Acórdão nº 1830/08.0TBMAI.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 15 de Dezembro de 2009

Magistrado ResponsávelGUERRA BANHA
Data da Resolução15 de Dezembro de 2009
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: APELAÇÃO.

Decisão: REVOGADA A DECISÃO.

Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO - LIVRO 335 - FLS 29.

Área Temática: .

Legislação Nacional: ARTº 1208º, 1209º, 1211º, 1218º, CÓDIGO CIVIL.

Sumário: I - Tendo a ré entregue à autora um veículo para reparação, tinha aquela direito a que esta discriminasse individualizadamente na factura ou documento equivalente todos os materiais empregues nessa reparação nos termos dos artº 1209.º n.º 1, e 1218.º, n.º 1, do Código Civil.

II - A não discriminação desses materiais na factura emitida pela autora e a omissão posterior dessa informação solicitada pela ré constitui motivo de recusa legítima desta em pagar o preço mencionado na factura enquanto aquela informação não lhe for prestada.

III - Tendo um dos veículos reparado pela autora, logo que devolvido à ré, apresentado a mesma avaria que havia motivado aquela reparação, tal significa que a reparação realizada pela autora não foi idónea a resolver a avaria que o veículo tinha.

IV - E sendo a prestação da autora uma obrigação de resultado, que neste caso não foi alcançado, há incumprimento desta, que se presume culposo, e confere à ré o direito de recusar o pagamento daquela defeituosa reparação.

Reclamações: Decisão Texto Integral: Proc. n.º 1830/08.0TBMAI.P1 Recurso de Apelação Distribuído em 23-09-2009 Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto.

I – RELATÓRIO 1. A sociedade B………., LDA, com sede na Maia, instaurou acção declarativa para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato, regulada no Decreto-Lei n.º 269/98, de 01/09, contra a sociedade C………., LDA, com sede na ………., no Porto, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de € 7.774,18, acrescida de juros de mora, à taxa de 12%, vencidos no montante de € 932,90 e vincendos até integral pagamento.

Fundamentou a sua pretensão alegando, em síntese, que, por encomenda da ré, efectuou reparações em veículos desta, nos termos que consta das facturas n.º ..98, ..91 e ..97, de que juntou cópias, cujo preço, acrescido de IVA, soma € 7.774,18, tendo sido acordado entre as partes que o preço deveria ser pago no acto da emissão da factura. Todavia, a ré ainda não tinha pago o preço constante das três facturas referidas.

A ré contestou nos termos que consta a fls. 15-23, tendo alegado, em síntese: 1) que a factura n.º ..98 respeita à reparação do veículo com a matrícula ..-..-TJ, o qual foi levado à oficina da autora para reparar a embraiagem e foi entregue à ré em 18-01-2007 com o mesmo problema, pelo que, em 22-01-2007, teve que ser levado às oficinas do concessionário da FORD para reparação, tendo a ré pago por esta reparação € 456,97; 2) que as facturas n.º ..91 e ..97 dizem ambas respeito à reparação do veículo com a matrícula ..-..-UT e mostram que alguns dos serviços foram facturados repetidamente nas duas facturas, como sucede com a mão-de-obra de chapeiro e a pintura, que a factura n.º ..91 não discrimina os "diversos materiais" ali referidos e que o veículo em causa deixou de circular poucos dias depois da sua entrega à ré; 3) que a autora foi interpelada sobre esses factos, por cartas de 25-06-2007 e de 25-10-2007, e não respondeu; 4) que efectuada peritagem a esse veículo, para que foi solicitada a presença da autora e que recusou, foi detectada "uma deformação no chassis da viatura" e "desencravamento do suporte de fixação da ponte do diferencial dianteiro", cuja reparação foi orçada em € 4.339,96; 5) impugnou ainda os juros de mora peticionados e pediu a condenação da autora por litigância de má fé; 6) para a hipótese de se vir a concluir que existia um débito da ré à autora, alegou que esta lhe devia € 540,00 de trabalhos realizados e materiais empregues em obra da autora e, por isso, pretendia que fosse realizada a compensação deste seu crédito com o eventual crédito da autora.

Realizada a audiência de julgamento, onde a autora respondeu à matéria das excepções suscitas pela ré, foi proferida sentença, a fls. 142-149, que, julgando a acção procedente, condenou a ré a pagar à autora a quantia de € 7.774,18, acrescida de juros de mora desde a citação, às taxas previstas para os créditos das empresas comerciais em vigor no período da mora.

  1. A ré apelou dessa sentença, extraindo das suas alegações as conclusões seguintes: a) O presente pleito resume-se, no entendimento da Recorrente, a duas simples questões, a saber: (1) a do cumprimento defeituoso dos contratos de empreitadas acordados entre Recorrente e Recorrida e (2) o facto de numa das facturas em causa se encontrar um verba no valor de 4.737,95€, que faz referência apenas a “Diversos materiais”, questões que acima pomos de forma simplificada para mais fácil raciocínio sobre as mesmas.

    1. Quanto a esta segunda questão, a decisão recorrida nem sequer a ela faz menção, apesar de ter sido alegada. No entanto é só a maior quantia em causa nos presentes autos, pelo que, tendo sido omitida tal questão na decisão recorrida, tal é motivo de nulidade da mesma, segundo o disposto no art.º 668.º, n.º 1, al. d), do CPC.

    2. De igual modo, não existe qualquer menção à “garantia” do serviço de reparação prestado pela Recorrida e nem a aplicação de tal regime legal foi tida em conta na decisão recorrida.

    3. Atentos os factos dados como provados, não podia resultar a decisão proferida nos presentes autos, resultando na existência de contradição entre esta e aqueles.

    4. Houve erro de julgamento, quanto à aplicação do direito aos casos em apreço, mormente, tendo sido violado o disposto nos art.ºs 762.º, n.º 1, 798.º, 799.º, n.º 1, e 1220.º a 1224.º do CC, pelas razões acima exaradas em sede de alegações.

    5. Foram também violados, pelas razões também ali alegadas, os art.ºs 35.º, n.º 5, do CIVA, bem como o disposto nos art.ºs 3.º, d) e e), 8.º, n.ºs 1 e 6, e 9.º, n.º 1, da Lei 24/96, de 31/07.

    6. Tal é o mesmo que dizer, que a decisão proferida deixa em branco um autêntico atropelo aos direitos de defesa do consumidor.

    7. Ao contrário do decidido e como se extrai dos factos dados como provados, a Recorrente exigiu explicações à Recorrida e tudo fez para que esta as desse, devendo aquela ter tido a iniciativa de colmatar os defeitos das reparações (mal) efectuadas.

    8. No entanto, nada disso foi tido em conta na douta decisão, apesar do quanto se encontra dado como provado.

    9. Face ao exposto, deve a presente decisão ser revogada, devendo a Recorrente ser absolvida de parte do pedido, devendo tal obrigação manter-se, quanto ao veículo de marca NISSAN, apenas no caso de a Recorrida reparar os defeitos do serviço a esta encomendado.

    Dos autos não consta que a autora tenha apresentado contra-alegações.

  2. Ao presente recurso é aplicável o regime processual introduzido pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24/08, porquanto respeita a acção instaurada após 01-01-2008 (cfr. art. 12.º do mesmo decreto-lei).

    De harmonia com as disposições contidas nos arts. 676.º, n.º 1, 684.º, n.ºs 2 e 3, e 685.º-A, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, na redacção aplicável, o objecto do recurso é delimitado pela decisão recorrida e pelas conclusões que o recorrente extrai das suas alegações, desde que reportadas àquela decisão, sem prejuízo das questões que o tribunal deve conhecer oficiosamente (art. 660.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).

    Pelo que, dentro desse âmbito, deve o tribunal resolver todas as questões que as partes submetam à sua apreciação, exceptuadas as que venham a ficar prejudicadas pela solução entretanto dada a outras (art. 660.º, n.º 2, do CPC). Com a ressalva de que o dever de resolver todas as questões suscitadas pelas partes, a que alude o n.º 2 do art. 660.º do Código de Processo Civil, não se confunde nem compreende o dever de responder a todos os “argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes”, os quais, por muito respeitáveis que sejam, nenhum vínculo comportam para o tribunal, como flui do disposto no art. 664.º do Código de Processo Civil (cfr., entre outros, ANTUNES VARELA, em Manual de Processo Civil, 2.ª edição, Coimbra Editora, p. 677-688; Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 371/2008, em www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/; acs. do STJ de 11-10-2001 e 10-04-2008 em www.dgsi.pt/jstj.nsf/ procs. n.º 01A2507 e 08B877; e ac. desta Relação de 15-12-2005, em www.dgsi.pt/jtrp.nsf/ proc. n.º 0535648).

    Tendo em conta o teor da decisão recorrida e o alcance das conclusões formuladas pela recorrente, o objecto do recurso visa, apenas, a decisão de direito e pode cingir-se, em súmula, às questões seguintes: 1) se na sentença recorrida foi omitida pronúncia sobre questões por si suscitadas na contestação, mormente no tocante às seguintes matérias: i) à não discriminação, na factura n.º ..91, do material diverso nela referido; ii) à "garantia" do serviço de reparação prestado pela autora; iii) à violação pela autora, na emissão das facturas, dos arts. 35.º, n.º 5, do CIVA, e dos arts. 3.º, als, d) e e), 8.º, n.ºs 1 e 6, e 9.º, n.º 1, da Lei 24/96, de 31/07; 2) se tais omissões constituem a nulidade prevista no art. 668.º, n.º 1, al. d), do Código de Processo Civil e, na afirmativa, pode essa nulidade ser suprida por este tribunal de recurso, nos termos do art. 715.º, n.º 1, do Código de Processo Civil; 3) se houve cumprimento defeituoso do contrato por parte da autora relativamente à reparação das viaturas da ré a que respeitam as facturas em dívida e, deste modo, foi cometido erro na decisão de direito, relativamente à aplicação das normas dos arts. 762.º, n.º 1, 798.º, 799.º, n.º 1, e 1220.º a 1224.º do Código Civil.

    Foram cumpridos os vistos legais.

    II – FACTOS PROVADOS 4. Na 1.ª instância foram julgados provados os factos seguintes: 1) A autora dedica-se à reparação e comercialização de automóveis.

    2) A ré é uma sociedade que se dedica à prestação de serviços na área da construção.

    3) Entre 18/01/2007 e 29/03/2007, a autora efectuou reparações em veículos pertencentes à ré, com as matrículas ..-..-TJ e ..-..-UT, por solicitação...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT