outras condutas especialmente perigosas e todas estas condenações do arguido estão relacionadas com a dependência de álcool.

  19. Mesmo na condenação pela prática de um...

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