Acórdão nº 01022/16 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 25 de Outubro de 2017

Magistrado ResponsávelPEDRO DELGADO
Data da Resolução25 de Outubro de 2017
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam no Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo 1 – A Directora Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, inconformada com a decisão arbitral tributária proferida em 24 de Junho de 2016 nos autos que correram termos no Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) sob o nº 254/2015-T, a qual julgou ilegais e consequentemente anulou os actos de liquidação de imposto sobre o valor acrescentado e de juros compensatórios relativos ao ano de 2008, no montante global de € 28.755,52, vem ao abrigo do nºs 2 e 4 do artigo 25.º do RJAT e do nº2 do artº 152º CPTA, interpor recurso para o Pleno do Contencioso deste Tribunal por considerar que a referida decisão arbitral está em oposição com a jurisprudência firmada pelo Tribunal Central Administrativo Sul no acórdão proferido no âmbito do processo nº 07141/13, datado de 26 de Junho de 2014.

2 - Por despacho do relator de 07 de Dezembro de 2016, a fls. 97 dos autos, foi admitido o recurso para o Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, nos termos do artº 27º, nº1, al. b) do ETAF, 152º, nº4 do CPTA e 26º, nº1 do RJAT.

3 - A recorrente veio apresentar no seu requerimento de recurso a fls. 6 e seguintes, alegação tendente a demonstrar alegada oposição de julgados com o seguinte quadro conclusivo: «A. O presente Recurso para Uniformização de Jurisprudência tem como objecto a decisão arbitral proferida no processo n.º 254/2015-T CAAD, em 24-06-2016, pelo Tribunal Arbitral Singular em matéria tributária constituído, sob a égide do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), na sequência de pedido de pronúncia arbitral apresentado ao abrigo do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.

  1. A decisão arbitral recorrida colide frontalmente com a jurisprudência firmada pelo Tribunal Central Administrativo Sul no Acórdão proferido no âmbito do processo n.º 07141/13, datado de 26-06-2014, já transitado em julgado, o qual constitui acórdão fundamento dos presentes autos de recurso (cfr. Documento n.º 1, que se junta e se considera reproduzido para todos os efeitos legais).

  2. A Recorrente defende, com o devido respeito, que a decisão arbitral recorrida violou o disposto no n.º 3 do artigo 19.º do CIVA, porquanto procede a uma errónea interpretação das regras da repartição do ónus da prova constantes do artigo 74.º da LGT.

  3. A decisão recorrida impõe à AT a prova directa da simulação, contrariando a posição da jurisprudência firmada nos Acórdãos do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do STA proferidos em 16-03-2016, no âmbito do processo n.º 0587/15 e em 17-02-2016, no âmbito do processo n.º 0591/15 e também no acórdão fundamento, os quais defendem que a Administração Tributária não tem que demonstrar a falsidade das facturas mas apenas invocar factos que valorados à luz das regras da experiência comum indiciem a inexistência de transacções reais, fazendo cessar a presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes prevista do artigo 75° da LGT.

  4. No que respeita, em concreto, aos requisitos de admissibilidade do recurso por oposição de acórdãos quando estão em causa interpretações divergentes das regras da repartição do ónus da prova constantes do artigo 74.º da LGT, pronunciam-se os Acórdãos do STA referidos no ponto anterior, sendo que, à luz da jurisprudência nos mesmos expendida, é notório que também no caso vertente se encontram reunidos os requisitos para que se tenha por verificada a oposição de acórdãos.

  5. A decisão recorrida e o acórdão fundamento versam sobre situações fácticas substancialmente idênticas.

  6. Tanto no acórdão fundamento como na decisão arbitral recorrida foram considerados provados factos, apurados pela AT no âmbito de procedimentos inspectivos realizados junto de fornecedores indiciados como emitentes de facturação falsa, que fundamentaram as conclusões dos serviços de inspecção no sentido de que as facturas emitidas correspondiam a negócio simulado, o que impediu a dedução do IVA nas mesmas contido: H. No acórdão fundamento (cfr. alínea E) da fundamentação de facto) foi dado como provado o teor do relatório da inspecção tributária que fazia referência ao conteúdo duma informação da Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Aveiro; I. A decisão do Tribunal Arbitral transcreve o relatório na parte em que indica os fados respeitantes ao fornecedor B………, apurados no procedimento inspetivo levado a cabo pela Direcção de Finanças de Viseu (cfr. alínea d) da matéria de facto).

  7. Estamos, assim, perante situações idênticas em que “o núcleo da situação de facto é, pois, essencialmente, o mesmo, do ponto de vista do seu significado jurídico, traduzido na comprovada existência dos apontados “factos índice” recolhidos na esfera do emitente das facturas (factualidade essa que foi vertida no Probatório de ambos os acórdãos)]” (cfr. Acórdão de 16-03-2016, proc. 0587/15).

  8. No Acórdão recorrido e no Acórdão fundamento foi decidida a mesma questão fundamental de direito, que se prende com a aplicação das regras da repartição do ónus da prova, constantes do artigo 74.º da LGT, nas situações em que a AT dúvida da veracidade das operações mencionadas em facturas que titulam o direito à dedução do IVA.

    L. A decisão recorrida impõe à AT a prova directa da simulação, considerando que não basta a invocação pela AT de indícios fortes de facturação falsa apurados na esfera dos emitentes das facturas.

  9. Tal entendimento é contrário à posição da jurisprudência do STA nos acórdão referidos e também no acórdão fundamento, os quais defendem que a AT não tem que demonstrar a falsidade das facturas mas apenas invocar factos que valorados à luz das regras da experiência comum indiciem a inexistência de transacções reais, fazendo cessar a presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes constante do artigo 75.º da LGT; N. Prova indiciária que poderá ser recolhida com recurso à fiscalização cruzada, junto de outros contribuintes, nomeadamente dos fornecedores, tal como defende o acórdão fundamento quando afirma: “tais- indicadores de falsidade das facturas não têm necessariamente que advir de elementos do próprio contribuinte fiscalizado.” O. Entendimento oposto perfilha a decisão arbitral, desconsiderando totalmente os elementos recolhidos pela AT na acção inspectiva efectuada ao fornecedor, não obstante tais elementos, expressamente referidos no relatório, constituírem prova indiciária forte de facturação falsa.

  10. Ora, a decisão arbitral recorrida fundamenta-se no regime jurídico da simulação civil, definido no artigo 240.º do Código Civil, explicitando pormenorizadamente os seus requisitos.

  11. E é com base nos requisitos da simulação, dando especial relevância ao facto de “os elementos coligidos respeitam apenas à fornecedora B………..” e ao “conhecimento da Requerente”de tais elementos, que o tribunal arbitral decide anular os actos de liquidação de IVA, considerando que em “matéria tributária, as regras de distribuição do ónus da prova encontram-se previstas no artigo 74.º da Lei Geral Tributária, o qual determina que o ónus da prova recai sobre quem invoque os factos.” R. O Acórdão fundamento procedeu à apreciação da questão do ónus da prova em situações de facturação falsa nos termos do artigo 74.º da LGT, concluindo que compete à Administração “fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação, ou seja, de que existem indícios sérios de que a operação constante da factura não corresponde à realidade. Feita esta prova, passa a recair sobre o sujeito passivo o ónus da prova da veracidade da transacção “ S. Considera o acórdão fundamento: «não é imperioso que a Administração efectue uma prova directa da simulação. Como em muitos outros casos, haverá que recorrer à prova indirecta, a “factos indiciantes, dos quais se procurará extrair, com o auxílio das regras de experiência comum, da ciência ou da técnica, uma ilação quanto aos factos indicados. A conclusão ou prova não se obtém directamente, mas indirectamente, através de um juízo de relacionação normal entre o indício e o tema de prova” — cfr. Alberto Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, pág. 154; também neste sentido, entre outros, o acórdão do TCAN, de 26/04/12 (processo n° 00964/06.0 BEPRT).

    Ou seja, a AT não tem que demonstrar a falsidade das facturas, bastando-me evidenciar a consistência desse juízo (Acórdão do STA de 27/10/04, Processo 810/04), invocando factos que traduzem uma probabilidade elevada de a(s) operação (ões) referida(s) na(s) factura(s) ser(em) simuladas, probabilidade elevada capaz de abalar a presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes e dos dados constantes da sua contabilidade — artigo 75° da LGT Nesta tarefa, poderá a Administração Tributária lançar mão de elementos obtidos com recurso à fiscalização cruzada, junto de outros contribuintes, para obter os referidos índicos, pelo que tais indicadores de falsidade das facturas não têm necessariamente que advir de elementos do próprio contribuinte fiscalizado.» T. Pelo que é manifesta a divergência na “solução da questão jurídica da extensão, abrangência ou amplitude do ónus da prova”(cfr. Acórdão de 16-03-2016, proc. 0587/15).

  12. O acórdão fundamento e a decisão recorrida perfilham soluções opostas de forma expressa em idênticas situações de facto.

    V. Ora, o acórdão fundamento considerou que os “factos-índice” apurados junto do fornecedor ou o emitente das facturas “são suficientes para permitir à AT desconsiderar o IVA que tem a apontada factura como suporte documental, com o fundamento de que a operação referida nessa factura é simulada” e que “a AT demonstrou os pressupostos da sua actuação, cumprindo, nos termos já expostos, o ónus da prova que, neste ponto, me competia”.

  13. Concluindo que “tendo a Administração cumprido o ónus que sobre si impendia, competia ao Recorrente ter apresentado prova capaz de...

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